É um mantra quase inquestionável partir do princípio que o conhecimento científico está na base do progresso tecnológico
e do bem-estar económico. Que, se quisermos aumentar os segundos, precisamos de aumentar o investimento na produção e divulgação do primeiro. Isso é quase sempre
feito através de investimento público em universidades, laboratórios e formação de recursos humanos.
Mas será esta
aparente evidência, aceite pela maioria dos políticos e por quase todos os
investigadores e cientistas, verdadeira? Não estará o papel da ciência altamente
inflacionado e não será ela, só por si, e seja incapaz de trazer progresso económico?
Existe
pelo menos um académico que pensa assim. Num trabalho, já
com alguns anos, “The economic laws of scientific research”, Terence Kealey, Professor na Universidade de Buckingham, no Reino Unido, questionou o modelo tradicional segundo o qual o conhecimento é transferido de
uma forma linear das universidades e centros de investigação para a indústria. Num
estudo aprofundado que fez à Revolução Industrial, Kealey concluiu que as universidades é que prosperaram em consequência da riqueza produzida pelo crescimento industrial e
não o contrário, como se julga tradicionalmente.
Creio que Kealey,
sendo ele também um académico, não quis questionar a importância da ciência no
desenvolvimento económico. Mas talvez a cadeia de causalidade entre
investimento público em ciência e progresso económico, bem como a real
importância da ciência neste processo tenha sido extremamente exagerada. Segundo
Kealey existem outros factores importantes, sem os quais, o investimento
em ciência é um mero desperdício de recursos.
E porque me lembrei deste estudo? Ao ler
um relatório recente, bastante pormenorizado, elaborado pela FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia sobre a ciência em Portugal e os caminhos futuros, não pude deixar de verificar alguns factos surpreendentes, que me levantaram algumas questões que queria partilhar com os leitores para uma discussão aberta e não dogmática.
O esforço do investimento em I&D em Portugal sofreu um aumento considerável nos últimos 15 anos, estando agora perto da média europeia. No entanto, se analisarmos os outputs, encontramos resultados modestos. É verdade que houve um aumento importante tanto do número de doutorados como do número de publicações. Mas a posição do país no ranking internacional de ciência manteve-se praticamente inalterada e o ranking das nossas universidades continua a ser modesto.
O número de patentes submetidas manteve-se residual, como residual é o número de doutorados a trabalhar nas empresas. Os projectos de colaboração entre empresas e universidades são praticamente reféns de projectos, directa ou indirectamente, apoiados pelo QREN e não orgânicos.
Não quero, nem posso, ter um olhar pessimista sobre o esforço que foi, e deve continuar a ser, investido na promoção do conhecimento, mas pergunto-me: não estaremos a investir recursos de forma pouco racional e economicamente sustentável? Não será necessário criar mecanismos de financiamento da investigação mais eficazes? Não deveria parte destes fundos ser canalizado para o incentivo à criação de spin-offs e startups dentro das próprias universidades e unidades de investigação?
São perguntas que deixo em aberto, entre outras que me ocorrem. Não querendo reduzir a ciência a outputs económicos, estes não podem ser ignorados como têm sido até aqui.
14 comentários:
Excelente texto, Armando. Há poucos académicos que ponham em causa a ideia de que o investimento na investigação e nas universidades é vantajoso para a sociedade em geral, por razões óbvias: estão a defender os seus próprios interesses. Mas a verdade é que quaisquer relações de causalidade no que respeita a fenómenos sociais são sempre muitíssimo difíceis de estabelecer cientificamente, de modo que é muito comum invocar meras correlações como se fossem relações causais, quando isso é do interesse de quem as invoca, ou até causalidades ao contrário, afirmando-se que A causa B, quando na verdade é B que causa A.
Pior: mesmo que exista uma relação causal real e não meramente fantasiosa entre o investimento em X, numa dada sociedade, e o bem-estar e progresso dessa sociedade, daqui não se segue que fazer a mesma coisa noutra sociedade terá o mesmo resultado. Porquê? Porque as sociedades são muito complexas e muito diferentes entre si.
