Extracto de uma entrevista de Anabela Mota Ribeiro a Eduardo Lourenço, onde o filósofo fala de uma conferência de Heidegger a que assistiu nos anos cinquenta.
O que é que foi tão impressionante?
Eu estava naquela altura em Montpellier. Heidegger estava um pouco na sombra, marginalizado no plano intelectual, na penumbra da chamada opinião pública. Estavámos em 52, 53, depois da derrota nazi em 45. Havia um contraste fabuloso entre o ar banalíssimo da pessoa Heiddeger – só reconheci um pouco do perfil, que fazia lembrar o de Cícero – e o que ele era como presença, como texto. Falou de Hegel e dos Gregos. Nunca mais esqueço essa lição. Havia mais de mil pessoas na sala, suponho que eram todos professores, grandes professores, e, de repente, estávamos reduzidos, como se estivéssemos a ouvir em pessoa Aristóteles ou Platão.
Consegue identificar esse elemento transbordante, esse algo que eu imagino que Heiddeger teria para produzir essa impressão?
Uma aura. Uma profundidade, uma singularidade, uma raridade na abordagem de uma questão já tratada por outros pensadores ao longo dos séculos XIX e XX. Hegel e os Gregos são o horizonte de todo o pensar filosófico típico europeu. Heidegger põe as perguntas cruciais de uma outra maneira. Mostra como o pensar era despensar. Era um silêncio enorme. O texto era em francês, depois em alemão, francês, alemão, francês, alemão, de maneira que pudesse terminar em alemão. Foi uma espécie de grito, um momento sacralizante, se se pode levar o termo para qualquer coisa que é do mais dessacralizante possível, que é a palavra filosófica. Não tenho nenhuma memória dessas coisas concretas, senão era romancista. Só guardo desse momento a emoção que tive. O que é o Heiddeger tinha? Um físico de alemão banalíssimo, da Baviera.
E a voz, como é que era a voz?
Ele devia ter qualquer coisa para que uma senhora como Hannah Arendt se tenha apaixonado por ele. E não se apaixonou senão pelo pensador, pela pessoa que tinha esse verbo e a iniciava na única coisa que ela própria procurava e não era capaz de formular da mesma maneira: a solução intelectual em estado puro. De outro modo, é absolutamente incompreensível. Todos os amores são incompreensíveis. Mas esse da Hannah Arendt, ela própria filósofa, judia, conhecendo uma parte do passado controverso ou mesmo suspeito do Heiddegger...
O senhor pensou nesse elemento suspeito quando o ouviu?
Falamos da aproximação do Heidegger à ideologia nazi.
Se soubesse que o Heidegger era um sujeito que aplaudia uma coisa tão pavorosa como foi o holocausto, naturalmente que não ia assistir...
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9 comentários:
Fui ler. Várias coisas me impression(ar)am, por exemplo estas:
"Se é verdade que a cultura enobrece, como é que se pode compreender que a Alemanha, uma nação culta, tenha produzido o holocausto? Isso é todo o mistério do mal."
"Li num jornal que a nova juventude recusa aceitar aquilo que foi aceite durante séculos como uma fatalidade inerente à condição do homem: dentro da natureza, e para viver através dela, recusa praticamente todas as formas trabalho. É a ideia de um futuro unicamente lúdico, sem trabalho."
Ocorre-me: que responsabilidade tem (tido) a escola nesta matéria?
"O conhecimento é saber que nunca poremos a mão na verdade como uma coisa que se possui e nos liberta e nos dá a solução: aquilo que buscamos na vida."
Bento de Jesus Caraca, na Nota II da conferencia "A Cultura Integral de um Individuo" escrita em 1939, - através de uma análise da situacão da Europa nos últimos vinte anos e da posicão da Alemanhã dentro dela - esclarece-nos aquela interrogacão de Eduardo Lourenco ("como é que se pode compreender que a Alemanha, uma nação culta, tenha produzido o holocausto?");
Bento Caraca nesse texto explica a existencia na Alemanhã de "manifestacões da mais alta civilizacão e da mais negra barbaridade" e indica-nos o caminho a seguir... "De modo que mais necessário e urgente que nunca, para pôr termo a esta coisa sórdida, anti-racional, a esta macacada que é a politica europeia presente, mais necessário que nunca é e continua a ser despertar a alma colectiva das massas."
Discordo da existencia de "um mistério do mal" de que nos fala Eduardo Lourenco.
O que existe é os "abafadores de cultura" que buscam incessantemente desumanizar, e por todos os meios tentam servir a sua causa, não olham a meios, louvam ditadores e criminosos, relacionam a actuacão desses ditadores naquelas partes trágicas e mais confusas da humanidade para servir as suas causas, para isso procuram confundir a realidade com citacões e de seguida propoem uma escola que reflecte a escuridão.
