Não, não conheço o autor pessoalmente, mas confesso desde já (e como quem faz uma prévia declaração de interesses) que sou amigo dele. Ou melhor, tomando uma expressão que é dele, sou “@migo” dele. Este neologismo “@migo” significa que o correio electrónico pode fazer amizades. Já por várias vezes trocámos “emails”, nos “emailámos”, como ele também gosta de dizer, e até já fizemos entrar o outro numa crónica nossa. Sim, porque ambos temos um gosto crónico pela crónica. E, está-se mesmo a ver por este exemplo, pelos jogos de palavras.
Estou a falar de Onésimo Teotónio Almeida, que além de escritor é professor no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros na Universidade Brown, em Providence, Rhode Island, nos Estados Unidos. A sua origem está bem patente em quase tudo o que escreve. Onésimo é dos Açores, mais precisamente da pequeníssima aldeia de Pico da Pedra, na ilha de São Miguel. Emigrou para os Estados Unidos, como muitos outros ilhéus, mas nunca deixou de ser açoriano e português. Cultiva a língua portuguesa, explorando-a e inovando-a como poucos (talvez cheguem os dois exemplos de cima, mas poderia dar muitos mais). Inventa palavras novas como “literatonta”. Ele gosta, no uso da língua, de deitar a língua de fora!
Saiu há pouco mais um dos seus saborosos livros de crónicas “Aventuras de um Nabogador & outras estórias-em-sanduíche”, na editora Bertrand. Este livro vem somar-se a outros seus com títulos igualmente engraçados como “Que Nome é Esse. ó Nézimo? E Outros Advérbios de Dúvida” (o autor a brincar com o seu próprio nome), “Viagens na minha Era” (o autor a brincar com Almeida Garrett), “Onze Prosemas (e um Final Merencório)” (o leitor a brincar com a língua) e “Livro-me do Desassossego” (o autor a brincar com Fernando Pessoa). Não é preciso ir além dos títulos para verificar a capacidade de manejo da língua que o autor é capaz, assim como o seu assinalável sentido de humor…
Pois uma das marcas do Onésimo é o seu constante e refinado humor. Ele conta - e fá-lo com evidente gosto - histórias engraçadíssimas. Além do mais, elas são engraçadíssimas porque é ele quem as conta. O Onésimo diverte-se imenso ao divertir os outros. Se o leitor quer passar por uns momentos de leitura divertida então pegue nas recentes “Aventuras de um Nabogador” ou nalgum dos livros mais antigos e vai ver como dará o seu tempo por bem empregue.
O que são “estórias-em-sanduíche”? São estórias que estão dentro de uma crónica, tendo uma espécie de prefácio, que as contextualiza, e tendo ou não uma espécie de posfácio, que as remata. A maior parte são estórias de viagens contadas de forma despretensiosa na primeira pessoa porque foram vividas pelo próprio autor.
Logo, a primeira (“Em casa com o cinto de segurança apertado”) conta uma ida de férias à República de São Domingos que meteu um desvio a Porto Rico para obter um indispensável visto. E o visto só foi concedido com rapidez porque o cônsul era um fervoroso adepto de Salazar. A nacionalidade portuguesa voltou a facilitar-lhe a vida já em São Domingos quando ele se viu, com a esposa, envolvido no meio de uma manifestação contra os “gringos”…
“Aventuras de um Nabogador” é o título da crónica final, sendo claro o jogo de palavras. O navegador, que é o próprio Onésimo, auto-intitula-se “nabo”, a propósito de uma recambolesca excursão de barco no Maine, apesar de ter nascido numa ilha a meio do Atlântico, a escassos dois quilómetros do oceano. Confesso que me sinto solidário com o autor, pois, apesar de me saber como ele descendente de bravos marinheiros, também sou um “nabogador”, tanto no mar baixo como no mar alto (eu mudaria a popular quadra para: “ó mar alto, ó mar alto / ó mar alto sem ter fundo / vale mais andar nas bocas do mundo / do que no mar alto”).
