quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Conhecimento não empírico

No post “Senhoras e Senhores, a Realidade”, o Ludwig põe tudo em pratos limpos. Todo o conhecimento é conhecimento empírico, declara. Bom, não usa esta terminologia porque prefere usar o paroquialismo da “observação”. Até parece que os cegos não podem saber nada. Mas não é isso que ele quer dizer.

O Ludwig parece pensar que sou eu que preciso de refutar a ideia de que todo o conhecimento é conhecimento empírico. Na verdade, é o contrário. Pois a não ser que tenhamos explicitamente uma posição sofisticada qualquer acerca da natureza de todo o conhecimento, qualquer pessoa pensa pré-teoricamente que o conhecimento matemático ou lógico não é empírico. Os matemáticos não precisam de laboratórios, telescópios, microscópios, etc. Sentam-se, lêem, pensam, e fazem. E o que lêem não são relatórios obtidos pela experiência, mas antes resultados obtidos exclusivamente pelo pensamento. Isto é o que toda a gente pensa pré-teoricamente; claro que pode estar errado, mas é quem pensa que está errado que tem o ónus da prova e não o oponente.

Acresce que a própria tese de que todo o conhecimento é empírico não parece ter qualquer base empírica. Baseia-se no pensamento apenas. O Ludwig não se atreveria a afirmar que todo o conhecimento da matemática depende crucialmente dos neurónios da zona X do cérebro sem ter levantado o rabo da cadeira para saber empiricamente se isso era verdade ou não. Ou sem ter lido um relatório de alguém que levantou o rabo da cadeira para saber tal coisa. Não. O Ludwig limita-se a pensar um bocado e filosofa. Diz-nos que todo o conhecimento é empírico. E onde estão os dados empíricos, os experimentos controlados, a observação? Em lado algum.

Mas deixemos isto. Este tipo de argumentos é irritante. (Mas qualquer teoria que afirma que não há algo não pode basear-se no que diz não haver.)

Considere-se as seguintes duas frases:

1) Se Sócrates era um ser humano, era um ser humano.
2) Sócrates era mais pesado do que Platão.

Os recursos envolvidos para poder conhecer o valor de verdade destas frases diferem substancialmente. No primeiro caso, basta raciocinar; no segundo, é preciso recolher informações históricas sobre Sócrates e Platão. No primeiro caso, o agente cognitivo limita-se a pensar; no segundo, é preciso consultar documentos, testemunhos e estudos. Esta diferença é tudo o que precisamos para caracterizar o conhecimento não empírico.

O que Ludwig afirma é que mesmo para saber que 1 é verdadeira, tenho de saber o significado das palavras, conhecimento este que é claramente empírico. Pois é. Só que isso é irrelevante. Seria como afirmar que para fazer matemática temos de beber biberão. Bom, todos tivemos de beber biberão ou coisa parecida quando éramos bebés, incluindo os matemáticos, mas hoje isso é irrelevante. Mas para saber que 2 é verdadeira ou falsa temos mesmo de obter dados empíricos directamente relacionados com Sócrates e Platão; o conhecimento das palavras não basta.

O que se passa é o seguinte: a partir do momento em que as pessoas aprendem a pensar e falar português, basta pensar para saberem que a afirmação 1 é verdadeira. Para aprenderem a falar precisaram de experiência, porque aprender a falar é uma coisa que se faz pela experiência. Mas contraste-se isto com o conhecimento de 2. Mesmo depois de ter tido exactamente a mesma experiência, não se consegue saber que 2 é verdadeira ou falsa sem ter mais dados experimentais. Por isso, diz-se que podemos saber que 1 é verdadeira sem recorrer à experiência, mas não podemos saber que 2 é verdadeira sem recorrer à experiência.

Chama-se "conhecimento a priori" ao conhecimento não empírico. E "conhecimento a posteriori" ao conhecimento empírico. Uma tese central do positivismo lógico (Rudolf Carnap, A. J. Ayer) é que o conhecimento a priori era meramente vácuo: mero conhecimento de palavras, e não conhecimento substancial. Esta tese, contudo, parece substancial e no entanto não parece a posteriori, pelo que é auto-refutante. Filósofos como Bertrand Russell defenderam que há conhecimento a priori, tal como hoje em dia Saul Kripke e muitos outros. Falo destes dois apenas porque são filósofos que deram contribuições importantes para a ciência, se considerarmos que a matemática e a lógica são ciências.

Mas isto é apenas informação histórica — empírica, portanto — sobre o debate. O importante é isto: para refutar a ideia de que há conhecimento a priori é preciso mais do que invocar o facto de a aprendizagem da língua ter sido a posteriori, porque qualquer filósofo que defende a existência de conhecimento a priori substancial aceita que a aprendizagem da língua (ou melhor, dos conceitos relevantes) foi feita a posteriori. Uma proposição que ambas as partes de uma disputa aceitam explicitamente não pode provar que só uma delas tem razão.

