quarta-feira, 19 de junho de 2013

A Crise Europeia em 2013: Uma Encruzilhada Perigosa


Artigo de opinião recebido do nosso leitor António Mota de Aguiar:

  “Poderia a guerra ter sido ganha mesmo que não se tivessem cometido erros militares? A minha   opinião é que não. A partir de 1941, o mais tardar, estava tão perdida como a Grande Guerra porque os objectivos políticos não tinham a mínima relação com as possibilidades económicas e militares da Alemanha. A única coisa que o método peculiar de Hitler de travar a guerra deu ao povo alemão foi milhões de mortos a mais. Foi a única coisa – Não era possível ganhar a guerra. Mas há uma coisa notável, uma coisa que não me sai da cabeça: porque é que um país como a Alemanha, situado no meio do continente, não transformou a política numa arte para manter a paz, uma paz sensata… Fomos estúpidos ao ponto de julgar que poderíamos desafiar o mundo… sem vermos que isso era completamente impossível na situação em que nos encontrávamos na Alemanha. Quais são as razões para isto?... Não sou político nem historiador. Não sei. Só vejo a pergunta”.     

Tenente – General Ferdinand Heim, numa palestra a outros prisioneiros de guerra,  23 de Maio de 1945”(1)


Os  acontecimentos de há quase 70 anos não se repetirão porque o nazismo morreu. Mas a situação que estamos a viver é muito perigosa e não sabemos como vai acabar. A campeã da austeridade tem sido Angela Merkel, natural de Berlim, educada na República Democrática Alemã e química de formação.  No início da crise grega, numa entrevista ao canal  ZDF, dizia que, não sendo perita em assuntos financeiros, se regulava pelos conselhos do FMI. Belo serviço! O FMI já veio confessar que se enganou nas previsões para a Grécia. O currículo de Merkel parece-me bastante fraco para dirigir 500 milhões de europeus.

O jornal  El País, em edição recente, esclarece-nos sobre os objectivos de Merkel:  

“(…) Angel Merkel, la derecha alemana, (…) tiene un objectivo, ganar las elecciones del  22 de septiembre. No va a cambiar hasta entonces, Pero los demás países, particularmente los llamados periféricos, y en especial el nuestro, no pueden aguentar más dosis de recorte de gastos a palo seco” (2)       

Vale a pena ler o que escreve certa imprensa alemã e o que dizem alguns políticos alemães sobre o sul. Uma parte da imprensa alemã  tem vindo a tratar com virulência, para não dizer desprezo, os povos do sul da Europa. Para alguns deles devíamos estar agradecidos por tudo o que fazem por nós. Há pouco foi a vez de políticos alemães incorporarem nos seus ataques a França, o “enfermo crónico da Europa”. Atribuindo com arrogância as infelicidades  dos países do sul a preguiça e indisciplina, esses dirigentes mostram um esquecimento da história europeia, ignorando que as ideias e o pensamento provêm da Antiguidade grega, e que a Europa deixa de ter referências sem essa base histórica e moral.

Enquanto os países do sul se debatem com um desemprego trágico, as autoridades alemãs limitam-se a oferecer alguns milhares de postos de trabalho seus a pessoas do sul. Mas fazem-no em benefício próprio, pois acolhem homens e mulheres com os melhores conhecimentos profissionais e na maior força de trabalho. Gerhard Schröder e Jacques Delors escreveram sobre este assunto:

“Y en esta cuestión desempeña un papel muy importante la responsabilidad del Gobierno alemán. En Alemania el desempleo juvenil es inferior al 8%. Son muchos los jóvenes de los países del sur de Europa que buscan ali salidas profesionales. Ahora bien, la migración de una población laboral joven y muy preparada no puede ser la solución al problema, porque los hombres y mujeres que se van en esas circunstancias están llevándose sus títulos e su preparación de su pais. En consecuencia, lo que nos hace falta es un gran programa pensado para abordar el problema del paro juvenil a escala europea. Los países más poderosos de Europa, en particular Alemania, tienen la oportunidade de demonstrar su responsabilidade politica y económica en esta situación” (3).

