domingo, 5 de maio de 2013

1. EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO GEOLÓGICO NO CONTEXTO FILOSÓFICO, SOCIAL, RELIGIOSO E POLÍTICO DA EUROPA

Publica-se em quatro partes um texto que amavelmente nos foi enviado pelo Professor Galopim de Carvalho.

1 - ANTIGUIDADE


“Academia de Atenas”, de Pellegrino Tibaldi
A chamada Antiguidade Clássica refere um longo período da História da Europa, com especial incidência na metade oriental do Mediterrâneo, entre o surgimento da poesia grega de Homero [1], no século VIII a.C., e a queda do Império Romano do Ocidente, na segunda metade do século V d.C., durante o qual as antigas civilizações grega e romana, para além de outros aspectos relevantes, abriram as portas ao conhecimento científico, entre o qual se encontra o que conduziu à geologia.

Foi grande e determinante a influência dos filósofos gregos no pensamento da Europa cristã, nomeadamente no saber científico medieval, quer através das suas obras originais, quer por via das traduções destas, feitas por eruditos árabes e judeus.

Entre estes pensadores, o capítulo do conhecimento que reunia os primórdios da geologia, no seu sentido mais amplo, tinha o nome de Filosofia Natural.

Foi na Grécia Antiga, berço da chamada civilização ocidental que, à mistura com outros aspectos do mundo físico, surgiram os primeiros textos envolvendo temas desta importante área do saber científico, Ao tempo, a filosofia natural, como o nome indica, ocupava-se da natureza, ou seja, do mundo físico.

De início, procurava chegar à essência dos entes que possuem corpo e ao conhecimento das primeiras causas e dos princípios do mundo material, não dando grande ênfase à descrição dos objectos e dos fenómenos naturais. Na linha do pensamento platónico, os cultores desta disciplina apoiavam-se numa abordagem mais de elaboração mental do que de observação ou de experimentação.

Filósofos gregos pré-socráticos deixaram-nos obra escrita no âmbito desta vertente da filosofia, com destaque para Leucipo de Mileto (nascido em 500 a. C.), Demócrito de Abdera (460-379 a. C.), Epicuro de Samos (341-270 A. C) e os seus pensamentos sobre o atomismo. Para Platão (429-347 a. C.), o fundador da Academia de Atenas e o inovador do idealismo e do inatismo, a verdadeira realidade estava no mundo das ideias, das formas inteligíveis, apenas acessíveis através da razão.

Para este discípulo de Sócrates (469-399 a. C.), as ideias começavam por ser formuladas no pensamento, sendo o raciocínio e a indução as principais vias para atingir o conhecimento.

Discípulo de Platão, Aristóteles (384-322 a. C.) introduziu o racionalismo, a corrente filosófica assente na operação mental, discursiva e lógica, sendo por isso considerado um precursor do empirismo filosófico [2], a linha de pensamento segundo a qual o conhecimento científico deve ser baseado na observação do mundo e não na intuição ou na fé, como fora no passado.

Este, que foi o fundador do Liceu de Atenas, introduziu o termo “física” (do grego antigo, physis, sinónimo de natureza) em substituição de “filosofia natural”, e destacou-se pelas suas especulações e investigações no âmbito desta disciplina. Segundo ele, as ideias chegam-nos através dos sentidos, observando a realidade física, pelo que dava muita importância ao mundo exterior entendido como principal fonte do conhecimento e aperfeiçoamento das capacidades intelectuais.

Para ele, o único mundo é o sensível, que é também o mundo inteligível. O racionalismo e o empirismo filosófico influenciaram profundamente o cenário intelectual europeu até ao Renascimento, tendo sido o fundamento de todas as ciências que integram o universo do conhecimento, entre as quais se destaca a Geologia.

A ideia dos quatro elementos, ditos de Aristóteles, “terra, água, ar e fogo” tem origem na Pérsia, em meados do século IX a. C., de autoria desconhecida. Estes quatro elementos, então considerados como constituintes universais da matéria, são, pois, o culminar de uma concepção, muito anterior a este filósofo, que se desenvolveu gradualmente até ser objecto de uma formulação, mais completa e abrangente, por Empédocles (c. 450 a. C.), conhecida por Teoria das Substâncias ou Teoria dos Quatro Elementos.

Relativamente a esta visão do mundo físico, coube a Aristóteles o mérito de a divulgar e de lhe dar um crédito tal que a fez singrar, incólume, por quase dois mil anos. Sabe-se hoje que o texto referido por Lapidário de Aristóteles teve origem na Pérsia, em meados do século IX a. C., de autoria desconhecida. A igreja romana não só aceitou esta ideia como a impôs no essencial do seu conteúdo, opondo-a, constante e tenazmente, à concepção atómica de Demócrito, considerada materialista.

Cerca de um século mais tarde, Estratâo (360-270 a. C.), um outro defensor do materialismo, na linha do atomismo de Demócrito, ensinava que a matéria era constituída de partículas e de vazio. Alheio aos ensinamentos da teologia e da metafísica, explicava a natureza através de uma via exclusivamente materialista, a ponto de ter prescindido de Deus, no dizer de Cícero (106-43 a. C.), o grande filósofo latino. Ainda hoje se apelida de materialista a pessoa não crente em Deus.

Notas:
1.
Os respectivos poemas, Ilíada e Odisseia, transmitidos oralmente, percorreram muitos séculos de história da Grécia antiga, pelo que se crê que são uma compilação de obras de autores de sucessivas gerações e que Homero não identifica um indivíduo, sendo, sim, um nome fictício.

2. Não confundir com o empirismo que se refere ao método experimental introduzido, no século XIII, pelo inglês Roger Bacon.

Este texto tem continuação a partir daqui.

Galopim de Carvalho

2 comentários:

José Batista disse...

Como é bom e belo o saber de quem sabe, e graciosamente no-lo dá a conhecer.
Obrigado sentido, ao Mestre generoso e incansável que, para além do saber, amavelmente nos dá o exemplo.
Longa longa vida, em proveito nosso.
Aproveitemos. Para nós e para os que hão-de vir.
Não lhe faremos maior nem melhor homenagem.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Preencher de virtude é ensinar a história.
Balizar a paz neste conhecimento, renova a esperança per aprender com semelhança, na diferença entre pensamento e condição. Eis que, humanidade na serenidade alimenta sabiamente o acolher da consciência.

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