Artigo de opinião recebido do nosso leitor António Mota de Aguiar:
“Poderia
a guerra ter sido ganha mesmo que não se tivessem cometido erros militares? A
minha opinião é que não. A partir de 1941, o mais tardar, estava tão perdida
como a Grande Guerra porque os objectivos políticos não tinham a mínima relação
com as possibilidades económicas e militares da Alemanha. A única coisa que o
método peculiar de Hitler de travar a guerra deu ao povo alemão foi milhões de
mortos a mais. Foi a única coisa – Não era possível ganhar a guerra. Mas há uma
coisa notável, uma coisa que não me sai da cabeça: porque é que um país como a
Alemanha, situado no meio do continente, não transformou a política numa arte
para manter a paz, uma paz sensata… Fomos estúpidos ao ponto de julgar que
poderíamos desafiar o mundo… sem vermos que isso era completamente impossível na
situação em que nos encontrávamos na Alemanha. Quais são as razões para isto?...
Não sou político nem historiador. Não sei. Só vejo a pergunta”.
Tenente – General Ferdinand Heim, numa
palestra a outros prisioneiros de guerra, 23 de Maio de 1945”(1)
Os acontecimentos de há quase 70 anos não se
repetirão porque o nazismo morreu. Mas a situação que estamos a viver é muito
perigosa e não sabemos como vai acabar. A campeã da austeridade tem sido Angela
Merkel, natural de Berlim, educada na República Democrática Alemã e química de
formação. No início da crise grega, numa
entrevista ao canal ZDF, dizia que, não
sendo perita em assuntos financeiros, se regulava pelos conselhos do FMI. Belo
serviço! O FMI já veio confessar que se enganou nas previsões para a Grécia. O
currículo de Merkel parece-me bastante fraco para dirigir 500 milhões de
europeus.
O jornal El País,
em edição recente, esclarece-nos sobre os objectivos de Merkel:
“(…) Angel Merkel, la derecha alemana, (…) tiene
un objectivo, ganar las elecciones del
22 de septiembre. No va a cambiar hasta entonces, Pero los demás países,
particularmente los llamados periféricos, y en especial el nuestro, no pueden
aguentar más dosis de recorte de gastos a palo seco” (2)
Vale a pena ler o que escreve certa imprensa
alemã e o que dizem alguns políticos alemães sobre o sul. Uma parte da imprensa
alemã tem vindo a tratar com virulência,
para não dizer desprezo, os povos do sul da Europa. Para alguns deles devíamos
estar agradecidos por tudo o que fazem por nós. Há pouco foi a vez de políticos
alemães incorporarem nos seus ataques a França, o “enfermo crónico da Europa”. Atribuindo com arrogância as infelicidades dos países do sul a preguiça e indisciplina,
esses dirigentes mostram um esquecimento da história europeia, ignorando que as
ideias e o pensamento provêm da Antiguidade grega, e que a Europa deixa de ter
referências sem essa base histórica e moral.
Enquanto os países do sul se debatem com um
desemprego trágico, as autoridades alemãs limitam-se a oferecer alguns milhares
de postos de trabalho seus a pessoas do sul. Mas fazem-no em benefício próprio,
pois acolhem homens e mulheres com os melhores conhecimentos profissionais e na
maior força de trabalho. Gerhard Schröder e Jacques Delors escreveram sobre
este assunto:
“Y en esta cuestión desempeña un papel muy
importante la responsabilidad del Gobierno alemán. En Alemania el desempleo
juvenil es inferior al 8%. Son muchos los jóvenes de los países del sur de
Europa que buscan ali salidas profesionales. Ahora bien, la migración de una
población laboral joven y muy preparada no puede ser la solución al problema,
porque los hombres y mujeres que se van en esas circunstancias están llevándose
sus títulos e su preparación de su pais. En consecuencia, lo que nos hace falta
es un gran programa pensado para abordar el problema del paro juvenil a escala
europea. Los países más poderosos de Europa, en particular Alemania, tienen la
oportunidade de demonstrar su responsabilidade politica y económica en esta
situación” (3).
Por seu lado, criticando a situação de crise europeia, Mario Monti e Sylvie Goulard
escrevem no seu livro “A Democracia na
Europa”:
“(…) os
custos da indecisão, as divisões
estéreis alimentam já a grande impaciência dos povos em sofrimento. Amanhã, se
não nos acautelarmos, alimentarão talvez a sua revolta. Se o confronto de
ideias é em si a própria marca da democracia, os cidadãos suportam cada vez
menos a ideia de sustentar, com o dinheiro dos seus impostos, uma classe
política que, não contente em não conseguir justificar o seu valor acrescentado,
consegue reduzir o potencial do país, quando deveria, pelo contrário,
trabalhar para o bem comum (…)” “A Europa tem necessidade de um rumo, sem subterfúgios, e esse rumo tem
de ser a unidade: esta unidade refere-se, acima de tudo, aos indivíduos, os
seres humanos que povoam a União e a fazem viver. (…) O revés mais terrível de
uma Europa que se limita a discussões entre governos é que ela não inclui as
pessoas”. (4)
Vivemos sob uma política que salva bancos,
concedendo-lhes quantias inimagináveis, mas esquece as gerações jovens sem
trabalho. Onde iremos parar? É que há um momento irreversível na vida dos países.