37 comentários:

Anónimo disse...

Não estaria a experiência na origem dos supostos "conhecimentos puros" ou "a priori",produtos da "Razão Pura",como é o caso da Matemática e da Geometria?Aliás,a própria palavra Geometria (medição da terra)parece indicar isto.O alto grau de abstração dessas disciplinas estariam então camuflando essas origens empíricas.
Também não seria mais apropriado chamar os supostos "conhecimentos puros" de conjecturas?

Anónimo disse...

O velho debate empirísmo vs racionalismo.

Uma provocação:

1) Só posso ter conhecimento de algo se eu existo. Se não existir, como poderia conhecer o que quer seja.

2) Logo, o conhecimento primeiro tem de ser da minha existência.

Mas como posso ter conhecimento empírica que eu existo?

3) Não pode ser algo exterior a mim, pois algo só pode ser exterior a mim se eu existo.

4) Logo, terá de ser em mim. Mas se o for então é a priori.

Segunda impertinência:

Se todo o conhecimento é conhecimento empírico, então todo o conhecimento é feito por análise de dados de observação. Mas de onde eu que tenho conhecimento da forma de analisar os dados de observação?

Terceira impertinência:

Se todo o conhecimento é conhecimento empírico, então como posso ter conhecimento da trajectória ou da velocidade de algo? Eu nunca tenho conhecimento empírico do contínuo de posições de um dado objecto. Apenas de pontos isolados.

Anónimo disse...

Essas impertinências lembram muito o paradoxo de Zenão.O racionalismo só tem este tipo de argumento, feito com jogos de palavras, para se sustentar?
Como se resolve o paradoxo de Zenão?Muito simples:com a experiência.

Anónimo disse...

Nem mais...

Anónimo disse...

"para saber que 1 é verdadeira, tenho de saber o significado das palavras, conhecimento este que é claramente empírico. Pois é. Só que isso é irrelevante."

É irrelevante PorquÊ?

Anónimo disse...

Adorava ver a experimentação empírica (nem toda a experimentação é empírica) dos paradoxos de Zenão. A própria ideia de tal experiência empírica é já um paradoxo.

Anónimo disse...

Parece claro que a validade de '1+1=2' nao depende de uma validacao empirica.

Porem, poder-se-ia colocar a seguinte questao: como surgiu o conceito de 'numero' no espirito humano? Resultou do pensamento puro, ou necessitou de uma experiencia (empirica) anterior?

Na verdade, mesmo que aceitemos que o conhecimento 'a priori' e' inerente aos seres humanos enquanto especie biologica, resta a questao historica e biologica acerca origem desse conhecimento, ou seja, da origem das estruturas cognitivas (codificadas no nosso patrimonio genetico) que sao o suporte dessas capacidades.

Assim sendo, nao sera' que a questao deve ser colocada ao contrario: se incluirmos a evolucao biologica, como explicar essas capacidades cognitivas sem ser recurrendo aos processos empiricos da aprendizagem e da percepcao?

Parece-me que o simples facto de certas capacidades serem inerentes 'a nossa especie (presumivelmente, resultantes do nosso patrimonio genetico) nao resolve, por si, o problema da origem das mesmas.

Parece-me tambem que o problema de saber como e' que os humanos podem aceder ao conhecimento do tipo: '1+1=2' e' logicamente independente da questao de saber se esse enunciado e' verdadeiro independentemente do espirito humano. Como falamos de conhecimento humano, a minha pergunta refere-se 'a primeira.

Anónimo disse...

recorrendo e outras gralhas...

Anónimo disse...

mp-s:

O conceito de número não vem do conhecimento empirico, ou seja, da contagem. Há outros elementos não empíricos. É preciso reconhecer, como o fez Piaget na excelente obra A epistemologia da matemática, que para a elaboração do conceito de número foi necessária a contagem - a abstração empírica -, mas também outras noções como a noção de sucessão de números, o antecessor (a noção de soma) e uma rede de noções que foram levando os matemáticos ao que Piaget chamou de abstração reflexiva. O caráter da matemática é dedutivo, não temos nenhum rastro empírico.

Marta Bellini
Maringá, Paraná, BRASIL

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Pelo andar da carroça, o ensino da filosofia e das ciências fundamentais vai ser suspenso pela ministra!
No século XXI, ainda se discute o conhecimento a priori e o conhecimento empírico? Ainda se fala de ciência como se fosse algo extraterrestre? Perda de tempo discutir estes problemas a um nível tão pouco sofisticado. :(

Fernando Dias disse...

