terça-feira, 4 de setembro de 2007

A FÍSICA EXPLICARÁ TUDO?


A pergunta curta do título merece uma resposta ainda mais curta: Não!

Nem a ciência explica tudo... Há extensos domínios da experiência humana (como, por exemplo, os domínios abrangidos pela arte ou ou pela religião) que simplesmente são de um âmbito diferente. Mas, restringindo-me ao domínio das ciências, a física não explicará tudo – e por tudo entendo a partir de agora todo o mundo material – porque a física, por muito importante que seja, é apenas uma ciência entre várias outras. Os físicos querem conhecer o universo formado por partículas e campos (que descrevem forças). Existem outras disciplinas científicas com objectivos e metodologias próprias, com uma cultura própria, que se cruzam fecundamente com a física, mas que não se reduzem a ela. É o caso, por exemplo, da biologia, a ciência que estuda os fenómenos da vida. Embora saibamos hoje que a matéria dos seres vivos é a matéria atómica e que as forças que presidem em última análise à estrutura dessa matéria são de natureza electromagnética, o estudo da complexidade dos sistemas biológicos e das funções que emergem dessa complexidade excede largamente o que é legítimo pedir a um físico. A física está lá, de facto, a um nível fundamental (também está ao nível dos instrumentos de medição), mas seria arrogante afirmar que a física consegue explicar a enorme complexidade do mundo vivo. Os físicos têm um enorme poder – o poder de descrever a matéria e a energia - mas não têm um poder absoluto.

A questão do título remete, então, para outra, a chamada questão do reducionismo. Em que medida é possível reduzir todos os sistemas aos seus constituintes? Podemos também interrogar-nos sobre se haverá uma unificação final em física. Isto é, sendo possível essa redução, haverá lugar a uma teoria unificada da matéria e dos campos? Tratarei primeiro de uma questão e depois da outra.

Podem-se esgrimir muitos argumentos a favor e contra o reducionismo. Por um lado a atitude reducionista está na base da ciência moderna (os chineses não tiveram a Revolução Científica, que teve lugar no Ocidente, talvez por preferirem uma atitude holística em vez de reducionista). Mas, por outro lado, parecem claras as limitações da atitude reducionista, mesmo no interior apenas da física (quando se reduz um sistema às suas partes, pode perder-se a descrição de propriedades que só existem no colectivo). A metodogia reducionista é importante em ciência, mas ela não pode ser canonizada. Os cientistas mais reducionistas são, por vezes, acusados de arrogância. Pode até ser uma acusação justa: a falta de modéstia nunca foi uma virtude...

O norte americano Edward Wilson conhece bem as limitações da atitude reducionista. Ele é um conceituado biólogo (é o o autor da chamada sociobiologia), que ultimamente se tem preocupado com as questões da biodiversidade. Mas, além de biólogo, é um filósofo moderno: na tradição do iluminismo, expôs no seu livro "Consiliense. The Unity of Knowledge" (Knopf, 1998; há uma tradução brasileira) uma visão integradora das várias formas de que o conhecimento humano se pode revestir. E não se inibiu de criticar os pós-modernos que pensam que nada de objectivo se pode saber. Ele não defende uma unificação dos saberes através da redução das ciências a uma só, mas sim uma confluência de saberes, aquilo a que chama “consiliência”. Nesse esforço conciliatório, inclui mesmo outros tipos de experiência humana, como os que entram na arte e na religião. Tal “consiliência” ou encontro dos vários saberes, respeitando a individualidade e as limitações de todos eles, merece, sem dúvida, ser discutida...

Vejamos agora o problema da teoria unificada. Muitos físicos desde há muito que perseguem a chamada “teoria de tudo”, isto é, uma teoria fundamental que abranja todas as partículas e campos. Stephen Hawking, o físico da Universidade de Cambridge bem conhecido pela sua deficiência física, colocou a questão numa famosa conferência de 1980 com o título “Está à vista o fim da física teórica?”. A conferência, traduzida em português com o título “O Fim da Física” (na Gradiva, com um prefácio meu), deixou uma profecia que não foi até agora realizada. a sua concretização falhou no prazo anunciado:

”Nesta palestra pretendo discutir a possibilidade de o objectivo da física teórica poder ser alcançado num futuro não muito distante, por volta do fim do século. Com isto quero dizer que poderemos ter uma teoria completa, consistente e unificada, das interacções físicas que descrevem todas as observações possíveis”

De facto, não temos, passados 27 anos sobre essa lição, uma “teoria de tudo”. Não temos uma equação que caiba numa “t-shirt” e que englobe, a um nível fundamental, a descrição de todos os fenómenos físicos. Não dispomos de uma teoria unificada consistente que junte, por exemplo, a força gravitacional e a força electromagnética. Há teorias candidatas, mas falta-lhes suporte experimental e, por consequência, falta-lhes o consenso da comunidade científica.