Com a maior desfacatez deturpam conceitos como o da Escola Única, invertem papéis, vestem a roupa de cordeiro, e procuram ilegitimamente carregar para a sua causa nomes de pessoas integras.
Bufam do interior de certos indivíduos, cujo cérebro, de poucos e avariados neurónios, parece ligado diretamente ao intestino terminal, os eflúvios doutrineiros e obsessivos - porventura derivados de formação em madrassa a que tenham sido sujeitos - que tanto os deleitam. Só é pena que não busquem recatado isolamento para evitar tristes figuras e o incómodo de terceiros. Mas, uma tão bondosa faculdade não lhes está na natureza nem ao alcance do entendimento.
Acerca das capacidades de tais trastes as opiniões são sempre divergentes: há a deles próprios, que em tudo se julgam habilitados e creditados, ainda que por conta própria ou com pseudo-diplomas de entidades de “vão de escada”, e a da generalidade das pessoas, que os consideram nulidades, por importunos, mal educados, mentirosos, velhacos e burros.
E, nesta matéria, nada melhor que defender denodadamente a liberdade de opinião. Luto contra eles deixando que se exponham, assim ministrando a si próprios implacável castigo ante as pessoas de bem que, por bem pensarem e melhor procederem, não deixarão de, recatadamente, fazer o (seu) necessário julgamento.
Julgo, embora, que é dever fundamental ignorá-los o suficiente e repeli-los o necessário.
É isso que, o mais serenamente possível, procuro fazer.
Escrevi diretamente, e assim obedeci ao extraordinário AO, como profissionalmente sou obrigado a fazer. Mas preferia a forma "clássica".
Obrigada pelo pensamento simples e extraordinário de Eduardo Lourenço. Tanta coisa que não vale comentar porque, como o filósofo diz acerca da poesia ou do bom texto – e este é um texto Bom –, o que vale é ser ele. Apôr seria diminuir.
Porém, não resisto a ressalvar-lhe a lucidez a delimitar erudição e cultura. O seu como que aviso contra o orgulho da erudição e a chamada ao mundo real que a cultura transporta
“A cultura é um exercício de desestruturação, não de acumulação de coisas. É uma constante relativização do nosso desejo, legítimo, de estar em contacto com aquilo que é verdadeiro, belo, bom. É esse exercício de desconfiança, masoquista, de desencantamento. Só para que não caiamos no único pecado, que é verdadeiramente o pecado contra o espírito: o orgulho.”
Sim, "perhaps" a sua citação também encerra uma lição (ou várias...), que é muito oportuna e que extrai muito bem, como me parece ser seu costume, ou seja gosto dos seus comentários.
Já as lições de Eduardo Lourenço são as lições de quem muito viveu, muito aprendeu e muito respeita. No passado dia 19 de Maio, deu ele uma longa entrevista à resvista 2 do jornal "Público" que, também ela, está prenhe de várias e boas lições.
Aprender com elas é nosso dever.
Ali, "resvista" não, "revista", obviamente.
Bem claro esta formalidade: pensamento atende o anseio! Eis, sucede a época e nem cala.
Prioridade do pensamento enquanto arte: a integridade.
Por exemplo a compulsão deste significado (exterioriza) um simples parecer ou, na crítica de insistência. Porém, ambos para sucessão de valores.
Que no pensamento livre (a baliza) concentra porção intolerante, resulta impulsionado do egoísmo. Outro sim, per desorientação do significado, dever.
Egoísmo, resquício do primórdio donde a sucessão de benefício ao seu.
Dever, o bem comum.
Ora, longe do conflito o valor educativo. Permanece comportado da aptidão inteligente.
Cara “perhaps”, aqui neste link encontrei o texto da citacão que nos dá de Eduardo Lourenco http://anabelamotaribeiro.pt/17837.html
É uma resposta à pergunta "Para que serve a cultura?", e essa citacão é parte da resposta, que é precedida pelas seguintes seguintes palavras de Eduardo Lourenco (transcrevo):
“Em última análise, para nada.
Tradicionalmente é considera inútil.
A cultura serve para nos despir de toda a arrogância, particularmente essa que consiste em imaginar que, sendo cultivados, encontramos Deus.(...)”
“perhaps” leia o seguinte post acerca do significado e do valor da cultura. Que diferenca se pode observar!!!
Diferenca, do que significa a cultura para Eduardo Lourenco e aquela o significado que da cultura tinham Abel Salazar e Bento de Jesus Caraca.
http://dererummundi.blogspot.pt/2012/01/ainda-polemica-entre-antonio-sergio-e.html
Na Nota Explicativa inserida na conferencia “A Cultura Integral do Individuo” Bento Caraca diz-nos que “As ilusões nunca são perdidas. Elas significam o que há de melhor na vida dos homens e dos povos. Perdidos são os cépticos que escondem sob uma ironia fácil a sua impotência para compreender e agir;"(...)
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