Não é nenhum mito a realidade das conexões causais, mas é um mito que essa realidade seja dada. Apesar de as conexões causais no mundo não serem aparências, todavia, já as inferências causais resultam de um conjunto de operações mentais realizadas pelo nosso cérebro.

As conexões causais são tão reais que inclusivamente nos levam à morte. Ocorrem num mundo real e não nas nossas cabeças (construção mental). Isso não invalida que uma parte dessa realidade, que é aquilo que nós dizemos, resulte de contruções mentais de um organismo em inter-relação com o mundo. E é por isso que, às vezes, construções mentais erradas de determinadas situações causais nos são fatais.

A natureza, para a nossa sobrevivência, dotou-nos com uma consciência fenomenológica da qual não podemos sair. Para que o conhecimento possa ocorrer, as referidas construções mentais operam numa base fenomenológica (cores, sons, formas, etc.). Mas não é necessário que estas construções mentais, (que alguns filósofos e neurocientistas chamam imagens e o senso comum acredita que correspondem a algo independente de nós), sejam representações do mundo real.

O mundo do senso comum parece-nos real por conveniência estrutural. E os objectos fenomenológicos, apesar de desconhecermos a sua realidade última, actuam causalmente sobre nós e nós sobre eles. É por isso que os objectos fenomenológicos que resultam dos nossos actos cognitivos têm valor de verdade, na medida em que não só têm para nós valor de sobrevivência, como satisfazem as condições de possibilidade de enunciados causais. O que é falsa é a crença de que eles são tal e qual como nos aparecem.

Para além deste processo fenomenológico de construção da realidade, há quem pense, como Desidério Murcho, que há o outro processo, o racional ou conceptual, que é o tal gerador das descobertas relacionadas com a realidade última das coisas. E talvez tenham razão.

Anónimo disse...

É fácil verificar que o conhecimento de que 1+1=2 tem origem estritamente empírica e indutiva,e não resultado de alguma revelação ou iluminação intelectual.Sempre se constatou que juntando-se qualquer objeto a outro,o resultado é dois objetos.
Daí,numa operação mental de abstração,retira-se a referência aos objetos,no que resulta simplesmente a relação aritmética ,mas que continua sendo uma expressão da natureza.
Este desenvolvimento experimental da aritmética é repetido sempre que a mesma é ensinada às crianças,usando-se maçãs,por exemplo.

Anónimo disse...

"É fácil verificar que o conhecimento de que 1+1=2 tem origem estritamente empírica e indutiva"

É? Olhe que génios como Platão, Kant, Leibniz ou Descartes (entre muitos outros) não deram com isso.

Para tornar fácil e clássica a conversa: Diga lá qual o conhecimento empírico que sustenta (à maneira da maçã) o conhecimento que pode aquirir da adição 4756382405 com 37758299390? E qual é o conhecimento empírico donde provém a ideia de triângulo?

Podemos começar.

Isto dos arrogantes que acham que resolvem em duas penadas problemas com imensa história, como o da demarcação da ciência ou o do conhecimento...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Acho que todos se esquecem do fundamental: somos mortais.
Além disso, é preciso fixar a terminologia. Tenho lido aqui comentários conceptualmente inconsistentes.
E lembrem-se: não temos "observações"; fazemos "observações". Uma diferença importante.
A maior parte do conhecimento que adquirimos durante a socialização primária não deriva da experiência, para não falar do conhecimento programado filogeneticamente.
Abraço

Anónimo disse...

O Murcho parece considerar que há conhecimento não empírico sobre a realidade empírica, isto é, conhecimento a priori sobre a realidade empírica, que não precisa de dados sobre esta realidade para que seja produzido. Anotemos. Não porque constitua um avanço sobre as suas anteriores posições, mas porque é elucidativo das suas confusões. Faço esta referência porque ele me tem parecido um pouco pedante e narcísico, nada modesto, pretendendo dar-se ares de teórico da filosofia, que faz alarde da necessidade de ensinar a pensar bem e que simultaneamente parece recitar de cor ao invés de pensar. Posto isto, vamos ao que interessa.

Os exemplos que o Murcho invoca para ilustrar conhecimento a priori são infelizes, porque se tratam de meras afirmações sobre um objecto, que não constituem conhecimento, mas apenas afirmações. Isto de se poder fazer afirmações é apenas exemplificativo de que se pode falar ou, quanto muito, de que se pode pensar, mas de pouco mais. Dizer que se P, então P não é ilustrativo de qualquer conhecimento sobre P, a priori ou posteriori. Se a admissão da condição de verdade de uma afirmação faz dela uma afirmação verdadeira é apenas uma regra do pensamento coerente, que exclui a contradição e que é independente do objecto a que a afirmação se refira. A regra, portanto, não constitui uma afirmação de verdade sobre o objecto, mas uma condição de validade do pensamento; e validade das regras do pensamento confere validade aos argumentos, mas não constitui condição suficiente para que sejam cogentes ou constituam conhecimento. A regra é conhecimento sobre o pensamento, sobre uma condição da sua validade, mas não constitui qualquer verdade sobre o objecto do pensamento. Hoje, podemos dizer, certamente, que é uma verdade do senhor de Lapalisse.

