sábado, 8 de setembro de 2007

O génio da lâmpada


No dia 14 de Dezembro do ano passado, a Christie's leiloou vários objectos que marcaram a ciência, objectos, manuscritos e instrumentos de, entre outros, Albert Einstein, Louis Pasteur, Marie Curie, Ivan Pavlov, Isaac Newton, Galileu e Charles Darwin. A estrela do leilão era a caixa representada, uma caixa em madeira contendo 23 lâmpadas e protótipos pertencentes a Thomas Alva Edison, e que incluíam, para além das suas, lâmpadas de Joseph W. Swan, George Lane-Fox e Hiram S. Maxim (que associamos normalmente apenas à invenção da metralhadora), que serviram de prova em tribunal da sua propriedade da invenção e patente da lâmpada de incandescência.

O primeiro ensaio científico de Einstein – um manuscrito com cinco páginas intitulado «On the Investigation of the State of Ether in a Magnetic Field», escrito quando Einstein tinha 16 anos –, a primeira edição da obra Philosophiae naturalis principia mathematica, de Isac Newton, datada de 1687, um exemplar da primeira edição de «A Origem das Espécies» de Darwin e a primeira edição em latim da apresentação por Galileu da teoria de Copérnico sobre o universo integravam as cerca de 200 peças oferecidas no primeiro leilão do género.

Apenas 60% da colecção foi arrematada, por um total de 1.35 milhões de libras (2.65 milhões de dólares), pouco mais do dobro do que rendeu o vestido que Marilyn Monroe usou na festa de aniversário de J. F. Kennedy (o leilão dos objectos pessoais de Marilyn ficou aliás conhecido como «Sale of the Century» pela soma astronómica que rendeu).

Salvaram a honra do convento o ensaio do Einstein adolescente, arrematado por £344 000 ($677 000), a «Origem das Espécies» - £78 000 ($153 000) - e um manuscrito técnico descrevendo a criação da bomba atómica assinado por Robert Oppenheimer e Richard Feynman, vendido por £71 000 ($140 000).

A estrela da noite não conseguiu interessar o público: a oferta mais alta pela caixa de lâmpadas de Edison foi apenas de 95 000 libras, menos de metade do preço mínimo da Christie's. Também ficou sem comprador a primeira «imagem» do ADN, uma difracção de raios-X obtida pela assistente de Rosalind Franklin.

A Christie's, através do seu porta-voz Matthew Paton declarou-se surpreendida pelo facto de as lâmpadas de Edison, que esperava vender por pelo menos meio milhão de dólares, não terem atraído comprador. Na realidade, as centenárias lâmpadas foram fulcrais num julgamento que durou mais de uma década e visava estabelecer a paternidade da invenção das lâmpadas de incandescência.

O resultado do julgamento serviu para cimentar em muitos a ideia de que se deve a Edison esta invenção mas na realidade Edison apenas utilizou um artigo da Scientific American em que um químico inglês descrevia a sua lâmpada. Edison trabalhou a invenção desse químico e apresentou a sua versão ligeiramente melhorada (essencialmente em termos da resistência do filamento, o restante era igual) em Outubro de 1879, versão que patenteou em Janeiro de 1880 (patente 223 898 de 27 de Janeiro).

A lâmpada incandescente foi inventada por Joseph Wilson Swan, a quem devemos igualmente o papel fotográfico de brometo de prata e trabalho pioneiro com nitrocelulose, um dos primeiros polímeros feitos, ou antes, modificados, pelo homem.

Swan trabalhava na sua versão da lâmpada incandescente com filamento de carbono desde 1848 mas as bombas de vácuo existentes impediam a construção de uma lâmpada eficiente. Hermann Sprengel, outro químico que trabalhara na Alemanha no laboratório de Robert Wilhelm Bunsen (o mesmo dos bicos de Bunsen), mudou-se para Oxford em 1859 onde continuou a sua investigação em química.

