Texto da bióloga Helena Freitas saído no PÙBLICO:
Animada pelo recente aniversário de Charles Darwin (12 de Fevereiro), buscando
na natureza uma interpretação racional de alguns comportamentos sociais ou
societais, um exercício a que a biologia nos conduz facilmente, não me proponho
escrever sobre biodiversidade, mas não resisto a elaborar sobre alguns
argumentos que o estudo da diversidade biológica distingue, estabelecendo uma
analogia que pode parecer provocadora, mas que não deixa de ter uma base
racional sobre a qual vale a pena reflectir. Numa descrição muito genérica,
entende-se por biodiversidade ou diversidade biológica, os milhões de plantas,
animais e microrganismos, os genes que contêm e os ecossistemas que constroem. A
sua importância é defendida por muitos, por razões variadas, prevalecendo os
argumentos de natureza ecológica, que valorizam o papel da biodiversidade para
o Homem e para as demais formas de vida. São também deste âmbito os argumentos
de natureza estritamente funcional, admitindo-se que a biodiversidade é um
garante do equilíbrio dos ecossistemas que suportam a vida tal como a
conhecemos. Seja como for, a biodiversidade que hoje temos o privilégio de
contemplar, e que nos faz justificadamente orgulhosos de um planeta abençoado,
resulta de um processo evolutivo complexo e longo, tendo o Homem participado
num dos seus mais recentes capítulos.
Um dos argumentos mais utilizados na defesa da biodiversidade, apoia-se
na importância dos serviços prestados à humanidade pelos ecossistemas. Com
efeito, os ecossistemas ou os habitats mais diversos, isto é, aqueles em que é
maior a diversidade de espécies, são de forma geral os mais produtivos, entre muitas
outras razões porque, ao reunirem distintas espécies, integram também distintas
competências e capacidades que, no conjunto, favorecem uma melhor utilização dos
recursos disponíveis, e desempenham melhor as tarefas colectivas, resultando
daqui uma maior produção e um consequente benefício para o próprio ecossistema.
Por outro lado, um maior número de espécies, permite responder às situações de
instabilidade, ou à cadência cada vez mais imprevisível dos fenómenos
biofísicos. Numa linguagem simples e sugestiva, podemos dizer que estão melhor
preparados para as crises sistémicas, como aquela que vem vivendo a economia, porque
a sua resiliência é maior. A diversidade de espécies corresponde a uma
diversidade de atributos funcionais e suas respostas, sendo portanto mais
sensato assegurar um nível de resiliência óptimo para cada tipologia de
ecossistema. Dizemos, por isso, que a biodiversidade aumenta a resistência às
doenças e a capacidade de adaptação
a condições variáveis.
De destacar é também o papel comprovado da biodiversidade na prevenção
e controlo das espécies
infestantes (apropriadamente chamadas espécies daninhas). Os dados que resultam
da análise dos sistemas naturais, indicam claramente que os ecossistemas mais
ricos em espécies são menos susceptíveis à invasão e proliferação de ervas daninhas.
Numa analogia societal, a natureza ensina que a diversidade que podemos e
devemos promover no ecossistema politico só pode ser favorável à promoção das
boas práticas, à inclusão de novos valores, à eliminação das situações que nos
indignam, ou à redundância das funções indesejadas, como a prevalência de
elementos que contribuem para a perturbação excessiva ou corrupção deste
ecossistema.
Analogia equivalente se pode estabelecer para os grupos funcionais, ou
seja, entregar o exclusivo da interpretação da democracia a alguns grupos
funcionais, em sentido figurado aos partidos, acabará sempre por diminuir as
competências do ecossistema politico, uma vez que os grupos estabelecidos têm
tendência a optimizar as características que lhe conferem o protagonismo
individual, optando pela uniformização em detrimento da variabilidade, e pela
competição em prejuízo da cooperação. O tímido mas consistente despertar da
diversidade de pessoas e grupos a que assistimos na nossa democracia, pode ser
encarado como um sinal de grande vitalidade e progresso do ecossistema político,
incorporando novos valores e preparando os alicerces de uma ética global para os
novos tempos.
Helena Freitas, in Público, 16.2.2013
2 comentários:
Tomáramos que assim fosse. E o pretexto não é mau para sugerir que seja. Se a democracia ignora os cidadãos ou funciona contra eles, como pode chamar-se democracia?
Por que não podem os cidadãos, sem dependência partidária, representar como deputados outros cidadãos que para tal os proponham e neles votem? Não sei se isso traria maior diversidade à ação política, mas aproximava as pessoas do exercício dela e do poder que politicamente se constitui.
Os partidos não podem (não deviam...) ser donos do poder. Não sou contra os partidos, mas interrogo-me: em que tipo de "escola(s)" se transformaram (algum)as "juventudes partidárias"?
Que líderes, que governantes e que pessoas, têm produzido?...
Onde está a raiz da palavra "democracia"?
E se a biologia nos revela a mais feroz e implacável das competições, também é verdade que nos mostra extraordinários (e comoventes) exemplos de cooperação.
Força, pois.
De volta à grande e pequena(s). Pegada a nem rastro.
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