Como recuperar Portugal, um país com paupérrimos
recursos naturais, um desemprego grave – sobretudo um desemprego juvenil
altíssimo – e um elevado número de iletrados, rodeado como está de países com semelhantes
crises socioeconómicas? Em Portugal, onde há
cerca de um milhão de desempregados (18%), e cerca de 172.000 jovens sem trabalho
(43%), a austeridade é um dogma sem sentido. Como é possível que, com a austeridade imposta
pela Alemanha de Merkel (de “Merkiavel”, como lhe chamou o sociólogo alemão
Ulrich Beck) possamos alguma dia chegar a um estado mínimo de bem-estar? Ao
fim de oito séculos de história, Portugal arrisca-se a dar um salto no vazio.
Os alemães desconhecem, ou não querem saber, que, como
diz Beck, “a concessão de créditos foi
associada a imposição de reformas rigorosas e a controlos que levaram à
decadência social de regiões inteiras. Inúmeras pessoas perderam a base
material do seu sustento, a sua dignidade, o seu futuro – e, sobretudo, também,
a sua fé na Europa” (5).
Em 1950, a Alemanha apanhou o comboio da União
Europeia. Porém, quando se viu servida, passados 20 anos, as infrastruturas industriais
e económicas alemãs tinham dado um salto, passando a concorrer em mercados como os da China, EUA e Rússia, bastante mais rentáveis que os europeus. Escreveu Beck:
“A
Alemanha (…) até agora, tem beneficiado indubitavelmente da Europa. Do euro,
mas também da crise, tanto em termos políticos e económicos como morais. Por
isso, é do melhor interesse do país promover a união política da Europa” (5).
A União Europeia foi fundada para fazer fase à
calamidade da guerra, a qual dizimou a maior parte dos países europeus. Esteve
na mente dos fundadores, como Jean Monnet, Roberto Schuman, Konrad Adenauer,
que a União originaria uma federação política. Não sabiam bem como seria esta
última etapa e ainda hoje há dúvidas sobre o caminho a percorrer. Mas há que
discutir e avançar no caminho da construção europeia, da união política, com dirigentes europeus competentes e escolhidos
democraticamente pelo povo europeu.
António Mota de Aguiar
REFERÊNCIAS:
1 (1) Mark Mazower, O Império de Hitler, Edições 70, 2013, p. 1
2 (2) Diego
Lopes Garrido, Nicolás Sartorius, Carlos Carnero, “No podemos esperar a las elecciones alemanas” – “Es urgente un plan
Europeu de estimulo económico que genere empleo”, El Pais, 21.05.2013.
3 (3) Gerhard
Schröder e Jacques Delors, “Democracia, empleo y crecimiento”, El país, 24.05.2013
4 (4) Sylvie Goulard e Mario Monti; A
Democracia na Europa, Editorial Presença, pp. 3 e 155
(5) Ulrrich Beck, “A Europa Alemã – De Maquiavel a “Merkievel”:
Estratégias de Poder na Crise do Euro”, pp. 88 e 105/106.
2 comentários:
Professor António Mota de Aguiar;
Existe uma Nota II anexa à conferencia a Cultura Integral do Indivíduo do Professor Bento de Jesus Caraça. Talvez o Senhor Professor conheça esse texto.
E se o conhece, pergunto-lhe, porque nos trás o depoimento, - e com isso nos mostra o desconhecimento cínico - do Tenente - General?
Qual a razão da sua admiração, relativamente à Alemanha? Não se percebe que a posição da Alemanha é hoje "indispensável na Europa capitalista".
Professor António Aguiar talvez a solução seja, hoje e sempre esta:
"(...)
De modo que mais necessário e urgente que nunca, para pôr termo a esta coisa sórdida, anti-racional, a esta macacada que é a politica europeia presente, mais necessário que nunca é e continua a ser despertar a alma colectiva das massas."[BJC]
O texto tem una gralha; a melhor maneira de a corrigir eh de escrever no paragrafo 12, em vez de PASSADOS 20 ANOS escrever PASSADOS 40 ANOS
AMA
Genebra
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