Nos casos apresentados, as afirmações não passam de afirmações sobre objectos e não constituem qualquer conhecimento sobre eles. A coisa é ainda mais desconchavada porque o Murcho quer apresentar a primeira afirmação como exemplo de conhecimento a priori, conhecimento não empírico sobre um objecto empírico, e, para contraste, pretende com a segunda ilustrar o conhecimento empírico sobre um objecto empírico, que, neste caso, exigiria dados empíricos. É claro que as afirmações não são exemplo do que ele pretende ilustrar, porque não constituem qualquer conhecimento sobre o objecto. Para constituírem conhecimento sobre o objecto empírico Sócrates elas teriam, no primeiro caso, de demonstrar a hipótese condicional (se Sócrates era humano) da primeira parte da frase, da qual a segunda é mera aceitação (e a reafirmação duma condição de verdade não é a verdade); no segundo caso, teria de ter colhido os dados sobre o peso de Sócrates e sobre o de Platão.

Depois, o Murcho afirma a existência de conhecimento não empírico, que como objecto real, mas não empírico, pressupõe a existência duma realidade não empírica. Ora, isto parece contradizer o que já afirmou algures acerca do carácter uno e empírico da realidade. Se os objectos não empíricos — os pensamentos não empíricos — existem, isto é, são objectos reais, e se existe uma realidade não empírica (nem que seja restrita a esses objectos), nada obriga que o objecto desses pensamentos não empíricos se restrinja aos objectos empíricos, podendo existir pensamentos não empíricos sobre objectos não empíricos, nomeadamente, sobre os próprios pensamentos não empíricos.

Se admitirmos que o pensamento cogente vai para além da representação sensorial da realidade empírica (com a qual a classe dos seres vivos está dotada inatamente) e constitui actividade intencional da classe dos seres vivos humanos, por exemplo, então, a actividade cogente poderá enquadrar-se, nem que seja por comodidade, nessa parte não empírica da realidade. Neste caso, o pensamento cogente produziria objectos não empíricos (os produtos do pensamento ou pensados), quer sobre objectos empíricos, quer sobre objectos não empíricos. É, por exemplo, a minha perspectiva, adoptada por mera comodidade.

Afirmar que a realidade é una e empírica, e que existem objectos reais não empíricos é insustentável, porque é uma contradição nos termos. No caso da realidade exclusiva à realidade empírica, apenas poderia afirmar que há pensamentos empíricos sobre objectos empíricos sem recurso à observação exterior, porque produzidos pelo próprio pensamento empírico sobre um objecto existente na sua mente, mas ausente exteriormente, e, por isso, exteriormente não observável. Caso contrário, estaríamos perante um verdadeiro sortilégio: produzir conhecimento sobre o que não se sabe se existe, porque não observado, mas que mesmo nesta qualidade seria empírico!

O que o Murcho poderia afirmar é que há pensamento empírico sobre si próprio, sobre o próprio pensamento, sobre os seus instrumentos ou regras. Que é, aliás, o que ele apresenta erradamente como sendo pensamento não empírico sobre o objecto empírico Sócrates. Se, para ele, a realidade é a realidade empírica, não pode existir algo que seja real e, simultaneamente, não empírico. Como se viu, o seu pretenso pensamento não empírico ou a priori não se refere ao objecto empírico Sócrates, mas ao próprio pensamento, independentemente do objecto ser o Sócrates ou outra coisa qualquer. Será, quanto muito, conhecimento empírico sobre o objecto empírico pensamento cogente.

O caso do Krippahl é um pouco diferente. Afirma que não há conhecimento sem observação e poderá ter razão. Tudo depende do que ele definir por observação. Se por observação englobar também a descrição dos objectos do pensamento e dos seus produtos, objectos existentes apenas na mente e cuja descrição ocorreria também apenas na mente, tudo bem. Pareceu-me que o Krippahl fazia equivaler observação com experimentação, mas não estou certo. E experimentar os próprios pensamentos no pensamento, parece-me uma extensão muito lata de experimentação, para não dizer um pouco obtusa. De qualquer modo, ele entende que todo o conhecimento é empírico e sobre objectos empíricos; logo, para si, não haverá pensamentos não empíricos.

