Muitas histórias começam por “era uma vez”. Para não destoar, era uma vez um pequeno país que vivia “orgulhosamente só”, não se curvando a interesses económicos dos Estados Unidos, da União Soviética e da China para que Angola, pela sua riqueza petrolífera, deixasse de ser território administrado por Portugal. E, por arrastamento, os outros territórios ultramarinos portugueses se tornassem, também eles, independentes.
Conta-se, a propósito, que Salazar, antevendo o despertar de cobiças das grandes potências mundiais, ao ser informado, em meados da década de 60, das grandes jazidas do chamado ouro negro descobertas em Cabinda, terá exclamado perante o espanto do mensageiro da boa-nova: “Só me faltava mais esta”! O receio por esta descoberta residia na posição de diversos areópagos internacionais que, sob o manto hipócrita de nobres intenções humanitárias, atiçavam sobre Portugal ferozes mandíbulas de opróbrio da sua condição de país colonizador quando os verdadeiros motivos dessa atitude tinham por finalidade o pior dos colonialismos: o neocolonialismo.
Assistia-se, então, ao desenrolar de três frentes de guerra em Angola, Moçambique e Guiné que implicavam uma hemorragia do erário público. Todavia, nos derradeiros tempos que antecederam o 25 de Abril, segundo Luciano Amaral, professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, “nunca outro período da nossa história assistiu a um tão rápido desenvolvimento económico e a uma tão grande aproximação da nossa economia às mais desenvolvidas” (Revista “Atlântico”, ano I, n.º 6, Set. 2005, p. 9).
Sem mesmo falar na sonegação dos futuros subsídios de Férias e do Natal dos funcionários públicos e dos reformados da função pública, hoje, esgotada a torrente caudalosa dos fundos comunitários, gasta em obras faraónicas ou escoada para fins, para utilizar um eufemismo, nada recomendáveis, assiste-se ao desolador panorama dos impostos dos portugueses serem mais elevados que na maioria dos países europeus e de alguns países do antigo Leste Europeu começaram a aproximar-se – ou mesmo a superarem – o desenvolvimento económico deste rectângulo onde “a terra acaba e o mar começa”, na imagem poética de Afonso Lopes Vieira.
Não se desse o caso dos relatórios nada abonatórios para o nosso país, que nos chegam em catadupa do estrangeiro e são publicados nos media nacionais (bendita liberdade de expressão!), quase poderíamos ser levados a pensar que o caso do BPN e outros casos escabrosos, cujos reflexos pesam nos impostos dos portugueses, se trata de um pesadelo de que se tarda a acordar e que o bem-estar da Pátria e a felicidade dos portugueses reside, tão-só, em encontrar reposta para o sonho venturoso de Portugal se sagrar Campeão Europeu de Futebol de 2012.
Numa nada “ditosa Pátria”, com umas tantas personagens com responsabilidades políticas que em momentos de grave crise nacional se ocupam, de há anos para cá, com intrigas de soalheiro e desavenças de comadre, foi sacudida a opinião pública, mais atenta e responsável, pelo artigo de Daniel Kaufmann a denunciar, na revista "Finance & Development", editada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em Setembro de 2005, que “Portugal podia estar ao nível da Finlândia se melhorasse a sua posição no ranking de controle da corrupção”. Caiu este aviso, pelos vistos, em saco roto fazendo orelhas moucas ao ditado português de “quem te avisa teu amigo é”.
E, assim, Portugal dos nossos dias, deixou de “estar orgulhosamente só” para celebrar esponsais com a corrupção que conduziu à crise em que Portugal actual se encontra, a exemplo de crise idêntica ocorrida no século XIX merecedora do desalento e interrogações queirosianas: “No meio de tudo isto o que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más: - mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito. Hoje crédito não temos, dinheiro também não temos – pelo menos o Estado não tem: - e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela Política. De sorte que esta crise me parece a pior – e sem cura”. Mas será, mesmo verdade, que a história se não repete?
N.do A: Este post recupera e actualiza partes de textos por mim aqui publicados. Infelizmente, de lá para cá, pouco ou nada mudou - se é que mesmo não piorou - o que me leva à desesperança da actual crise ter cura em anos mais próximos.
7 comentários:
Desculpe, Afonso Lopes Vieira???
Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa,
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floresça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora, e lá na ardente
África estar quieto o não consente.
Camões, Os Lusíadas, III, 26
Prezado António Bettencourt:
Como bem refere, a expressão “onde a terra acaba e o mar começa” é de criação original de Luís Vaz de Camões.
Todavia, ela for “recriada” pelo poeta Afonso Lopes Vieira para título de um dos seus livros: “Onde a terra acaba e o mar se começa”. Não enjeitando a responsabilidade de, em citação de memória, ter omitido o respectivo “se”, agradeço a sua chamada de atenção que me deu a oportunidade desta correcção.
