O texto que se segue foi escrito a partir de notícias de páginas inteiras publicadas, na semana que terminou, no Diário de Notícias e no Público. Não identifico os intervenientes e o país a que me refiro – a “maior nação do mundo”, segundo o seu Presidente – porque entendo que isso não passa de um detalhe na grande empresa que é o (actual) populismo.
Uma aspirante a primeira-dama explicou que se apaixonou pelo marido por ele ser alto, rir muito e, “mais importante do que isso”, por fazê-la rir. A actual primeira-dama disse que ama o marido, que o ama muito, que o ama hoje mais que há quatro anos, quando foi eleito.
Ambas lembraram que quando se casaram passaram grandes dificuldades económicas: a aspirante disse que o casal costumava comer "muita massa com atum" e a actual disse que o seu jovem esposo só tinha "um par de sapatos decentes" e que o carro do casal padecia de ferrugem. Além disto, as duas afirmarem-se como mães de família e destacarem o grande orgulho que têm da sua.
Não seria de estranhar que as senhoras tivessem dito algo tão profundo, reservado, até íntimo aos maridos… ou, vá lá, uma à outra, caso se tivessem encontrado nas lides da política e, para passar o tempo, resolvido tomar uma água ou um café num barzito acolhedor e, como palavra-puxa-palavra, entrado pelas suas vidas dentro... ou (é outro cenário), procurando encontrar um sentido para a existência, tivessem resolvido reflectir em voz alta com as suas maiores amigas, irmãs, psicanalistas… Nada disso: as senhoras disseram o que disseram... ao mundo inteiro!
E o mundo (quase inteiro) achou lindas essas declarações tão simples, directas e românticas.
Mas, bem vistas as coisas (porque em questão de eleições, estas coisas são bem vistas), em primeiro lugar ficou a dama que já é primeira, porque, afinal, "falou de amor" "ao homem que não esquece as suas raízes" e, assim, "ofuscou a rival". E o homem, que é candidato, comovidíssimo respondeu, na mesma moeda e, claro está, em público também: "amo-te tanto...!"
Para completar este empolgamento, nas notícias referia-se o nome dos costureiros que assinaram os vestidos das damas, o custo dos ditos (o da aspirante muito mais caro do que o da actual) e que o costureiro da aspirante costuma criticar a indumentária da actual… e, ainda, (pasme-se!) a etnia do da primeira.
De tudo isto o que se pode tirar?
Obviamente: que o amor tudo vence! E que o apelo às raízes (sobretudo se forem ou se se fizer crer que são, pouco abastadas), bem como a referência a (algumas) etnias são "ingredientes" que ajudam!
O leitor terá percebido que tudo isto aconteceu num comício para a eleição de um Chefe de Estado. Seria de esperar que aí se debatessem os problemas que inquietam a nação em causa, bem como propostas de solução. Pois é... mas se assim fosse, conjectura-se num dos jornais que acima identifiquei, as pessoas não iam querer ouvir: "no fundo, o que (...) querem ouvir dos seus líderes é que são iguais a si". Só que não são apenas as pessoas comuns com tal querer: parece que os comentadores políticos elogiaram muito o discurso de primeira-dama, afinal ela "mostrou-se confiante e falou com paixão".
Afinal, o que mais se pode desejar!?
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