sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O NAVEGADOR DA PASSAGEM


Foi hoje lançado no padrão dos Descobrimentos, em Belém, Lisboa, o último livro de Deana Barroqueiro a romancista portuguesa que tinha ganho o Prémio "Máxima" de Literatura (Prémio Especial do Júri) com a obra "D. Sebastião e o Vidente". O novo livro, com o título "O Navegador da Passagem" saído também na Porto Editora, embora romanceado, baseia-se no que se conhece da vida de Bartolomeu Dias (c. 1450-1500), o navegador que pela primeira vez dobrou o Cabo das Tormentas, rebaptizado em Cabo da Boa Esperança, no extremo Sul de África. Bartolomeu Dias não é tão conhecido como Vasco da Gama ou Pedro Álvares Cabral. No entanto, ele, além da viagem que o tornou célebre ao dobrar aquele cabo em 1488, participou na viagem de Gama à Índia em 1497 e na viagem de Cabral também à Índia em 1500, que, no caminho, encontrou o Brasil. Aliás, foi nesta última viagem, já depois de descoberto o Brasil, que Bartolomeu Dias pereceu no naufrágio da sua nau, não muito longe da "passagem" que ele tinha descoberto. Há até quem especule que a nau portuguesa recentemente descoberta na Namíbia seja o navio de Dias...

Apesar das referências poéticas de Luís de Camões e de Fernando Pessoa, respectivamente no episódio do "Adamastor" em "Os Lusíadas" e no "Mostrengo" da "Mensagem", o "navegador da passagem" não é bem conhecido. Pertenço à geração de portugueses a quem na infância ensinaram os versos de Afonso Lopes Vieira que contavam a vida de Bartolomeu e do qual decorei esta passagem:
"Que era de antes o Mar? Um quarto escuro
onde os meninos tinham medo de ir...
Agora o mar é livre e seguro
- e foi um Português que o foi abrir"
.
Pois a vida de Bartolomeu é, ela própria, um "quarto escuro"... (A propósito, soube só há pouco que Fernando Pessoa, no seu texto "Naufrágio de Bartolomeu", atira-se com sanha a estes versos de Lopes Vieira: "O sr. Lopes Vieira é um criminoso.(...) Está estragando, com o seu gato-por-lebre de simplicidade, o rudimentar senso estético de crianças, que, mesmo que sejam só duas, são classificáveis de inúmeras, ante o horror do crime.")

Mas Deana Barroqueiro não teve medo do "quarto escuro". Investigou a fundo a biografia de Bartolomeu Dias para sobre ela poder romancear. Por exemplo, ela reparou, baseado nos relatos de bordo, que a armada de Pedro Álvares Cabral avistou, no Atlântico Sul, um cometa, que aliás está referenciado nos registos de efemérides astronómicas. E, seguindo as lendas que corriam nesse tempo, a escritora atribui ao cometa o prenúncio de uma desgraça, neste caso o naufrágio de Bartolomeu.

Vejamos o terceiro parágrafo do romance histórico (com prefácio de Marçal Grilo) que conta como Bartolomeu vê o cometa:
"Não precisa sequer de volver a cabeça para o ver, pois a pequena vigia do camarote até parece um olho arregalado de susto mirando o cometa que há sete dias e sete noites rasga os céus, apontando como um dedo premonitório em direcção ao Cabo da Boa Esperança, Quando, com os balanços de ondas, a bola de fogo branco desaparece da sua vista, consegue distinguir entre a imensidão do mar e do céu a linha do horizonte que a luz brilhante, acentuando-lhe os contornos, torna perfeitamente visível".
O cometa havia de ser visto durante mais três dias e três noites. O que vai acontecer depois? O que aconteceu antes? É uma história de mistério e paixão que não vou aqui contar não apenas para não roubar o prazer da leitura mas por uma razão bem mais prosaica: é que não a sei. A minha leitura só vai no início do livro. Mas a história, que está bem escrita, promete...

3 comentários:

Carlos Medina Ribeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Medina Ribeiro disse...

O livro é bastante interessante e já vou adiantado na sua leitura.

Lamento apenas, até agora, um erro que podia ter sido evitado:

É na NOTA da pág.32, em que se diz que a capacidade de um tonel era de 40 pés cúbicos, correspondentes a 13 metros cúbicos.

A autora deve ter pensado que, se 40 pés correspondem a 13 metros (o que é verdade), então 40 pés cúbicos são 13 metros cúbicos.

(Na realidade, correspondem a cerca de 1,4 m^3).

De Rerum Natura disse...

Comentário recebido da autora do livro, Deana Barroqueiro:

Estas são as piores agruras que sofro, enquanto escritora de romance histórico: os possíveis erros científicos nas minhas obras. Talvez por ser excessivamente ambiciosa ou sedenta de conhecer tudo o que é possível saber sobre a vida de há mais de quinhentos anos, para dar aos meus leitores o retrato mais vivo e próximo dessa realidade que nos chegou muito mutilada. Por isso leio tudo, investigo tudo, vou até onde posso (e não desisto facilmente), mas as minhas obras tocam inúmeros assuntos e entram por muitos ramos do saber que ultrapassam de longe a minha formação em Línguas e Literaturas, por isso muitas vezes me socorro de um painel de cientistas amigos, ou me limito a transcrever notas explicativas dos termos que já não se usam ou mudaram de sentido.
Uma das maiores dificuldades recai sobre as unidades de medida, sejam elas de distância, de capacidade ou outras. Da distância medida em tiros de funda, pedra, de virotão, seta, lança ou bombarda; ao tonel que pode equivaler a 2 pipas portuguesas ou a quatro de Bordéus; ao moio que corresponde a 30 almudes, a 60 alqueires, a 360 canadas; à milha marítima que é diferente da terrestre, ambas com valores diferentes dos actuais; ou quando tanto falam na mesma viagem em milhas como em léguas e, dão invariavelmente valores diferentes para a mesma medição; agravado ainda pelos contributos dos nossos contemporâneos que também divergem.
Neste caso, a minha nota referia 1,3 metros cúbicos, mas ao passar-se este número para a grafia por extenso, perdeu a vírgula e transformou-se no erro dos treze metros cúbicos; porque parece que a medida não é bem essa que indica Carlos Medina Ribeiro ou antes, é uma das muitas correspondências que aparecem, basta fazer uma breve busca no google, e varia ainda conforme as nacionalidades, mas há um valor médio de 1,3.
Mas, 13 metros cúbicos é que não são de certeza e desde já peço desculpa aos meus leitores, desejando ardentemente que não haja muitos mais erros na obra.
Queria ainda expressar a minha gratidão ao Professor Carlos Fiolhais pelo divertido e interessantíssimo texto com que honrou o meu Navegador da Passagem. Bem haja!

Deana Barroqueiro"

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