Sprengel desenvolveu a bomba de vácuo de Johann Heinrich Wilhelm Geissler, um mecânico e soprador de vidro que fabricava instrumentos científicos para vários investigadores da Universidade de Bona (que o agraciou com um doutoramento Honoris Causa em 1868). Em 1855, Geissler inventou uma bomba de vácuo sem partes móveis que funcionava movendo uma coluna de mercúrio (Hg). Com essa bomba, Geissler construiu tubos rarefeitos, denominados tubos de Geissler num artigo dos Annalen der Physik und Chemie de 1857 (103, página 88) pelo físico e matemático alemão Julius Plücker para quem trabalhava.

A história dos tubos de Geissler cruza-se com a história do atomismo e com a descoberta do electrão pelo que voltarei a ela oportunamente, de momento interessa que Sprengel desenvolveu uma bomba de vácuo mais eficiente em 1865, que foi muito utilizada em várias áreas da ciência. Em 1868, Swan, que tivera conhecimento da bomba de Sprengel pelo trabalho de William Crookes, utilizou-a no aperfeiçoamento das suas lâmpadas. Em 1878, Swan relatou à Newcastle Chemical Society o sucesso da lâmpada que demonstrou em Fevereiro de 1879 numa conferência em Newcastle e patenteou no mesmo ano.

De qualquer forma, se não há dúvidas de que não foi Edison o inventor da lâmpada de incandescência nem sequer o primeiro a patentear a mesma, importa não esquecer que a iluminação eléctrica, das ruas principalmente, não se iniciou com Edison como muitos igualmente pensam. De facto, em 1802, muitos anos antes de Edison sequer ter nascido, outro químico inglês, Humphry Davy - o mesmo que descobriu o efeito hilariante do óxido nitroso - descobrira o arco voltaico, também designado por arco de Davy, e inventara a lâmpada de Davy, apresentada à Royal Society a 9 de Novembro de 1815. As lâmpadas de arco voltaico foram utilizadas por muitos anos na iluminação pública, nomeadamente três anos antes de Edison nascer, em 1844, o físico francês Jean Foucault, que desenvolveu a invenção de Davy, conseguiu um arco eléctrico suficientemente brilhante para iluminar a Praça da Concórdia em Paris.

Como nota final, deve-se ao austríaco Carl Auer von Welsbach, que antes do advento da iluminação eléctrica das ruas desenvolveu várias melhorias na iluminação a gás, a primeira lâmpada comercial com filamento de metal (actualmente o metal é tungsténio, inovação introduzida em 1910 por William Coolidge), que hoje estamos a preterir por lâmpadas de luz «fria», isto é, lâmpadas que não desperdiçam na forma de calor uma esmagadora parte da energia que consomem.

11 comentários:

Carlos Medina Ribeiro disse...

Muitas das patentes de Edison foram "apenas" melhorias. Mas o certo é que foram fundamentais.

Não foi ele quem inventou o telefone mas inventou o microfone de carvão (que ainda hoje equipa todos os aparelhos).

Da mesma forma, não inventou a lâmpada de incandescência, mas sim um modelo prático, barato, duradouro e de fabricação em massa.
Ele era, também, um industrial com um apuradíssimo senso do negócio.

Como curiosidade: gabava-se de só investir tempo com invenções que estivessem, à partida, vendidas.
A grande excepção foi uma máquina de contar votos!
De facto, ainda hoje (pelo menos em Portugal - e a despeito dos esforços da UMIC e do Diogo Vasconcelos) o Voto Electrónico não anda nem desanda...

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Acabei de enviar, para o mail do Fiolhais, uma gravura de 7 de Fev 1880, com a lâmpada de Edison.

Sobressai o 1.º parágrafo do texto que a acompanha:

«... começamos por colocar estritas reservas sobre o valor e o futuro desta descoberta»

Carlos Medina Ribeiro disse...

(Cont.)

No que toca à iluminação pública, o que Edison fez foi apresentar mais do que lâmpadas baratas e fáceis de acender e substituir.

Edison estudou, ensaiou e fabricou o sistema completo, desde o gerador até à lâmpada, passando pelos cabos, casquilhos, interruptores e contadores - e incluindo ainda o serviço de montagem e colocação em serviço de tudo isso.