Infelizmente, a própria investigação séria nestas áreas, além de ser parca e sujeita a imensas distorções interesseiras e ideológicas, é largamente ignorada pelos políticos.
Pessoalmente, penso que hoje em dia os principais obstáculos ao desenvolvimento económico são os estados e os grandes grupos económicos. Os primeiros porque, por meio de impostos de moralidade duvidosa, detêm um poder económico brutal, impedindo a economia de produzir naturalmente mais bem-estar e desenvolvimento. Os segundos porque asfixiam a concorrência, que é o motor do desenvolvimento. O que precisamos, do meu ponto de vista, parece uma contradição: menos estado e mais estado na economia. Menos estado, no sentido de o estado quase não cobrar impostos e portanto deixar que essa riqueza alimente directamente na economia; mais estado, porque é preciso mais controlo legislativo para impedir a criação de grandes grupos económicos (como é o caso de jornais, editores, supermercados, etc.). Infelizmente, o que temos é o oposto: ao mesmo tempo que o estado está presente na economia, distorcendo-a completamente e impedindo o desenvolvimento, não está presente na economia onde deveria estar, vigilante e atento.
Li 4 páginas do relatório da FCT e uma entrevistado sujeito que escreveu o livro. O mercado produziria investigação científica? Sim. A suficiente para cumprir com todos os seus objectivos? Duvido.
Tanto um, como outro, caem no mesmo erro, na minha humilde opinião. E o erro é que a investigação de cariz académico se destina a produzir tecnologia.
Não se destina, só mesmo quem nunca o fez uma das duas poderia pensar isso. Produzir tecnologia envolve tanto mais que escrever uns papers ou umas patentes que chega a ser cómica a referência.
Neste aspecto o que li do relatório da FCT parece ter sido feita por burocratas ou, melhor, para satisfazer burocratas. A investigação de cariz académico, com as suas métricas de sucesso globalmente aceites, é para produzir recursos humanos.
Neste sentido, a investigação produzida pelo mercado não poderia ter como objectivo formar recursos humanos, nem mesmo como subproduto e, portanto, aquilo que sairia seria algo de substancialmente diferente. Consequentemente, as métricas de sucesso económico que ambos usam não fazem o menor sentido porque tentam medir algo disparatado(só lhes falta o erro no Excel:) ). Eu, por exemplo, uso recursos formados na investigação nacional que não produzem uma única patente e cujo valor económico é claramente superior aqueles que não foram lá formados.
Agora, isto não altera em nada o facto de se questionar o volume do financiamento, os destinatários do financiamento, as lideranças dos projectos de investigação, para os objectivos que se pretende alcançar, e onde se deve juntar o custo de oportunidade de andar a imobilizar recursos importantes na boca das bolsas e que depois são colocados no mercado de trabalho com 36 anos e zero de experiência relevante.