Assim se vê como um cientista prático leva a palma a um filósofo teórico que se tem a si próprio em altíssima conta.
JC (o tal que não é o Cristo, nem tem crista e embirra com cristalizados).

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Conhecimento empírico de Sócrates/Objecto real/concreto/singular?
Estranho conhecimento esse, que carece de uma ontologia diferencial. E desconhece que os conceitos gerais são realizados por conceitos "concretos": aqueles que captam as determinações da "realidade". Os conceitos gerais não existem, excepto no pensamento: ou seja, não fornecem conhecimentos concretos de objectos concretos; são "vazios". Afinal, parece que desconhece o que significa empírico. Pense mais antes de concluir o que concluiu, embora partilhe alguns aspectos da sua crítica do Murcho.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Além disso, viola diversos princípios lógicos elementares, sem os quais não pode haver diálogo. Pensamento e conhecimento não são a mesma coisa. Baralha tudo... :(

Anónimo disse...

Caríssimo j francisco saraiva de sousa.

Desconheço muita coisa; não descortino que lógica violo; não faço as confusões que me atribui, que serão confusões e baralhações suas.

Julgo ainda saber pensar. Não muito, mas o suficiente para demonstrar as contradições do Murcho.

JC (o tal que não é o Cristo, nem tem crista e embirra com cristalizados).

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ok. Também embirro com cristalizados!
Aquilo que tentei esboçar foi uma mudança de problemática: desviei-me da problemática da filosofia da consciência e coloquei-me na problemática do conceito.
De modo simples: o conceito de cão ladra? O conceito de açucar é açucarado? Ou o de triângulo é triangular e o de vida é vivo? Responda e percebe a diferença, que implica a distinção entre pensar e conhecer, entre o concreto-de-pensamento e o concreto "real", uma nova noção de prática, uma nova concepção da linguagem, etc. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ou doutro modo: formula o conceito de cadeira, mas a cadeira singular não está dentro da cabeça. São estas distinções conceptuais que devem ser feitas e dominadas quando se pretende resolver um problema. Sem estruturas do prévio, seriamos muito "idiotas". :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Mas concordo consigo: o pensamento de D. Murcho é mesmo muito murcho e os "exemplos" a que recorre são-lhe fatais. Qual o estatuto do conhecimento histórico? Que lógica ele usa? Simplesmente infeliz naquilo que escreveu. :(((

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E cita Carnap e Ayer de modo pouco rigoroso: o conhecimento a priori era vácuo (vazio sim, de determinações empíricas), diz ele, e mero "conhecimento de palavras" (sic). Não sei como não falou da disputa nominalistas versus realistas!!! Bom Ano Novo.

Anónimo disse...

Caríssimo j francisco saraiva de sousa.

Dou a mão à palmatória e reconheço que a partir de certa altura existe no meu comentário a troca do termo conhecimento pelo de pensamento (por associação mental entre pensamento cogente e conhecimento), fruto de o ter escrito aqui e de a verificação não ter sido feita com o cuidado devido. Republico-o, corrigido (o que não altera nada de substancial da contradição que aponto na concepção do Murcho).


"O Murcho parece considerar que há conhecimento não empírico sobre a realidade empírica, isto é, conhecimento a priori sobre a realidade empírica, que não precisa de dados sobre esta realidade para que seja produzido. Anotemos. Não porque constitua um avanço sobre as suas anteriores posições, mas porque é elucidativo das suas confusões. Faço esta referência porque ele me tem parecido um pouco pedante e narcísico, nada modesto, pretendendo dar-se ares de supra-sumo da filosofia, que faz alarde da necessidade de ensinar a pensar bem e que simultaneamente parece recitar de cor ao invés de pensar. Posto isto, vamos ao que interessa.

Os exemplos que o Murcho invoca para ilustrar conhecimento a priori são infelizes, porque se tratam de meras afirmações, que não constituem conhecimento, mas apenas afirmações. Isto de se poder fazer afirmações é apenas exemplificativo de que se pode falar ou, quanto muito, de que se pode pensar, mas de pouco mais. Dizer que se P, então P não é ilustrativo de qualquer conhecimento sobre P, a priori ou posteriori. A admissão da condição de verdade de uma afirmação fazer dela uma afirmação verdadeira é apenas uma regra do pensamento coerente, que exclui a contradição e que é independente do objecto a que a afirmação se refira. A regra, portanto, não constitui uma afirmação de verdade sobre o objecto, mas uma condição de validade do pensamento; e validade das regras do pensamento confere validade aos argumentos, mas não constitui condição suficiente para que sejam cogentes ou constituam conhecimento. A regra é conhecimento sobre o pensamento, sobre uma condição da sua validade, mas não constitui qualquer verdade sobre o objecto do pensamento. Hoje, podemos dizer, certamente, que é uma verdade do senhor de Lapalisse.

