Reportagem sobre os Cientistas de Pé e o lançamento do livro Darwin aos Tiros e Outras Histórias de Ciência, publicada na edição do SOL desta semana.
DOUTORAMENTO HUMORIS CAUSA
Ao subir ao palco, Sónia Negrão entra a matar. Diz-se especialista em arroz, «arroz de pato, arroz de cenoura» e apresenta o cartão de visita – é uma engenheira agrónoma. «Já sei o que vocês estão a pensar», continua Sónia. «Engenheira agrónoma, engenheiro Sousa Veloso». E confessa que achava este seu antigo colega «sexy. Devia ser das patilhas». Mas, ao contrário do simpático apresentador do clássico da RTP1, TV Rural, Sónia é uma «sexóloga do arroz», uma planta que se «diverte sozinha» porque é hermafrodita, isto é tem ao mesmo tempo os dois órgãos sexuais. Ou, de acordo com Sónia, «tem um pénis e um cérebro».
A plateia já exulta nesta fase. Sónia tinha sido o terceiro elemento do grupo de stand up comedy Cientistas de Pé a entrar em cena na Fnac do Colombo (Lisboa). O biólogo Bruno Pinto iria suceder-lhe, apresentando ao público a sua grande preocupação com os recursos naturais. Pinto arriscou logo uma definição deste conceito: «Uma das formas naturais de gerir um recurso natural é metê-lo ao bolso antes que outros o façam». E recorda um dos poucos destes recursos que ainda é de todos, o ar. Pelo menos, até o primeiro-ministro se lembrar de o privatizar...
Mas a actuação dos Cientistas de Pé não foi a pagar. Estavam ali para apoiar o lançamento do livro Darwin aos Tiros e Outras Histórias de Ciência, do físico Carlos Fiolhais e do bioquímico David Marçal, que também é fundador do grupo de stand up. O humor cruzou-se das piadas em palco à versatilidade das histórias científicas contadas no livro, distribuídas por todas as disciplinas das ciências e até das pseudociências.
O percurso de David Marçal foi traçado entre o laboratório e as crónicas humorísticas n’ O Inimigo Público, suplemento satírico do diário Público. A certa altura, as experiências encontraram-se pelo caminho e Marçal percebeu que «se escrevesse piadas sobre ciência criava um nicho. Se escrevesse piadas sobre outros assuntos», brinca, «tinha de ter mais piada que os outros, o que nunca me pareceu uma boa estratégia».
Enquanto gere o grupo que fundou em 2009 – e que já sofreu, este ano, uma remodelação, devido à inevitável ‘fuga de cérebros’ nestes ofícios – Marçal está a tirar pós-doutoramento na sua área, depois de ter sido investigador no Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa.
Já tinha passado por uma experiência teatral, no grupo Teatro do Oprimido, que deve as técnicas de representação ao princípio de que todos somos actores, até os espectadores, doutrina do dramaturgo brasileiro Augusto Boal (1931-2009). Por sinal, Boal também cruzava uma área artística com a ciência, pois era químico de formação.
A ideia dos Cientistas de Pé é evidente. Tentar comunicar ciência com humor, numa linguagem acessível. As tarefas são asseguradas pelo apoio de David Marçal nos textos e do encenador Romeu Costa na libertação da linguagem corporal. Afinal, trata-se de cientistas e não de actores.
Vindos das mais diversas áreas, dizem que aprendem muito sobre outras ciências, já que a escrita é debatida permanentemente. Da bioquímica à biologia marinha, passando pela arqueologia, tudo é discutido. Leonor Medeiros representa esta última disciplina e confessa que a maior dificuldade que sentiu foi dedicar-se «à escrita com piada».
A selecção é feita a partir de audições anunciadas pelo blogue do grupo (http://cientistasdepe.blogspot.com) ou pelo Facebook. João Cruz, biólogo marinho, foi dos que respondeu à chamada. Criou um rap num dos espectáculos anteriores e voltou à carga com ele no Colombo. «É uma forma mais divertida de comunicar a ciência». Concorrência aos Buraka Som Sistema? Não, «eles são da Reboleira. Mas Reboleira Som Sistema não ia soar muito bem...».
Joaquim Paulo Nogueira, o único actor do grupo, é doutorando em Ciências da Comunicação. A experiência dos palcos não foi um salvo-conduto para o stand up: «Tenho uma incapacidade completa de contar anedotas». Mas o tempo passado com os Cientistas de Pé serviu-lhe para superar a crónica falta de piada. Ou não fosse o riso, como disse Joaquim na apresentação, «o Prozac dos pobres».
Ricardo Nabais
2 comentários:
Eu não sou das "ciencias" nem tão pouco do humor, mas a vossa ideia de aliar a ciencia ao humor a ciencia parece-me muito interessante.
Digamos que o humor "apimenta" a ciencia, assim promete!
Vale a pena,vou partilhar no meu blog: http://dadinhahistorias.blogspot.com/
Eduarda (dadinha)
Ai meu Deus...
Como teimo, e sofro.
E... Sofro, porque teimo.
Amo de vossa Ciência!
Essa pimenta do reino.
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