quinta-feira, 9 de maio de 2013

Escola, família e campo mediático - 2

Continuação do texto de Carlos de Sousa Reis, cuja primeira parte pode ser encontrada aqui.

Considere-se mais uma vez os dados facultados pela Common Sense Media relativos ao conteúdo dos media (violência e sexo) e à saúde infantil
Conteúdo violento:
- Aproximadamente 2 em cada 3 programas contêm violência; verificando-se uma média de 6 atos violentos por hora;- Há mais do dobro de incidentes violentos nos programas infantis do que nos outros tipos de programas;
- A criança normal que vê 2 horas de desenhos animados por dia vê mais de 10,000 atos violentos por ano.
Conteúdo sexual:
- O conteúdo sexual aparece em 64% dos programas de TV;- Encontram-se 4,4 cenas com conteúdo sexual por hora;
- Só 15% dos programas que contêm conteúdo sexual incluem mensagens sobre os riscos, como as doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez não planeada;
- Em média, os vídeos de música apresentam 93 situações sexuais por hora, incluindo 11 consideradas “hard core”, que descrevem o coito ou o sexo oral.
Media e saúde infantil:
-O risco de obesidade de uma criança em idade pré-escolar aumenta 6% por cada hora de TV que ela vir por e 31% se tiver o aparelho no seu quarto;- Os adolescentes que vêem mais de 1 hora de televisão por dia têm 4 vezes mais probabilidade de cometer atos agressivos na adultez do que os outros;
- Num estudo sobre crianças que frequentavam o 3.º e 4.º anos de escolaridade, a redução do consumo de TV e videojogos a menos de 1 hora por dia provocava um decréscimo de 50% da agressão verbal e de 20% da agressão física;
- 72% dos adolescentes pensam que ver TV com muito conteúdo sexual influencia muito o comportamento dos seus pares.
A estes dados ainda acrescem os relativos à forte pressão exercida, através duma grande pletora de meios, pela “mercadotecnia” e publicidade, que estão hoje armadas com as mais avançadas teorias e tecnologias para analisar e condicionar as atitudes e os comportamentos (Amalou, 2001; Benilde, 2007; Klein, 2001; Bullock, 2004): a criança norte-americana normal vê, por ano, 40.000 anúncios televisivos de publicidade:
- 80% desses anúncios são de fast food, doces, cereais e brinquedos;
- no sábado de manhã passa uma média de um anúncio publicitário sobre alimentação a cada cinco minutos;
- os anunciantes gastam mais de 10 biliões de dólares em anúncios televisivos dirigidos a crianças e jovens, incluindo cupões, concursos, relações públicas e desenho de embalagens.
Não nos deve, pois, admirar que se venha reclamando a necessidade de se incumbir a família e a escola da tarefa de desenvolver nos mais novos competências que lhes permitam saber regular o consumo mediático com uma analítica mais aprofundada que permita fazer face à "diversão" da cultura mediática. Temos de enfrentar a renovada contenda entre esses dois mundos paralelos – o da escola e o dos media – afinal, geneticamente “complementares e concorrentes, colaboradores e rivais” (Mesquita, 2003, 147).

E com isto retornamos ao ponto de partida desta nossa reflexão: Até que ponto o que ensinam os media é congruente com o que as famílias e o sistema educativo formal pretendem?

Todos precisamos de desenvolver competências para discriminarmos criticamente as mensagem mediática e intervir nesta sociedade mediática: pais, professores e crianças e jovens. Mas há dois obstáculos prévios a vencer.

Em primeiro lugar, encontramos o estado de denegação em que muitos vivem. Como notam Myers (2000) e Kilbourne (2000) está generalizada a crença de que os media só afetam os outros. Esta ingenuidade, hoje desmentida por muitos estudos, só pode ser vencida se refletirmos sobre o peso que têm nas nossas vidas, nomeadamente no tempo e os recursos que nos reclamam, a cada dia que passa e no contexto geral de toda a nossa existência.

Em segundo lugar, está a crença de tudo é relativo e, portanto, não há critérios para apreciar os produtos e os programas quanto à sua adequação e conveniência. A verdade, contudo, é que continuamos a ter necessidade de afirmar certos valores: a liberdade, por oposição à repressão e ao condicionamento; o amor e a amizade, por oposição à indiferença, à desqualificação e à violência; a saúde e o bem-estar, por oposição à doença e ao desequilíbrio.

De salientar que os valores de que temos necessidade devem receber um esclarecimento quanto ao seu sentido: o que é, de facto, bom e mau, saudável ou não. A todos compete, esta tarefa: à família mais o devido acompanhamento quotidiano da exposição e uso dos media, bem como de consumo; à escola mais a formação para a interpretação das mensagens e da expressão mediática, sem esquecer a investigação que esclareça critérios para discernir. Competirá a esta instituição o estudo do funcionamento dos meios de comunicação, de modo a salientar as suas virtualidades educativas e deseducativas.

Mas não são apenas estes agentes que têm responsabilidades educativas. Acuff e Reiher (2005) envolvem também produtores de programas e produtos, engenheiros do marketing e publicidade, organizações mediáticas, retalhistas e legisladores. Posto isto, apontam categorias balizadoras da qualidade dos programas/produtos (físicos, emocionais, cognitivos, sociais, morais) e recomendam que as famílias se encarreguem de educar as crianças e os jovens a respeito das melhores escolhas, destacando os blind spots (as condições biológicas e psicológicas que limitam as capacidades de consciência e compreensão das crianças e jovens), bem como a dinâmica de comunicação possível para cada faixa etária.

Os blind spots, ao limitarem as capacidades de defesa dos sujeitos estão na base da suscetibilidade a certas manipulações, nomeadamente pelo tipo de resposta automática, emocional e inconsciente que desencadeiam, ao colocarem o cérebro racional em suspenso, o que conduz a um estado de transe recetivo, muito vulnerável às impressões emocionalmente carregadas. Podemos dizer que certas circunstâncias de comunicação têm o poder de induzir um estado de receção passiva que limita a capacidade de raciocínio e pensamento crítico.

São estas apreciações que levam os autores a proporem não só o escrutínio e a monitorização parental, mas até a censura dos produtos/programas hoje disponíveis em muitos contextos e por muitos meios, bem como as estratégias de marketing dirigidas às crianças, adolescentes e jovens. A seu ver, perante um ambiente tóxico há que agir controlando as possibilidades de contacto com as substâncias responsáveis pela sua toxicidade, o que no caso se refere às estratégias de marketing de produtos e programas que envolvem danos potenciais para a saúde e o bom desenvolvimentos dos mais vulneráveis.
Carlos de Sousa Reis

Bilbiografia essencial:
- Acuff, D. S. & Reiher, R. H. (2005). Kidnapped: How irresponsible marketeers are steeling the minds of your children. Chicago: Dearborn.
- Lipovetsky, G. (2007). A felicidade paradoxal. Ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. Lisboa: Edições 70.
- Morduchowicz, R. (2003). El sentido de una educación en medios. Revista Iberoamericana de Educación, (32), 35-47. 

- Reis, C. F. S. (2006). Massagem mediática: um desafio à teoria da educação. Revista Portuguesa de Pedagogia, Ano 40 (2), 109-158.

1 comentário:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Seria possível expressar de inevitável ou a tolerância, apenas convive a vitimar mediocridade.
E, donde caminha a lógica, ou o que evitaria o mau conteúdo na face séria do ensino...


Ainda intimidam crianças, as calçadas.

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...