sábado, 8 de junho de 2013

Um método universal de ensinar tudo a todos

João Amós Coménio, pastor protestante, professor e reformador, foi, a diversos títulos, um pedagogo admirável. Submetido a uma educação clássica, escolástica, contestou os seus princípios e práticas: o diferente acesso à educação, o rigor punitivo dos mestres, a visão da criança como adulto em miniatura, o uso de um modelo transmissivo como se não houvesse alunos, a desadequação dos métodos a tenras idades...

Não foi o primeiro, nem o único nessa contestação mas antecipando (ou inspirando) correntes teóricas que marcaram o século XX e que passaram para o século XXI, apresentou claramente questões de investigação, que viriam a marcar o trabalho de behavioristas, cognitivistas e funcionalistas. Entre essas questões está a seguinte: É possível ensinar tudo a todos?

A resposta, afirmativa, que Coménio deu a esta questão está patente nas várias obras que escreveu, mas é na Didáctica Magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos, publicado em 1627, que explica em pormenor as suas razões, muito assentes numa ideia que hoje temos por certa: o trabalho do professor, que é o ensino, é diferente do trabalho do aluno, que é aprender.

Essa diferença entre o ensinar e o aprender e, consequentemente, a necessidade de organizar o ensino para se conseguir concretizar o igual direito à aprendizagem, marcam, de facto, o pensamento educativo ocidental e Coménio contribuiu decisivamente para isso.

Na tradução de Joaquim Ferreira Gomes (1976) eis uma passagem admirável da referida obra (página 45).
"1. Didáctica significa arte de ensinar. Acerca desta arte, desde há pouco tempo, alguns homens eminentes, tocados de piedade pelos alunos condenados a rebolar o rochedo de Sísifo, puseram-se a fazer investigações, com resultados diferentes.
2. Alguns esforçaram-se por arranjar compêndios apenas para ensinar mais facilmente, esta ou aquela língua. Outros procuraram encontrar os métodos mais breves para ensinar, mais rapidamente, esta ou aquela ciência ou arte. Outros fizeram outras tentativas. Quase todos por meio de algumas observações externas recolhidas com o método mais fácil, ou seja, com o método prático, isto é, a posteriori, como lhe chamaram.
3. Nós ousamos prometer uma Didáctica Magna, isto é, um método universal de ensinar tudo a todos. E de ensinar com tal certeza, que seja impossível não conseguir bons resultados. E de ensinar rapidamente, ou seja, sem nenhum enfado e sem nenhum aborrecimento para os alunos e para os professores, mas antes com sumo prazer, para uns e para outros. E de ensinar solidamente, não superficialmente e apenas com palavras, mas encaminhando os alunos para uma verdadeira instrução, para os bons costumes e para a piedade sincera. Enfim, demonstraremos todas estas coisas a priori, isto é, derivando-as da própria natureza imutável das coisas, como de uma fonte viva que produz eternos arroios que vão, de novo, reunir-se num único rio; assim estabelecemos um método universal de fundar escolas universais."

2 comentários:

José Batista disse...

Cadê, a "didáctica magna", quase quatrocentos anos depois?
Quatro mil que fossem...

Mas pode não faltar quem a prometa. E quem acredite que tenha a infalível receita. E quem autoritaria e violentamente a queira impor aos outros. Por questões de natureza (humana!), de cultura, de geografia, de política... Mas sobretudo de interesses e de... poder!

Cláudia da Silva Tomazi disse...

...Com a divulgação das ideias de Comenius, o sistema de educação baseado nas Artes Liberais acabou por ser suplantado em praticamente todo Ocidente pelo sistema de ensino universal encampado pela UNESCO, que, desconsiderando os benefícios do sistema de ensino clássico, implantou a pedagogia de Comenius, que certamente aumenta o número de pessoas nas instituições de ensino, sem a garantia de um processo de educação que garanta a formação de pessoas com um senso crítico mais apurado... Wikipédia - Jan Amos Komenský


Aprende-se clarificar ideias à portuguesa.



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