Até certo ponto, podemos dizer que ele, com frequência, completava a "inspiração" de outros com a sua "transpiração"...

Carlos Medina Ribeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Medina Ribeiro disse...

A gravura que refiro no 1.º comentário pode ser vista em:

http://sorumbatico.blogspot.com/2005/08/capacidade-de-previso.html

Palmira F. da Silva disse...

Olá Carlos:

Obrigado pelas informações adicionais que forneceu. Já guardei a imagem que referiu.

Edison de facto foi um génio no sentido em que percebeu que para implementar as suas ideias não tinha apenas de superar os problemas científicos e tecnológicos associados mas igualmente os económicos e políticos.

Era igualmente um génio de propaganda. E claro, no caso da iluminação eléctrica, pensou e desenhou os meios técnicos, organizacionais e de gestão permitindo uma integração de redes locais em redes de grandes dimensões que tornassem a iluminação eléctrica competitiva face à iluminação a gás ou mesmo ao arco voltaico.

Mas não tinha razão em tudo, nomeadamente Edison foi um grande defensor da corrente contínua, contra a corrente alternada de Westinghouse, o seu rival da companhia com o mesmo nome.

A corrente alternada ganhou e ironicamente, Westinghouse foi agraciado com a Medalha Edison exactamente por causa da corrente alternada :-)

Carlos Medina Ribeiro disse...

Sim, e Edison fez uma bizarra propaganda contra a corrente alternada, argumentando que era com ela que se executavam os condenados na cadeira eléctrica!

Anónimo disse...

Pelo que sei, foi ao contrário. O Edsion moveu-se no sentido da cadeira eléctrica ser "movida" a corrente alterna. Depois, utilizou o facto a seu favor.

Anónimo disse...

Edison e não Edsion, como é óbvio.

Palmira F. da Silva disse...

Também tenho ideia que o Carlos P tem razão. Aliás, a guerra das cadeiras eléctricas que Edison utilizou para ridicularizar Westinghouse ficou famosa, nomeadamente com a electrocussão na praça pública - por Edison - de uma série de animais, incluindo um elefante «assassino».

Carlos Medina Ribeiro disse...

Durante muito tempo fez-me confusão o facto de Edison se encarniçar tanto contra a corrente alternada.
Embora ele fosse essencialmente um prático, será que desconhecia como se relacionam (inversamente) as perdas de transporte de energia com a tensão eléctrica? E que as tensões elevadas só eram possíveis de obter a uma escala industrial com o uso de transformadores - e, portanto, de c.a.?

Possivelmente a questão colocava-se de outra forma:

Nessa época, o transporte de energia a grandes distâncias não estava no horizonte imediato (só de Edison?), além de que ele investia (e produzia, claro!) centrais elécricas locais.

Por outro lado, muitas das suas invenções funcionariam mal (ou não funcionariam de todo) com c.a. - caso do telégrafo, p.ex.
Especialmente as lâmpadas de incandescência, com frequências baixas (lembro que chegou a usar-se a frequência de 16 2/3, ou coisa parecida) bruxuleavam horrivelmente.

E as interferências indesejáveis, por indução ou efeito capacitivo (numa época em que os cabos não eram blindados) também devem ter ajudado à sua argumentação (ou, pelo menos,à sua crença)

Acresce que, para o controlo de equipamentos simples, a c.c. dá muito mais jeito, e Edison investiu muito tempo e dinheiro no aperfeiçoamento de baterias.

Carlos Medina Ribeiro disse...

(Cont.)

Sabendo que a invenção da lâmpada de incandescência de pouco serviria se o filamento fundisse ao fim de poucos minutos, Edison empreendeu uma busca de um material adequado.
Só por si, essa saga daria um bom livro, pois ele despachou pessoas pelo mundo fora em busca das mais exóticas fibras, e pode dizer-se que tentou de tudo o que pudesse ter aspecto de filamento - incluindo crinas de cavalo.

A "lenda" diz que, afinal, a solução (ou uma delas) estava mesmo ali à mão, na caixa de costura da mulher: a linha de coser, depois de devidamente carbonizada, portou-se lindamente...

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