Cordialmente,
Rui Baptista
A propósito da corrupção, oportuna a visualização e audição deste vídeo.
Cordialmente
Era uma vez, Alexandre Dumas...
"Nous voilà au cap des Tempêtes. Voyez-vous cette montagne qui s’élance au milieu des brumes ? C’est ce même géant Adamastor qui apparut à l’auteur de La Lusiade. Nous passons devant l’extrémité de la terre ; cette pointe qui s’avance vers nous, c’est la proue du monde. Aussi, regardez comme l’Océan s’y brise furieux mais impuissant, car ce vaisseau-là ne craint pas ses tempêtes, car il fait voile pour le port de l’éternité, car il a Dieu même pour pilote. Passons ; car, au delà de ces montagnes verdoyantes, nous trouverons des terres arides et des déserts brûlés par le soleil. Passons : je vous ai promis de fraîches eaux, de doux ombrages, des fruits sans cesse mûrissants et des fleurs éternelles."
Caro João Boaventura:
Só hoje me foi dada oportunidade de seguir o conselho deixado por João Boaventura, no comentário ao meu último post, “Portugal e a Corrupção” (17/11/2011), de ver o “Programa Olhos nos Olhos”, da TVI 24, em que todas as semanas, de há tempos para cá, Medina Carreira, no seu estilo habitual de dizer o que pensa, sem a preocupação de se tornar politicamente correcto, é entrevistado por Judite de Sousa.
A fazer fé no ditado popular de que deitar cedo dá saúde, embora o adiantado da hora me aconselhasse a só responder ao seu oportuno comentário em pleno dia, não resisto a responder-lhe já. Teve o respectivo programa a belíssima participação do docente universitário Paulo Morais que, a páginas tantas, disse: “A legislação é propositadamente feita de forma confusa”. Pela importância reconhecida a esta afirmação, foi ela passada em rodapé.
Curiosamente, no meu post aqui publicado com o título “Ainda o exame de ingresso na carreira docente” (30/01/2009), uma temática que tem merecido a minha melhor atenção e que, finalmente, se encontra em vias de se tornar realidade, em resposta a um comentário de um colega e amigo que muito prezo, de seu nome Carlos Félix Fernandes, companheiro desiludido de um sindicalismo em que ambos fomos dirigentes (a quem possa interessar, parte dessa “odisseia” poderá ser seguida em diversos comentários desse meu post), escrevi acerca da propositada confusão como certa legislação é feita:
“Começo por chamar a mim, a picaresca história descrita pelo escritor Pio Barojo quando nos relata que um ministro espanhol se virou para o seu secretário dizendo-lhe: ‘Senhor Rodriguez, veja lá se a lei está redigida com a suficiente confusão’. Em Portugal, mais precisamente no respectivo ministério da Educação, essa advertência não se coloca. A própria redacção das leis portuguesas, no que respeita à correcção do idioma pátrio, mereceu, anos atrás, de Almeida Santos (jurista que escreve os textos escorreitos que lhe saem da pena com assinalável recorte literário) a seguinte e contundente crítica : “Muitas das actuais leis portuguesas chumbavam no exame da antiga 4.ª classe”! E este facto muito se agrava no que tange à respectiva interpretação por os próprios especialista se perderem nessa imensa floresta legífera que condiciona a nossa vida e que nos obriga, a nós leigos, a não poder, em situação do seu não cumprimento, sequer, evocar o seu desconhecimento (e implícita a sua interpretação)”.
Ao ser denunciado no referido programa o papel da corrupção no atraso de Portugal, mais uma vez, se chega à conclusão do vício bem nacional de fazer orelhas loucas não a palavras loucas mas a avisos ajuizados como o citado no meu post, da autoria de Daniel Kaufmann ao denunciar, na revista "Finance & Development", editada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em Setembro de 2005, que “Portugal podia estar ao nível da Finlândia se melhorasse a sua posição no ranking de controle da corrupção”.
Ou seja, nesta meia dúzia de anos nada se corrigiu nesse sentido. Aliás, nem interessava corrigir para os responsáveis que deixaram chegar este país ao estado calamitoso a que chegou e em que pagam os justos pelos pecadores. E o grosso da factura a ser paga com os impostos ainda não se faz sentir no sacrifício maior que virá ser exigido aos bolsos da classe média portuguesa. Como sói dizer-se, a procissão ainda vai no adro sendo transportado aos ombros dos pobres e desempregados deste desgraçado país o respectivo e pesado andor da corrupção.
No meu comentário (2.ª linha, 4.º §), rectifico Pio "Barojo", para Pio Baroja.
Prezada Cláudia Tomazi: Agradeço, e registo, a apropositada citação de Alexandre Dumas.
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