terça-feira, 18 de junho de 2013

Duas propostas moderadamente radicais

Um dos aspectos curiosos de muitos discursos educativos portugueses é o recurso ao vocabulário missionário: o professor é um mestre, um missionário da civilização, do desenvolvimento, dos bons costumes, um pilar da civilização sem o qual esta sucumbe à mais pérfida barbárie. Geralmente, este discurso inflamado é oriundo de pessoas desconhecem as bibliografias da sua área, não lêem livros há anos, nunca tiveram qualquer tipo de vida intelectualmente activa e passam a vida a pôr frivolidades no Facebook.

Tenho duas propostas moderadas, mas radicais, para que continuemos num clima de contradição pragmática patente.

A primeira é que o professor devia trabalhar de graça. Só assim se cumpre verdadeiramente um espírito missionário. E, claro, as pessoas procurariam os seus ensinamentos se o quisessem. Esse é que é o espírito realmente elevado, missionário e civilizacional, alheio às realidades económicas da vida, ao capitalismo, aos números e à gestão empresarial.

A segunda é que os manuais escolares deveriam ser todos proibidos na sua forma actual, passando obrigatoriamente a ser disponibilizados online, gratuitamente, para alunos e professores. Pois se o professor é um missionário, o autor de manuais também o será, e não há razão para se ganhar dinheiro escrevendo manuais. E como quem escreve manuais o faz pelo imenso amor ao conhecimento, à cultura, ao ensino e à civilização, certamente continuará a escrevê-los — aliás, basta ver a imensa quantidade de materiais didácticos de qualidade produzidos por todos, todos os autores de manuais. Se eles tivessem só o dinheiro em mente, se fossem meros mercenários, fariam exclusivamente o que dá dinheiro, que são os manuais. Mas não é isso que acontece, certamente.

Eis as minhas duas propostas moderadas mas radicais. Dir-me-ão que os professores e autores assim não poderão ter uma vida comum, com automóvel, casa própria, férias na praia e televisões de ecrã plano em casa. É verdade, mas qual seria o problema? Tudo isso são números, dinheiro, capitalismo, economia, e no ensino é de outras realidades espirituais e culturais que se trata. Os professores poderiam viver da caridade dos pais dos alunos que quisessem ajudá-los, dormindo na garagem ou na sala, comendo com o cão da família e vestindo as roupas descartadas dos outros.

A minha modesta proposta tinha também a vantagem de extinguir o Ministério da (des)Educação, juntamente com milhares de pessoas que nele, abnegadamente, com sentido missionário, tudo fazem e sacrificam pela qualidade do ensino (excepto exactamente tudo o que não dá dinheiro algum).

5 comentários:

Anónimo disse...

"A primeira é que o professor devia trabalhar de graça. " Esta está praticamente realizada pelo actual governo. Pode pois retirar das suas reivindicações.

joão viegas disse...

Post provocatorio, mas que devia dar que reflectir.

Tanto quanto julgo saber, o magistério foi muito tempo considerado como o tipo por excelência de profissão "liberal", sendo que o que caracteriza uma profissão liberal é, precisamente, o facto de ela não ser exercida tendo em vista o lucro de quem a exerce. Reparem que isso não implica a ausência completa de custos, nem sequer implica a ausência de honorarios. Mas adiante...

O facto é que, antes de existir ensino publico obrigatorio, as coisas terão funcionado mais ou menos como diz o texto. Os mestres então, aplicavam o seu magistério em instituições religiosas (ou em pequenas seitas), ou então junto de familias abastadas que tinham "garagens" confortaveis e que eram muito generosas com os seus fâmulos...

Isto não é proprio dos mestres de ensino. A mesma coisa passava-se então com os médicos e com outros profissionais "liberais".

A decisão de instaurar um ensino obrigatorio baseia-se na consideração de que todos saem beneficiados se partilharmos os custos de manter mestres para administrar noções fundamentais a toda a população. Na essência, esta decisão inspira-se de considerações muito parecidas com as que levaram, na maioria dos paises desenvolvidos, à criação de sistemas nacionais de saude, por forma a que existam médicos ao serviço (e ao alcance) de todos aqueles que necessitam.

Isto não torna os méritos da decisão indiscutiveis, muito pelo contrario...

Boas

Just me disse...

Os discursos educativos a que se refere não chegaram à minha terra onde, diga-se em abono da verdade, missões não existem e, portanto, não há precisão de missionários. Talvez por ser nos confins do mundo. Por cá, os professores são profissionais do ensino, pagos pelo seu serviço e avaliados por montes de gente: os pais, os filhos (dos pais), os colegas e sabe-se lá quem mais. Não me parece que algum deles queira trabalhar grátis. O que, como já aqui foi dito, não significa uma profissão lucrativa (descartamos, portanto a sua primeira proposta moderada radical).
Quanto à 2ª, a dos manuais serem on line…são todos um bocado retrógrados, ainda pensam que um livro é uma coisa – como diz a Bethânia em algum lugar -, gostam de riscar, anotar, sublinhar. E os alunos, pasme-se, estudam por lá. Não se alcança que desapareçam. Mas não precisavam ser tantos. E, porém. Isto tornaria a sua 2ª proposta moderada radical em apenas moderada. O que não lhe convirá. A si.
E que tal desaparecerem os professores? Ham???
Mas não se chegue ao fim de mundo que lhe apertamos o papo. É que sem juízo nem nada, continuamos a pensar o mundo com eles, os professores. E sem (de)missionários. Imagine a paranoia.

Fique bem

Anónimo disse...

O seu texto pode ser entendido com ironia mas também pode ser lido como um sonho. Sou apologista da realidade dessa ironia e da abolição como sonho.
Ideias como estas necessitam ser activadas com seres fortes em espírito e em amor.

Abraço e parabéns!

felipe disse...

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