Boa noite,
gostei muito deste post, pela pertinência e importância deste tema. Chamo-me Sílvia e conclui no início deste ano a minha licenciatura,após um investimento considerável da minha parte, considerando a minha situação financeira precária. Á semelhança de muitos jovens e menos jovens, foram mais de 3 anos de esforço e dedicação, para no final (não que não esperasse isto, tendo em conta a situação do país...) não ter qualquer hipótese de emprego na área. Nem estágios nem nada semelhante. Nada. Eu continuo no desemprego e os meus ex-colegas que estão empregados encontram-se a trabalhar em call-centers, lojas ou até mesmo nas limpezas. Outros licenciados que conheci na faculdade e que terminaram o curso, estão há 1 ou 2 anos na mesma situação de inadequação absoluta entre formação e categoria profissional. Tal como os meus ex-colegas, econtro-me numa situação de desmotivação e tristeza, porque se não é novidade que muitas vezes o primeiro emprego pós-curso não é o ideal, também nos confrontamos com o risco de não o ser por tempo imprevisível, fazendo com que a nossa formação caia no vazio. Não há mal em ter um trabalho "menor" (durante o curso, para pagar as propinas, por exemplo...) mas jamais por anos a fio após o curso. Neste contexto de crise é natural que as coisas passassem de algum modo por isto, mas também me pergunto, não seria possivel mitigar o problema se o investimento na investigação fosse feito de outra forma mais racional e estratégica? É que como foi referido, ter recursos humanos em massa sem experiência,após anos de empregos "menores" não só é devastador para as próprias pessoas,como invalida, no meu ver, o valor que essas pessoas poderiam adicionar a um desenvolvimento sustentável. Os anos acabam por apagar a maior parte do conhecimento adquirido, a experiência não existe e nunca é posta em prática, e centenas, milhares de pessoas foram formadas...para quê? Talvez eu tenha uma visão demasiado básica destas coisas pois sou somente uma recém-licenciada, mas tudo faz-me pensar, valeu a pena? E se eu não conseguir um estágio ou um emprego nesta área nos próximos 5 anos? E quando vejo todos os anos centenas de pessoas a entrarem nas faculdades, qual será o futuro delas? Aprendem...mas...e depois? Com que tipo de recursos humanos, (nos quais foi investido tanto tempo, capital,etc..)é que se está a dotar o futuro do país nos próximos anos?
Três notas.
1. O que é exactamente o esforço em I&D referido? bolsas de estudo em temas esotéricos? os títulos de algumas teses deixam adivinhar que nalguns casos nem a isso aspiram...
2. Depois há a justiça. Qual é a defesa dum criador contra o pirata nesta república das bananas? Esperar 10, 15 anos que um processo chegue à barra? para depois ser decidido por um juiz que nem o trabalho de casa fez? Compare-se com a Dinamarca pe...
3. Quanto custa fazer e manter uma patente?
Cordialmente,
António
Caro Armando,
Esta sua inquietação (bem como a visão algo provocatória e inocente do que descreveu) como a rentabilização dos recursos alocados à ciência é bastante mais comum do que parece. No fundo ela corresponde à perspectiva que têm os políticos de um modo geral (que por norma estão bastante distantes da àrea das ciências), os políticos que normalmente aspiram à administração dos interesses (e dos dinheiros) públicos, normalmente (e bem) defendem que esses dinheiros devem ser bem geridos (isto não só no nosso país como também por esse mundo fora) e normalmente preconizam que deva existir uma grande proximidade e interacção com o sector produtivo (industrial, telecomunicações, saúde,...) e por norma estabelecem orientações nesse sentido. Já o sucesso das dessas medidas provavelmente estará um pouco (ou muito) àquem do pretendido.
Para mim este é um assunto complicado, que merece continuar a ser reflectido. Gostava apenas de desfazer a ideia que parece ter de que ninguém parece preocupar-se com isto.
Cara Silvia;
Ao ler o seu comentário pareceu-me bem escrever-lhe esta transcricão que encontrei no livro de Alberto Pedroso - Bento de Jesus Caraca, Semeador de Cultura e Cidadania [pág. 291].
«Em que consiste a ilusão democrática? Em se supor que a democracia, só por si, pode resolver as questões fundamentais da sociedade sem atender previamente nas condicoes indespensavéis para que ela possa existir. Em tomar a palavra pela palavra sem descer ao fundo do seu significado essencial. Em não se atender ao que há de necessário e exigente neste encandeamento impiedoso de raciocínios: Democracia é impossível sem inteira liberdade de julgamento; liberdade é impossível sem independência económica; independência económica é impossível em regime capitalista.