Nos casos apresentados, as afirmações não passam de afirmações sobre objectos e não constituem qualquer conhecimento sobre eles. A coisa é ainda mais desconchavada porque o Murcho quer apresentar a primeira afirmação como exemplo de conhecimento a priori, conhecimento não empírico sobre um objecto empírico, e, para contraste, pretende com a segunda ilustrar o conhecimento empírico sobre um objecto empírico, que, neste caso, exigiria dados empíricos. É claro que as afirmações não são exemplo do que ele pretende ilustrar, porque não constituem qualquer conhecimento sobre o objecto. Para constituírem conhecimento sobre o objecto empírico Sócrates elas teriam, no primeiro caso, de demonstrar a hipótese condicional (se Sócrates era humano) da primeira parte da frase, da qual a segunda é mera aceitação (e a reafirmação duma condição de verdade não é a verdade); no segundo caso, teria de ter colhido os dados sobre o peso de Sócrates e sobre o de Platão.

Depois, o Murcho afirma a existência de conhecimento não empírico, que como objecto real, mas não empírico, pressupõe a existência duma realidade não empírica. Ora, isto parece contradizer o que já afirmou algures acerca do carácter uno e empírico da realidade. Se os objectos não empíricos — os conhecimentos não empíricos — existem, isto é, são objectos reais, e se existe uma realidade não empírica (nem que seja restrita a esses objectos), nada obriga que o objecto desses conhecimentos não empíricos se restrinja aos objectos empíricos, podendo existir conhecimentos não empíricos sobre objectos não empíricos, nomeadamente, sobre os próprios conhecimentos não empíricos.

De facto, se admitirmos que o pensamento cogente vai para além da representação sensorial da realidade empírica (com a qual a classe dos seres vivos está dotada inatamente) e constitui actividade intencional da classe dos seres vivos humanos, por exemplo, então, a actividade cogente poderá enquadrar-se, nem que seja por comodidade, nessa parte não empírica da realidade. Neste caso, o pensamento cogente produziria objectos não empíricos (os produtos do pensamento cogente ou conhecimento), quer sobre objectos empíricos, quer sobre objectos não empíricos. É, por exemplo, a minha perspectiva, adoptada por mera comodidade.

Afirmar que a realidade é una e empírica, e que existem objectos reais não empíricos é insustentável, porque é uma contradição nos termos. No caso da realidade exclusiva à realidade empírica, apenas poderia afirmar que há conhecimentos empíricos sobre objectos empíricos sem recurso à observação exterior, porque produzidos pelo pensamento sobre um objecto empírico existente na mente, mas ausente exteriormente, e, por isso, exteriormente não observável. Caso contrário, estaríamos perante um verdadeiro sortilégio: produzir conhecimento sobre o que não se sabe se existe, porque não observado, mas que mesmo nesta qualidade seria empírico!

O que o Murcho poderia afirmar é que há conhecimento empírico sobre o pensamento, sobre os seus instrumentos ou regras. Que é, aliás, o que ele apresenta erradamente como sendo conhecimento não empírico sobre o objecto empírico Sócrates. Se, para ele, a realidade é a realidade empírica, não pode existir algo que seja real e, simultaneamente, não empírico. Como se viu, o seu pretenso conhecimento não empírico ou a priori não se refere ao objecto empírico Sócrates, mas ao objecto pensamento, independentemente do objecto ser o Sócrates ou outra coisa qualquer. Será, quanto muito, conhecimento empírico sobre o objecto empírico pensamento cogente.

O caso do Krippahl é um pouco diferente. Afirma que não há conhecimento sem observação e poderá ter razão. Tudo depende do que ele definir por observação. Se por observação englobar também a descrição dos objectos do pensamento e dos seus produtos, objectos existentes apenas na mente e cuja descrição ocorreria também apenas na mente, tudo bem. Pareceu-me que o Krippahl fazia equivaler observação com experimentação, mas não estou certo. E experimentar os próprios pensamentos no pensamento, parece-me uma extensão muito lata de experimentação, para não dizer um pouco obtuso. De qualquer modo, ele entende que todo o conhecimento é empírico e sobre objectos empíricos; logo, para si, não haverá conhecimentos não empíricos.

Assim se vê como um cientista prático leva a palma a um filósofo teórico que se tem a si próprio em altíssima conta".

JC (o tal que não é o Cristo, nem tem crista e embirra com cristalizados).