O físico norte-americano Steven Weinberg, que tal como Stephen Hawking é autor de livros populares de ciência (por exemplo, “Sonhos de uma Teoria Final”), tem, tal como o astrofísico inglês, fornecido argumentos a favor de uma visão reducionista dentro da física. Ele afirma que o programa da física, desde que Newton uniu os fenómenos do céu (a começar pelo movimento da lua) aos fenómenos da Terra (a queda da maçã), tem consistido em reduzir o particular ao universal, o complexo ao simples. Tem alguma razão, mas não a tem toda. Nada nos garante que algum dia venhamos ter uma “teoria de tudo”, a “teoria final” com que muitos físicos têm sonhado. Não é de modo nenhum obrigatório que a haja! Mas, mesmo que algum dia a venhamos a ter, parece-me que a tal equação estampada na “t-shirt” não terá poder explicativo sobre numerosos fenómenos do âmbito da física (por exemplo, a supercondutividade a altas temperaturas). Já nem falo do mundo da biologia: como poderia essa equação explicar o canto de um canário? Portanto, e apesar do nome, não seria uma teoria de tudo.

15 comentários:

Anónimo disse...

SJ Gould no seu livro "The Hedgehog, the Fox, and the Magister's Pox - Mending and minding the misconceived gap between science and humanities"(Vintage, 2004) contraria a teoria, a que chama ded programa reducionista, de Edward Wilson. Usando o conceito da consiliencia unicamente no interior de cada uma das ciências, ainda que deixando a porta aberta a um programa de unificação de saberes entre diversas ciências respeitando diversas metodologias e práticas.

Gould coloca a religião, a ética, a estética e as artes bem como as ciências como diferentes e irredutíveis formas de busca e aquisição de conhecimento que perdem em se excuir e ganham com uma recíproca interacção respeitadora dos campos de estudo respectivos.

Anónimo disse...

Eis o reducionismo reduzido ao mínimo

Anónimo disse...

Creio que devemos ter um certo sentido de amor próprio a par do reconhecimento das limitações da nossa capacidade como seres pensantes. Claro que há muito por descobrir e explicar, mas não há dúvida de que já atingimos um elevado grau de conhecimentos científicos e outros. Aliás, a humandade sempre teve de viver com o saber do momento (esta afirmação é à "la Palice"), e chegou viva até ao nosso tempo. Não sabemos é se se manterá por cá durante muito mais. Mais do que ciência a menos, falta-nos é a ciência de usar bem a Ciência.

Anónimo disse...

Fiolhais revela-se...

As directivas dos iluminados da Baviera já começam a ser aplicadas. Viva a Rosa-Cruz! Viva Rosenkreuz e a sagrada iniciação!

Que venham a nós adeptos e iniciados, para que nos dêem poder!

Ande lá, Sr.Dr. ponha-nos a todos no nosso lugar! Os físicos lá no seu cantinho, os químicos noutro..
Que publiquem os seus artiguinhos e sejam mito académicos se querem continuar a receber as benesses da ordem. Nada dessas coisas de questionar e interrogar o status quo.. A mama está lá.. E só o Sr.Dr. é que diz quem mama...

Vejam lá os votos nas comissões de bolsas... Já há Tordesilhas e não é o mérito o seu meridiano...

Anónimo disse...

Bom post.

Uma nota apenas para dizer que a fama do Stephen Hawking não vem só da sua deficiência física e dos seus livros de divulgação científica vem também muito da sua teoria da radiação Hawking que explica que os buracos negros "evaporam".

francisco feijó delgado disse...

Acho que hoje em dia, entre os mais leigos sobretudo, se confunde o significado do que seria eventualmente uma Teoria Unificada, uma teoria de "tudo". E cabe aos cientistas deixá-lo bem claro para que não dê azo às típicas interpretações pseudo-científicas.

Uma teoria de tudo, que produzisse uma explicação unificada dos fenómenos do universo nunca daria um mecanismo de previsão completa dos sistemas físicos. Usando as palavras do Prof. Buescu, não seria uma máquina de fazer salsichas, à qual dariamos à manivela para obtermos, à saída a configuração actual do universo.

