quarta-feira, 15 de maio de 2013

OS CEM ANOS DO “AHA” DE BOHR

Crónica que está a sair na "Gazeta de Física", órgão da Sociedade Portuguesa de Física (na foto Niels Bohr):


Estão a passar cem anos desde que Niels Bohr publicou a primeira parte do seu artigo seminal  “Sobre a Constituição de Átomos e Moléculas”, na Philosophical Magazine, com a benção de Ernest Rutherford, em cujo laboratório o autor tinha trabalhado em 1912. Bohr quando teve o “aha” extraordinário da quantização das orbitais atómicas só tinha 28 anos. Tinha completado o doutoramento com uma tese sobre teoria de metais em 1911, quando Rutherford anunciou ao mundo o núcleo atómico que obrigava ao modelo dos electrões planetários. A física mais revolucionária costuma surgir de mentes jovens. Já Einstein tinha proposto a teoria da relatividade e a explicação quântica do efeito fotoléctrico com apenas 26 anos. E o mesmo haveria de acontecer no ano “mágico” de 1926, com Heisenberg e Dirac, que, com 25 e 24 anos respectivamente, substituíram a mecânica quântica antiga de Bohr pela mecânica quântica que sobreviveu até hoje.

Em 1913 Rutherford, com 42 anos, estava em Manchester no auge da sua glória. Em contraste, um dos pais da física moderna J. J. Thomson, com 56 anos, estava anquilosado. Pelo menos deve ter sido essa a impressão de Bohr que, doutorado de fresco, foi ao seu encontro em Cambridge e quase não conseguiu comunicar com ele. Por um lado, o inglês de Bohr era muito deficiente e, por outro e principalmente, Thomson não quis saber dos erros nos seus escritos que o jovem doutor lhe apontava. A mudança para o laboratório de Rutherford foi a solução apesar de Bohr ter sido obrigado a reprimir a sua vocação teórica para fazer trabalho experimental, na companhia entre outros de Charles Darwin, não obviamente o famoso naturalista mas um seu neto.

Rutherford gostava de pôr as mãos na massa, não sendo dado a devaneios teóricos. Mas percebeu e encorajou o “aha” de Bohr, que com duas hipóteses revolucionárias (estacionaridade de certas órbitas electrónicas e “saltos quânticos” entre elas, com emissão ou absorção luz) fixou as bases do modelo atómico actual. Em Março de 2013 Bohr informava Rutherford do bom acordo com a experiência do seu modelo: “Tentei demonstrar que... parece possível dar uma interpretação simples da lei do espectro do hidrogénio e que do cálculo resulta um acordo quantitativo íntimo com a experiência.“ E mais adiante: “Espero que concorde em que adoptei um ponto de vista razoável em relação à delicada questão da utilização simultânea da antiga mecânica e dos novos pressupostos introduzidos pela teoria da radiação de Planck. Estou ansioso por saber o que pensa disto tudo.”

Como o acordo era inequívoco, Rutherford pensava bem, descontado o facto de o “artigo era bastante denso e longo para uma só publicação”, pelo que que ele acabou por sair em três partes, tendo a primeira  e mais importante aparecido em Julho (estão publicadas entre nós em “Sobre a Contituição de Átomos e Moléculas”, Fundação Gulbenkian, 1969). Einstein, então a caminho da fama, também pensou bem, impressionado como Rutherford pela descrição dos espectros. Estavam ainda longe os tempos da sua famosa querela com Bohr. Thomson não pensou nada, mas a sua opinião pouco interessava.

O modelo de Bohr, aliando Rutherford e Planck, ainda hoje não só um bom exemplo de como se faz física nova: intuição poderosa escorada em dados experimentais. Mas Rutherford colocou logo uma notável questão: como saberia um electrão numa órbita mais alta para que órbita cair? O indeterminismo estava escondido na nova mecânica.

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