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Diz: "existência de conhecimento a priori substancial". Que horror filosófico! Ainda tenho um enfarte de confusão! Adieu

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, concordo consigo na crítica que faz da infelicidade substantiva de Murcho.
Coloca ideias interessantes que podem ser relidas pela problemática do conceito. Falta-lhe talvez a dimensão intersubjectiva, de resto frisada até por Popper. :)

Anónimo disse...

Caríssimo j francisco saraiva de sousa.

Não confundo nem identifico o objecto do pensamento com o produto do pensamento, ou, como você os entende, o objecto com o seu conceito.

E interrogar se o conceito - uma reconstituição mental de um objecto - possui as qualidades do objecto reconstituído é mero jogo de palavras; um reconstitui o outro, atribuindo-lhe qualidades e descrevendo-as, não o reproduz nem às suas qualidades. Mas há quem tenha macacos no sótão, lá isso, há. No caso, nem ladra o conceito de cão, nem o cão que ladra conceptualiza o seu conceito. E olhe que não só o conceito de açúcar não é açucarado como não o é o próprio açúcar, que é doce.

JC (o tal que não é o Cristo, nem tem crista e embirra com cristalizados).

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Então, estamos de acordo. Penso que esta maneira de ver ajuda a clarificar mais os problemas.
Murcho diz outra barbaridade: o conhecimento do significado das palavras é empírico, mesmo daquelas palavras que funcionam como conceitos cujos significados teóricos são atribuídos pelas relações que estabelecem entre si no seio de uma teoria. É demais: erros básicos e escreve como se nunca tivesse lido Searle, Gadamer, Apel, para só referir estes.
Considera que as qualidades "subjectivas" fazem parte dos "atributos" do conceito? Interessante...
Pequenos problemas revelam-se complexos e, como meros mortais, estamos condenados a ser excêntricos (Plessner), isto é, abertos ao mundo. Mas é bom "errar" por caminhos já trilhados e talvez descobrir outros.

Anónimo disse...

Caríssimo j francisco saraiva de sousa.

Não considero que as qualidades subjectivas fazem parte dos atributos do conceito, mas do objecto conceptualizado. Apenas ilustrei, no caso do açúcar, que nem o próprio açúcar, o objecto, era açucarado, mas doce (qualidade que terá em maior ou em menor grau, consoante as papilas gustativas dos comedores de açúcar) e que significa o contrário de amargo (qualidade que o açúcar não tem).

JC (o tal que não é o Cristo, nem tem crista e embirra com cristalizados).

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Só mais uma ideia: a problemática do conceito que ainda carece de uma elaboração teórica satisfatória permite-nos escapar ao "a priori", tal como estabelecido por Kant, portanto, escapar às dificuldades da filosofia da consciência, propondo uma nova teoria da verdade e destacando a dimensão discursiva do conhecimento. Em última análise, todo o conhecimento visa ser o conhecimento concreto de objectos concretos, mas esse conhecimento exige o conhecimento abstracto/geral/formal de objectos asbstractos/gerais/formais, de resto pobres em determinações empíricas da existência. Daí que o conhecimento seja uma síntese (activa).
Contudo, pode levar a questão: não deveríamos abandonar também a noção de objecto, uma vez que este é algo que se opõe a um sujeito? Talvez mas, confesso, não tenho outro termo. Daí a necessidade da busca cooperativa da "verdade" e o recurso à intersubjectividade = objectividade.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Concordo com o que acabou de dizer. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Pelos vistos, D. Murcho nunca leu René Thom, porque fala da matemática de um modo pouco adequado, logo no início do seu post. Afinal, o que entende por conhecimento pré-teórico? Pensa na fenomenologia de Merleau-Ponty ou de Sartre ou de Husserl? Um texto muito "leviano" para quem pretende ser filósofo, suponho, porque não o conheço. E cita Russell!

Anónimo disse...

É muito provável que genios tais como como Platão,Kant,Leibniz e Descartes tenham se aprofundado tanto em seus pensamentos que acabaram se afastando da realidade (que é empírica).Aliás,esses genios raramente concordam entre si.

Anónimo disse...

Marta Bellini,

obrigado pela resposta. Estou de acordo que, no minimo, grande parte do conhecimento matematico e' construido sem recorrer a informacao/confirmacao empirica. Principios como a inducao matematica nao podem ser demonstrados, induzidos ou deduzidos da observacao empirica (e, no entanto, parecem ser necessarias ao nosso pensamento). Julgo eu. ISto tambem me parece ser verdade para outros conceitos como, por exemplo, os 'infinitos'.