A teoria de tudo, tem como objectivo perceber todas as regras do jogo, ou seja todas as limitações e propriedades básicas que o nosso universo tem. Num exemplo muito simples, se o universo fosse um conjunto de peças de lego, o objectivo dessa teoria seria perceber como é que as peças encaixam umas nas outras e as consequências básicas de encaixar esta naquela. No entanto não iria conseguir prever a "escultura" final que as peças fariam, pelo menos se o universo lego tivesse as mesmas propriedades que o nosso, já que hoje já se sabe, que a determinados níveis, há interacções probabilísticas e não determinísticas.

Anónimo disse...

"hoje já se sabe, que a determinados níveis, há interacções probabilísticas e não determinísticas"

Sabe-se? Olhe que há pouco mais de um século sabia-se o contrário. Quem lhe garante o que se saberá daqui a um século?

Marco Robalo disse...

"(quando se reduz um sistema às suas partes, pode perder-se a descrição de propriedades que só existem no colectivo)."

Se essas propriedades se perderem é porque a redução foi mail feita. Veja-se o caso da termodinamica e da física estatistica. A física estatistica é uma redução a principios mais básicos e só foi aceite porque as propriedades macroscopicas podem ser recuperadas.
Aprendemos no século XIX que uma via para a recuperação das propriedades globais - a estatistica.



Quanto à teoria final, parece-me que o que esses fisicos procuram é uma lei para o mecanismo de funcionamento das interacções conhecidas. E nesse aspecto estamos limitados. Ou evoluimos com experiencias que nos permitem descobrir mais ou evoluimos teoricamente com novas ideias matemáticas que nos permitam ponderar na existência de novos fenómenos.
Se conseguirmos explicar tudo o que conhecemos agora então teremos uma teoria do tudo momentanea.

Parece-me a mim que a ideia é roubada da matemática e tenta-se fazer aquilo que os matemáticos muito bem têm conseguido ao longo dos ultimos séculos
que consiste na tentativa de generalização de um dado conjunto de estruturas com propriedades conhecidas com vista a ter uma estrutura que como caso particular englobe todas essas estruturas. Parece-me ser isso que esses físicos teóricos procuram.
Arranjar uma estrutura conceptual geral que como casos particulares explique cada uma das interacções conhecidas.

Anónimo disse...

Muitos cientístas começam hoje a entender que o Génesis é uma boa base para uma "teoria do tudo".


A Bíblia propõe um Universo complexo e integrado, em que a vida está intimamente dependente de pré-requisitos sub-atómicos, atómicos, químicos, geofísicos, atmosféricos, planetários, astronómicos e cósmicos.

Na verdade, se o criacionismo está hoje a conhecer um crescimento exponencial nos Estados Unidos e em muitos outros países, isso deve-se mais aos cientistas dos que aos membros do clero.

Estes, a começar pelo Papa, desacreditaram há muito de muitas das mais fundacionais afirmações bíblicas.

Os cientistas é que estão a redescobrir a Bíblia e a ver nela uma fonte de inspiração para a sua investigação.

Nesse sentido, eles mais não fazem do que seguir as pisadas de homens como Bacon, Galileu, Pascal, Newton, Linneaus, Dalton, Cuvier, Agassiz, Joule, Mendel, Faraday, Maxwell ou Pasteur, entre muitos outros.

Vejam-se, por exemplo, os trabalhos do físico alemão Werner Gitt, Am Anfang war Information (no princípio era a informação) e de Russell Humphreys, Star Light and Time (uma teoria dos buracos brancos inspirada nas afirmações bíblicas).

A pesquisa destes autores no google conduz a resultados muito interessantes.

O caso de Werner Gitt é exemplar.

Trata-se de alguém que foi durante 30 anos director do Physikalisch-Technische Bundesanstalt, Braunschweig, na Alemanha.

A tese essencial de Werner Gitt é:

ainformação é uma grandeza imaterial, inconfundível com o suporte material em que está codificada.

A informação tem sempre uma origem inteligente.

Não se conhece nenhum mecanismo natural de criação de informação.

As quantidades inabarcáveis de informação e meta-informação contidas no genoma nunca poderiam ser o resultado de processos aleatórios.

Isso seria impossível.

Assim sendo, a sintonia precisa do Universo e a extrema complexidade especificada e integrada do DNA nunca poderiam ser o resultado de processos naturalisticos aleatórios ao longo de milhões de anos, exigindo, ao invés, uma criação sobrenatural, inteligente e simultânea.

Como explicação do Universo, da Vida, do Homem, da subjectividade, da consciência, dos sexos, da linguagem, da moralidade, da liberdade, da responsabilidade, do pecado, da culpa e da corrupção de toda a Criação, o Génesis faz mais incomparavelmente mais sentido do que a teoria Big Bang (que, por sinal, já está de saída).

