segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

“Horas felizes”

Em pleno Dezembro, o jornal Público pediu aos seus leitores que mostrassem e narrassem os acontecimentos mais marcantes do ano que findava. Anunciava a iniciativa da seguinte maneira: “2007, o ano dos leitores”

Os leitores corresponderam e na edição do passado dia trinta, na revista dos domingos, foram publicadas setenta e cinco fotografias. Em mais de cinquenta aparecem pessoas sozinhas ou acompanhadas. A maior parte delas, sorri. Em dezassete estão retratados lugares. Numa vê-se um bolo de aniversário, noutra um diospireiro, noutra uma mesa com copos e bebidas, noutra um cantor famoso, noutra, ainda, um cão e um periquito.

São fotografias agradáveis, que deixam perpassar uma ideia: são “horas felizes” que os ditos leitores viveram nos trezentos e sessenta e cinco dias que ficaram para trás. Os comentários confirmam essa ideia, pois muitos incluem expressões como: “A minha felicidade”; “viver com efusiante alegria”; “acontecimento feliz”; “o momento mais feliz”.

Mesmo aquelas fotografias, e respectivos comentários, que remetem em primeiro plano para uma ocorrência triste, acabam por pontuar a alegria: duas expõem a mágoa da morte que chegou a familiar próximo, mas que, no entanto, algo ou alguém suaviza; uma explica que as consequências de uma doença foram venturosamente minimizadas; e, mesmo, uma que mostra Birkenau em grande plano, é esclarecida pelas seguintes palavras: “Era antigo o sonho daquela triste história (…) abriu-se o obturador e captou um momento de alegria”.

Detive-me, em particular, nas imagens afáveis de pais que olham embevecidos para as suas crianças, que ternamente seguram uma mão mínima ou que dão colo a corpos pequeninos; de uma barriga proeminente de grávida que quatro mãos aconchegam, e de jovens mães na maternidade; de namorados muito juntinhos, de casais ainda vestidos de noivos, de famílias completas.

Abstenho-me de fazer qualquer comentário, pois tenho a certeza de que ele não seria mais bem conseguido do que aquele que José Eduardo Agualusa publicou no mesmo jornal duas páginas antes. Escreveu ele:

“Pedem-me uma crónica sobre dias felizes (…) Olhando para trás não sinto dificuldade em encontrar momento felizes. Assim que me sento para escrever, porém, dou-me conta de que a maioria dos meus momentos felizes não são matéria para expor em páginas públicas. A verdadeira felicidade é quase sempre íntima, reservada. A infelicidade também.”

Documento consultado:
Pública (Revista do jornal Público) de 30 de Dezembro de 2007.

Imagem retirada de:
http://seguro.brasilshop.com.br/shopping/super/imgprod/almofada_sorriso.jpg

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