A questao que eu tentei colocar, de forma imprecisa (nao existe outra maneira para mim de comecar), era sobre a pertinencia daquilo que me parece ser a assuncao basica de Kant (que me parece ser adoptada pelo Desiderio, mas posso muito bem estar errado...), a saber: tomar o ser humano, as suas capacidades cognitivas e intelectuais como dados do problema do conhecimento, sem perguntar pela sua origem. Esta simplificacao, considerar as propriedades da estrutura mental dos seres humanos como dados, toma'-los como cristalizados no instante actual, isola'-los da sua origem filogenentica, podera' ser extremamente util se quisermos elucidar como e' possivel criar o conhecimento matematico hoje. Porem, isso e' apenas um aspecto muito restrito do problema mais geral de saber como e' que podemos conhecer a realidade. Hoje ja' nao podemos tomar, como no tempo de Kant, a estrutura da mente humana como um dado de partida imutavel. Hoje sabemos muito mais do que Kant sabia, nsabemos que o cerebro e a consciencia humanos nao existiram desde sempre, e sabemos que e' necessario entender toda a questao da cognicao e consciencia do ponto de vista de um processo evolutivo biologico.

Nao temos qualquer garantia de que as nossas capacidades cognitivas sao as mais apropriadas para compreender a 'realidade'. Podemos ser muito bons a compreender certos problemas; muito inadequados para outros. Por via do 'bias' da nossa estrutura mental.

Um bom exemplo e' a capacidade inata dos seres humanos para a linguagem; a sua extraordinaria capacidade para adquirir as competencias linguisticas num curto espaco de tempo sem ter acesso directo/explicito a todos as 'regras'. de aguma forma, parece que somos capazes de preencher os 'lacunas' na informacao disponivel e dominar a lilnguagem sem sequer ter conhecimento explicito das regras da gramatica.

Porem, o que julgo e' que nao se pode deixar de perguntar atraves de que processos adquirimos a nossa estrutura mental, suporte das tais capacidades cognitivas, incluindo eventualmente as capacidades aprioristicas, que permitem construir conhecimentos matematicos por deducao, adquirir a linguagem por via de estimulos/inputs 'insuficientes', que nos permite na percepcao seleccionar e reconstruir os objectos e informacao relevante no meio de um 'campo de experiencia exterior' extremamente complexo (em parte, o 'binding problem'), etc etc (tudo isto e' fascinante)

Anónimo disse...

escapou um pouco do meu comentario anterior...

"...e dominar a lilnguagem sem sequer ter conhecimento explicito das regras da gramatica. Por outro lado, estamos completamente perdidos no que diz respeito ao entendimento da consciencia, do problemas dos 'qualia', e nem sequer temos qualquer ideia como seria possivel ligar harmonicamente a descricao do tipo fisico-quimico do cerebro a um entendimento do que e' 'sentir' algo: a sensacao de vermelho, por exemplo (que, do ponto de vista fisico-quimico, pode ser facilmente descrito pelas propriedades da radiacao e, no cerebro, pela resposta coordenada de certos tipos de neuronios.

JV disse...

A base de todas as ciencias deve residir nas faculdades intelectuais e psiquicas do homem. As causas e os efeitos podem-se descobrir não pela razão, mas pela experiencia, e todo o efeito é um acontecimento distinto da sua causa.
Há uma diferença entre significado e referente. Na teoria da gravidade só temos o significado sem o referente. O efeito é observável mas a causa não o é. A causa é o hábito que pode ser conhecida -ainda que inobservável por raciocínio indutivo, porém nunca se poderá estabelecer a partir daqui um principio, apenas hipóteses.

Espectadores disse...

Caro Desidério,

Longe de querer restringir as minhas críticas a um só ponto, por economia de espaço, acho importante referir este ponto:

«porque qualquer filósofo que defende a existência de conhecimento a priori substancial aceita que a aprendizagem da língua (ou melhor, dos conceitos relevantes) foi feita a posteriori.»

Esta frase não é verdadeira.
Ou então iremos remover São Tomás de Aquino da categoria dos filósofos (há quem o faça, não sem desonestidade intelectual).
A origem das línguas permanece um dos maiores empecilhos para lida com estas questões do conhecimento apriorístico. Como surgiram elas?

Não vou especular sobre esta matéria. Resta-me apenas apontar o exemplo de São Tomás como o de um filósofo de pleno direito (era só o que faltava se não fosse considerado como tal), e que não aceita que a aprendizagem das línguas foi feita "a posteriori". Aliás, é até duvidoso que São Tomás aceite a expressão "aprendizagem das línguas" em sentido evolucionista. Pois sendo certo que, num dado ser humano, há uma aprendizagem (com um mestre, com um tutor), o Tomismo não tem a menor dúvida de que o conhecimento apriorístico que equipa a mente humana não foi "aprendido", mas sim recebido de Deus.

Lá se vai a veracidade da sua afirmação pretensamente generalizante.

Um abraço!
(ah, e Bom Ano)!

Anónimo disse...

não entendi nada

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