Quando penso na alianca bizarra da democracia com o capitalismo, ocorre-me sempre o compará-la com um casamento infeliz. Nos países de elevada cultura cívica, essa alianca conjugal toma o aspecto da de Adrien de Vallade com Clotilde, que Jean Richard Block nos descreve na sua magistral Sybilla. O marido, escritor da moda, homem prático, tendo passado as verduras da mocidade, pessoa sensata e distinta dentro de certo código moral, soube fazer da mulher uma secretária fiel e uma amante agradável; une-a de certo modo à sua obra e às suas conveniências, tudo evidentemente com fartas demonstracões de respeito e delicadeza, mas com um tão grande desconhecimento daquilo de que é capaz a sua alma superior, que Sybilla pode exclamar, logo desde o seu primeiro encontro - mas tu tens vivido no meio de cegos até hoje!
Nos países de mais baixo nível cívico, o quadro carrega-se de sombras e de tristezas. O homem deixa de ser um escritor considerado, distinto de maneiras, desce e desce na escala social até se transformar em certo tipo de indivíduo para quem os fins justificam todos os meios, todos, inclusive o de transformar a mulher primeiro de secretária em criada para todo o servico, para depois chegar a obrigá-la a descer à praca pública a vender-se. E, por último, como se ela fosse responsável dos males que o afligem, algema-a, amordaca-a e fecha-a na prisão.
A pobre elanguesce e definha na sua masmorra fria. E, nostálgicos, definham também os pálidos trovadores que formam seu cortejo romântico. Mas é preciso que esses trovadores se convencam, que não são as suas cancões lamentosas que restituirão vida e liberdade à dama dos seus amores. Enquanto eles se limitarem a cantar, com ou sem acompanhamento de guitarra, ela continuará na posse de um tirano - aquele que a espanca ou aquele que a explora.
[...]
Bom dia,
É um tema pertinente, que faz pensar. No entanto quer parecer-me que uma grande parte da tecnologia que hoje utilizamos derivou em última análise de investigação fundamental, isto é, sem aplicação prática à data em que foi realizada. Veja-se o caso de Mendel, que investigou a hereditariedade das características das ervilhas, e, tendo uma coisa levado à outra, hoje já se faz melhoramento genético de eucaliptos, com a consequente melhoria na produtividade da indústria da celulose, e os decorrentes ganhos económicos, para as empresas de celulose, mas também para o estado na forma de impostos. Portanto, a investigação fundamental não será apenas um meio de satisfazer a curiosidade que assiste à nossa espécie, mas também é um caminho para o desenvolvimento da sociedade, e que pode e tem gerado dividendos económicos.
No que respeita à produtividade científica no geral, no nosso país, na minha opinião terá pelo menos parcialmente a ver com a inconstância do financiamento. Cada vez que muda o governo o fluxo de financiamento altera-se. Nos EUA o financiamento é mais independente da côr política dominante, o que torna possível um certa linha de pensamento/ hipótese ser convenientemente investigada sem terminar prematuramente por falta de re-financiamento, e ainda sem resultados significativos.
Cordialmente,
Tiago
Será a língua portuguesa tão limitada para ser necessário recorrer tantas vezes aos estrangeirismos?
Quanto ao conteúdo, nada de novo, conversa de café ou de um qualquer Prós e Contras numa semana mais desinspirada.
De quando aborda-se o tema "impacto" haveria de ter uma linguagem para o setor económico, outra para ciência.
O comércio nasceu de uma forma interessante de partilha: o escambo. Esta pequena monta atendia a uma simples, solução. Atualmente o quê compreende a linha mercadológica, (de mercados) que estendera-se a tratados (de estima) supervaloriza o lucro. Haveria sentido transações comerciais de redistribuição de renda (bela teoria)? Ora, suavemente a prática dissolver-se-ia com base em sistema que (expande) pulsa a economia global.
Acontece que o estreitado ou alargamento de laços que operam a balança comercial, foram desenvolvidos a atender a regra de mercado que funcionam conforme a cara do freguês.
restringe ou alarga*
MAU NAO GOSTEI HAHAHAHA
MA NAO GOSTEI HAHAHA
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