terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

HOMO, PAN & PONGO

Crónica publicada no "Diário de Coimbra".

Cerca de seis anos de trabalho de uma equipa internacional envolvendo 34 instituições de vários países, (incluindo os biólogos portugueses Rui Faria e Olga Fernando na Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona), liderada pelo geneticista Devin Locke, da Escola de Medicina da Universidade de Washington (São Luís, Missouri, EUA), determinou a sequência de três mil milhões de moléculas que compõem as longas cadeias de DNA (ácido desoxirribonucleico) nos 48 cromossomas que compõem o genoma do Orangotango (género Pongo). A sua sequenciação genómica foi agora publicada na revista Nature.

Depois do genoma da nossa espécie (Homo sapiens) em 2003, do chimpanzé (Pan troglodytes) em 2005, este é o terceiro primata a ter o genoma mapeado.

Actualmente já só existem duas espécies de orangotango. A espécie Pongo abelii vive nas florestas de Samatra (Indonésia), enquanto que a Pongo pygmaeus tem como habitat as florestas de Bornéu (Malásia). Ambas estão ameaçadas de extinção devido à acção da mesma espécie que agora a sequenciou: a humana.

O genoma de um exemplar fêmea da espécie Pongo abelii, de nome Susie, vivendo em cativeiro no Jardim Zoológico de Glayds Porter, Texas (EUA), serviu a base à sequenciação. Sobre ele foram anotados as divergências da sequência genómica de outros cinco orangotangos de Sumatra e cinco orangotangos de Bornéu, que também foram sequenciados, embora em menor detalhe, assim como as diferenças com os genomas humano e do chimpanzé.

Os cientistas encontraram uma semelhança de 97% entre o genoma humano e o do orangotango, uma diferença na posição de 120 milhões de moléculas. Recorde-se que a diferença entre o nosso genoma e o do chimpanzé é de apenas 1% (cerca de 40 milhões de bases).


Mas o genoma agora sequenciado apresenta várias surpresas para os geneticistas. O genoma do Orangotango sofreu muito menos variações do que o dos humanos e dos chimpanzés desde que os nossos antepassados comuns divergiram. O género do orangotango originou-se há cerca de 12 a 16 milhões de anos, enquanto que as linhagens que nos deram origem e aos chimpanzés se separaram entre 5 a 6 milhões de anos atrás. Os estudos comparados mostram agora que quer o nosso genoma quer o do chimpanzé ganha ou perde genes a uma taxa dupla daquela que afecta o genoma do orangotango.

O estudo agora publicado redefine também o momento de separação entre as duas espécies de orangotangos ainda existentes. Estudos anteriores apontavam para que as duas espécies se tinham originado há cerca de um milhão de anos. Esta distância foi agora encurtada para 400 mil anos pelo presente estudo.

Curiosamente, num outro artigo publicado no dia seguinte, mas on-line, na revista Genome Research, Mikkel Schierup e Thomas Mailund da Universidade Dinamarquesa de Aarhus (também co-autores do artigo na Nature), comparam a estrutura dos genomas dos três primatas e mostram que apesar de mais distanciados, 0,5% do nosso genoma e do orangotango são muito mais semelhantes entre si do que com o do chimpanzé, nosso primata evolutivamente mais próximo de nós. Isto significa que mantivemos genes comuns ao orangotango que foram suprimidos na evolução do chimpanzé. Muito estudo funcional e proteómico terão ainda de ser feito para descodificar estas semelhanças e diferenças.

As expectativas aumentam sobre o que é que nos trará a sequenciação em curso de mais dois primatas: o gorila (género Gorilla) e o bonobo (Pan paniscus).

De volta ao orangotango, é curiosa a singularidade do genoma desta espécie em vias de extinção ter sido acabado de sequenciar em 2010 (o manuscrito foi submetido a 11 de Março de 2010 e aceite em 19 de Novembro para publicação), ano internacionalmente dedicado à Biodiversidade, e publicado agora no início do Ano Internacional da Floresta. É que o nome orangotango resulta da junção de duas palavras da língua malaia que significam “pessoa da floresta”.

Felizmente o estudo agora publicado mostra uma grande variabilidade genética entre as populações de orangotangos, o que significa uma maior capacidade adaptação a mudanças ambientais o que por si só é um bom indicador para a sobrevivência destas espécies ameaçadas.

António Piedade

5 comentários:

Fernando Martins disse...

Quando lhes chama Pongo pygmaeus abelii e Pongo pygmaeus pygmaeus deve dizer subespécies e não espécies.

Não tenho a certeza do estatuto dos dois grupos de orangotangos (se são espécies ou subespécies) mas no Blog têm gente que pode corrigir este texto...

António Piedade disse...

Caro Fernando Martins
Obrigado pela leitura atenta e crítica rigorosa que tanto prezo. Voltei a ler o artigo publicado na Nature e verifiquei neste sítio: http://www.bucknell.edu/msw3/browse.asp?id=12100803

De facto as duas espécies existem e a elas me quero referir: P. abelii e P. pygmaeus (não estou a conseguir colocar em itálico!).

Cumprimentos

António Piedade

Fernando Martins disse...

Caro Senhor:

Eu que agradeço - só me atrevi a dizer o que disse porque este Blog é usado por professores e alunos e poderia gerar dúvidas no caso que referi. De resto só tenho que vos dar os parabéns...

Anónimo disse...

"Não tenho a certeza do estatuto dos dois grupos de orangotangos (se são espécies ou subespécies) mas no Blog têm gente que pode corrigir este texto."

Alguém me incida um critério objectivo (no sentido de algorítmico) que dados dois genomas indica que os dois pertencem à mesma espécie?

Obrigado.

Paulo Gama Mota disse...

Os critérios de definição de espécie não são fáceis e há vários. Refiro-me apenas a espécies existentes e não a paleo-espécies.
No caso de populações sem sobreposição de distribuição em que não se pode medir se há hibridização, pode usar-se o genoma. Mas nunca o genoma de dois indivíduos, ou dois genomas típicos - a menos que haja uma divergência muito grande. O que se faz é comparar muitos genes que têm variação em ambas ou só numa das presumíveis espécies e verificar se a distribuição populacional dessas variantes (polimorfismos) tem uma grande ou uma pequena sobreposição. Se a sobreposição é pequena, então quer dizer que há uma divergência que pode ser medida em tempo evolutivo, assumindo um modelo de mutações aleatórias e deriva genética - sem selecção. O processo é mais fácil se uma das populações passou por um gargalo de garrafa evolutivo que reduziu muito a variação genética nessa 'espécie' mas não na outra. A evolução e divergência é também tanto mais rápida quanto menor o efectivo populacional.

Não há pois um algoritmo simples, mas uma série de critérios que se podem aplicar para sustentar uma divergência evolutiva suficiente para considerar serem duas espécies distintas.

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