Por seu lado, criticando a situação de crise  europeia, Mario Monti e Sylvie Goulard escrevem  no seu livro “A Democracia na Europa”:

“(…) os custos da indecisão,  as divisões estéreis alimentam já a grande impaciência dos povos em sofrimento. Amanhã, se não nos acautelarmos, alimentarão talvez a sua revolta. Se o confronto de ideias é em si a própria marca da democracia, os cidadãos suportam cada vez menos a ideia de sustentar, com o dinheiro dos seus impostos, uma classe política que, não contente em não conseguir justificar o seu valor acrescentado, consegue reduzir o potencial do país, quando deveria, pelo contrário, trabalhar para o bem comum (…)” “A Europa tem necessidade de um rumo, sem subterfúgios, e esse rumo tem de ser a unidade: esta unidade refere-se, acima de tudo, aos indivíduos, os seres humanos que povoam a União e a fazem viver. (…) O revés mais terrível de uma Europa que se limita a discussões entre governos é que ela não inclui as pessoas”. (4)

Vivemos sob uma política que salva bancos, concedendo-lhes quantias inimagináveis, mas esquece as gerações jovens sem trabalho. Onde iremos parar? É que há um momento irreversível na vida dos países.
Como recuperar Portugal, um país com paupérrimos recursos naturais, um desemprego grave – sobretudo um desemprego juvenil altíssimo – e um elevado número de iletrados, rodeado como está de países com semelhantes crises socioeconómicas?  Em Portugal, onde há cerca de um milhão de desempregados (18%), e cerca de 172.000 jovens sem trabalho (43%), a austeridade é um dogma sem sentido.  Como é possível que, com a austeridade imposta pela Alemanha de Merkel (de “Merkiavel”, como lhe chamou o sociólogo alemão Ulrich Beck) possamos alguma dia chegar a um estado mínimo de bem-estar? Ao fim de oito séculos de história, Portugal arrisca-se a dar um salto no vazio. 

Os alemães  desconhecem, ou não querem saber, que, como diz Beck, “a concessão de créditos foi associada a imposição de reformas rigorosas e a controlos que levaram à decadência social de regiões inteiras. Inúmeras pessoas perderam a base material do seu sustento, a sua dignidade, o seu futuro – e, sobretudo, também, a sua fé na Europa” (5).

Em 1950, a Alemanha apanhou o comboio da União Europeia. Porém, quando se viu servida, passados 20 anos, as infrastruturas industriais e económicas alemãs tinham dado um salto, passando a  concorrer em mercados como os da China, EUA e Rússia, bastante mais rentáveis que os europeus. Escreveu Beck:

“A Alemanha (…) até agora, tem beneficiado indubitavelmente da Europa. Do euro, mas também da crise, tanto em termos políticos e económicos como morais. Por isso, é do melhor interesse do país promover a união política da Europa” (5). 

A União Europeia foi fundada para fazer fase à calamidade da guerra, a qual dizimou a maior parte dos países europeus. Esteve na mente dos fundadores, como Jean Monnet, Roberto Schuman, Konrad Adenauer, que a União originaria uma federação política. Não sabiam bem como seria esta última etapa e ainda hoje há dúvidas sobre o caminho a percorrer. Mas há que discutir e avançar no caminho da construção europeia, da união política, com dirigentes europeus competentes e escolhidos democraticamente pelo povo europeu.

António Mota de Aguiar

    REFERÊNCIAS:

1    (1)  Mark Mazower,  O Império de Hitler, Edições 70, 2013, p. 1
2  (2) Diego Lopes Garrido, Nicolás Sartorius, Carlos Carnero, “No podemos esperar a  las elecciones alemanas” – “Es urgente un plan Europeu de estimulo económico que genere empleo”, El Pais, 21.05.2013.
3   (3) Gerhard Schröder e Jacques Delors, “Democracia, empleo y crecimiento”, El país, 24.05.2013
4   (4)   Sylvie Goulard e Mario Monti; A Democracia na Europa, Editorial Presença, pp. 3 e 155
     (5) Ulrrich Beck,  “A Europa Alemã – De Maquiavel a “Merkievel”: Estratégias de Poder na Crise do Euro”, pp. 88 e  105/106.

2 comentários:

Ildefonso Dias disse...

Professor António Mota de Aguiar;

Existe uma Nota II anexa à conferencia a Cultura Integral do Indivíduo do Professor Bento de Jesus Caraça. Talvez o Senhor Professor conheça esse texto.

E se o conhece, pergunto-lhe, porque nos trás o depoimento, - e com isso nos mostra o desconhecimento cínico - do Tenente - General?

Qual a razão da sua admiração, relativamente à Alemanha? Não se percebe que a posição da Alemanha é hoje "indispensável na Europa capitalista".


Professor António Aguiar talvez a solução seja, hoje e sempre esta:
"(...)
De modo que mais necessário e urgente que nunca, para pôr termo a esta coisa sórdida, anti-racional, a esta macacada que é a politica europeia presente, mais necessário que nunca é e continua a ser despertar a alma colectiva das massas."[BJC]

AMA disse...

O texto tem una gralha; a melhor maneira de a corrigir eh de escrever no paragrafo 12, em vez de PASSADOS 20 ANOS escrever PASSADOS 40 ANOS
AMA
Genebra

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