Ensanduichadas entre estas duas crónicas, há outras que não lhes ficam atrás em humor. Como “O paraíso encontrado”, onde conta a estória de uma extraordinária aluna ninfomaníaca de nome Dolly como a ovelha clonada. No respectivo prefácio são invocados os escritores David Lodge e Philip Roth, que também exploraram facetas eróticas da vida universitária (aliás os livros estão omnipresentes por este livro, sendo esta uma das razões adicionais porque me deu prazer lê-lo: gosto dos livros que remetem para outros). E o erotismo universitário continua em “Vontade de poder”, onde uma havaiana traz ao professor um café com um nome mais do que sugestivo na língua portuguesa, e em “Eu falo os calções assinalados”, onde o autor veste uns calções com uma frase estampada: “Falo Português”.
Onésimo, sempre brincalhão, gosta de se meter com os filósofos vazios, como acontece em “O individualista racional”, e com os críticos pós-modernos, como acontece em “Desconcerto a duas vozes”. Define deste modo o escritor pós-moderno: “[Para ele] o real simplesmente não existe e o texto por ele criado sustenta-se de bricolages captadas pela sua imaginação verbal”. Vale a pena acrescentar que Onésimo, formado em filosofia, se interessa pelas ciências. Em particular pela história da ciência e, dentro desta, a Revolução Científica, que foi quase contemporânea das grandes navegações portuguesas (fez o prefácio à edição portuguesa à "Revolução Científica" de Steven Shapin, na Difel).
Onésimo gosta também de falar da sua terra e dos seus conterrâneos. Dos açorianos fala com ternura mal dissimulada, como acontece num caso de tribunal em “Beber o leite, derramar o mal”, em que finge ser o pai do réu. E, sobretudo, num prodigioso discurso de um emigrante ilhéu, em “Desconcerto a duas vozes”. Dos figurões do Portugal moderno (ou pós-moderno?), há, na crónica “Mai pen rai”, um fiel retrato feito pela mulher de um deles, que é escutada sem-querer pelo autor à beira de uma piscina de um “resort” tailandês (na Tailândia as piscinas têm ouvidos!) enquanto lê John Updike. Também já me aconteceu apanhar o som da língua portuguesa em paragens remotas, não fazendo o seu emissor a minha ideia de que estava a ser compreendido. Se eu quisesse ensanduichar uma estória dessa crónica contaria de um copioso “breakfast” numa residência universitária em Londres e no qual as anedotas em português que contei a um amigo foram no final agradecidas com uma enorme gargalhada por um comensal, lusitano como nós, mas que estava na mesma mesa e que tinha permanecido impassível o tempo todo…
O autor de “Aventuras de um Nabogador” é um divertido viajante das sete partidas do mundo. Qualquer dia ainda vou encontrar o meu “@migo” numa viagem. Ou dele ou minha…
- Onésimo Teotónio Almeida”, “Aventuras de um Nabogador…”, Editora Bertrand, 2007.
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3 comentários:
Meu Caro Carlos Fiolhais
Tenho a sorte de ser o primeiro a aparecer na caixa de comentários. Para saudar efusivamente esta sua crónica sobre as crónicas do Onésimo. É difícil encontrar na Língua Portuguesa um humor tão culto e tão útil como o deste meu amigo de eleição. É que, mesmo entre risos impossíveis de conter, aprende-se sempre alguma coisa com ele. O Onésimo desafia a velha máxima bíblica de que não há nada de novo debaixo do Sol. Basta lê-lo para compreender isto.
Parabéns, meu Caro Carlos Fiolhais. E parabéns antecipados a quem ler este ou outros livros do autor.
Um abraço.
Daniel
Eu tamabém gosto muito do Onésimo. Conheci-lhe a escrita há já alguns anos a revista Ler do CL, chamou-me primeiro a atenção a raridade do nome, Onésimo mas depois veio o sabor das suas crónicas. Vou seguramente ler estas crónicas do Nabogador.
Nabices “Nabogador” (termo usado no título do último livro de Onésimo Teotónio Almeida) é um neologismo infeliz. Às vezes, Onésimo tem graça. Desta vez, porém, falhou o alvo por completo. O termo “prosema”, que também consta ser da sua autoria, também é um perfeito disparate. Por estas e por outras é que um conhecido cá do Argolas diz que Onésimo tem muito mais de exibicionista do que de escritor… E outro amigo meu diz que ele não fica atrás do popular humorista Bruno Nogueira! Onésimo rima com stand-up comedy. Pois rima. E já é muito.
Expresso das Nove.
Carlos Fiolhais: Nunca pensei que também participasses nessas panelinhas.
José Manuel de Aguiar.
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