Nuno Sousa disse...

Interessante texto, mas sem dúvida exagerado.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Um dia, um cientista disse a Deus que já não necessitava d’Ele, em virtude de todas as coisas que a ciência consegue fazer.

Deus desafiou-o a fabricar um ser humano, proposta que obteve a concordância do cientista.

Deus disse ao cientista que queria que o ele fizesse exactamente o que Deus fez quando criou o homem a partir do pó da Terra.

O cientista concordou, e pegou num pouco de pó da Terra.

Deus respondeu e disse:

Não, não, não! Assim não vale! Primeiro tens que criar a tua própria Terra.

Mr. Shankly disse...

Ó anónimo, já chega. Comece um blog e escreva isso. 20 vezes se quiser. Mas não encha as caixas de comentários sempre com a mesma lenga-lenga. Ao menos variava! Safa!

Anónimo disse...

Ó anónimo, a terra é criada pelas estrelas que chegam ao fim da sua vida não por Deus nem pelos Homens... se bem que estes, usando umas bombinhas de hidrógenio, já conseguem fazer uns kilitos de hélio de uma vez só.

És pó de estrelas e não sabes... mas tem uns livros de divulgação científica que explicam bem esse tema. Claro que podes sempre estudar um pouco de física e vais ver que tudo faz sentido. Tudo o que é preciso é muito hidrogénio e gravidade deste e passados uns anitos... voilá temos muita terrinha. Não é milagre nenhum, nem é preciso mito nenhum para o entender.

Abr

José Oliveira disse...

Não! Quem critica os criacionistas está enganado...

A resposta correcta é:


MAGIC MAN DONE IT...

http://www.youtube.com/watch?v=KdocQHsPCNM

Cumprimentos,

José Oliveira.

francisco feijó delgado disse...

anónimo:
"hoje já se sabe, que a determinados níveis, há interacções probabilísticas e não determinísticas"

Sabe-se? Olhe que há pouco mais de um século sabia-se o contrário. Quem lhe garante o que se saberá daqui a um século?


Nada disso. Desconhecia-se apenas o lado probilístico do mundo atómico. Isso não quer dizer que era "o contrário".

Há que entender que a física (bem como as outras ciências experimentais) são apenas ideias sobre como o universo funciona. E essas ideias usam uma linguagem que até agora tem funcionado muito bem, que é a matemática. Porquê? Não se sabe. A física não é mais que uma descrição do universo. Não é pretensiosa e é humilde.

Num exemplo talvez um bocado linear demais, digamos que se parte do Universo fosse a A1, Newton descreveu a ligação Coimbra-Leiria. Mais tarde chegou Einstein que descreveu foi a ligação Lisboa-Porto. Não é que Newton estivesse errado, simplesmente não estava a ver a totalidade do problema. Mas há mais estradas por aí, que eventualmente terão de ser descritas.

O que é muito curioso é que o universo parece ser lógico, e logo bem descrito pela matemática. Perguntarão "parece ser lógico", como assim? Bem, usando as tais ideias mais ou menos malucas, aliadas à linguagem da matemática, conseguimos não só sobrepor a nossa explicação ao que vemos à nossa frente, como utilizá-la para chegar mais à frente ou mais atrás. Pegando novamente no exemplo, Newton não terá passado para os seus cadernos todo o troço Coimbra-Leiria, apenas uma porção. Mas a sua ideia era válida para todo o resto desse troço.

E a verdade é que hoje falamos ao telemóvel, vemos televisão, andamos de carro e por aí adiante graças às descrições do universo que não só o retratam agora, como contam parte da história e permitem conhecer parte do futuro. Mais, podemos usar um pouco de "inside trading" para manipular coisas do universo que descobrimos usando essas descrições. É muito provável que agora, no seu computador, no disco rígido, estejam muitos electrões a passar literalmente através duma parede. Pois, é uma ideia maluca. Mas alguém montou um dispositivo com essa ideia (Junções de efeito de túnel - magnetic tunnel junctions) e a coisa funciona, e o senhor tem um disco rígido que guarda dados.

Dados esses que são, como diz, inconfundível com o suporte material em que está codificada (será?!), mas que só os escreve graças ao esforço de todos os que contribuíram para a ciência.

Longe de mim querer aqui, agora, discutir se as invenções e a tecnologia, no fim de contas são boas ou más. Mas que a ciência nos permite fazer coisas palpáveis utilizando os recursos do universo, isso é indiscutível. Da Bíblia já tanto não diria.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...