terça-feira, 15 de julho de 2008

Do Caos à Ordem dos Professores

Novo post convidado de Rui Baptista, o nosso colaborador habitual para as questões do ensino:

“As ideias, em Portugal, são meros instrumentos
de paixões sectárias” (António Sérgio)

A necessidade da criação de uma Ordem dos Professores era, até há pouco, apenas sussurrada entre uns tantos elementos da classe docente. Nos dias de hoje, em que os professores passaram a ter audição na Internet avolumam-se os comentários favoráveis à respectiva criação.

A própria Fenprof não pode deixar de se debruçar, ainda que um tanto pela rama e penso que forçada pelas circunstâncias, sobre esta tema: “A questão da criação de uma ordem dos professores surge ciclicamente, normalmente quando a profissão e os professores atravessam momentos cruciais e de dificuldades acrescidas. Historicamente assistiu-se à criação do movimento Pró-Ordem, hoje reduzido a um pequeno sindicato e, mais recentemente, a Associação Nacional dos Professores (ANP), também de reduzida dimensões, retomou essa ideia” (20.Junho.2008).

A história deve ser feita de factos e não de omissões. Ao contrário do que faz a Fenprof, justifica-se que sejam destacadas todas as acções desenvolvidas na criação de uma Ordem dos Professores. Em particular, carece de ser devidamente registada a saga do Sindicado Nacional dos Professores Licenciados (SNPL) no propósito da criação da Ordem dos Professores de que me tornei o rosto vísivel, através de dezenas de artigos de opinião em jornais e publicados posteriormente sob a forma de livro com o título deste post: Do Caos à Ordem dos Professores, edição do SNPL, 2004. Mas, propositadamente ou não, a Fenprof omitiu a persistente acção desenvolvida pelo SNPL (estranhamente, seu “compagnon de route” na Plataforma Sindical) em prol da criação da Ordem. Esta questão, que só a ambos diz respeito (demiti-me, em 14 de Abril deste ano, do cargo no SNPL que exerci desde 1992), merece, porém, uma brevíssima sinopse, para memória futura, de algumas das acções desenvolvidas neste contexto:

  1. Em 17 de Julho de 92, promoveu o SNPL uma conferência de imprensa sobre a criação de uma Ordem dos Professores.
  2. Em 20 de Junho de 96, foi entregue pelo SNPL, na Assembleia da República (AR), uma Proposta de Estatutos da Ordem dos Professores.
  3. Em 25 de Fevereiro de 2004, apresentou o SNPL na AR, uma petição para a criação da Ordem dos Professores com 7857 assinaturas.
  4. Finalmente, em 2 de Dezembro de 2005, foi debatida na AR essa petição que não foi aprovada.

Para esta decisão, a razão apresentada pelo deputado do Partido Socialista João Bernardo, seu relator e, simultaneamente, vice-secretário de um organismo sindical (Sindep), foi a de estar na forja uma lei-quadro que passaria a regular a competência das futuras ordens profissionais. Esta lei-quadro viria a conhecer a luz do dia com a publicação Lei 6/2008, de 13 de Fevereiro, sendo no respectivo articulado, retirada às futuras ordens profissionais a possibilidade de controlarem o acesso à profissão, com o pretexto de ser tida como única exigência o reconhecimento oficial dos cursos de licenciatura. Todavia, passando, por outro lado, a competir ao Ministério da Educação o exame de acesso à profissão docente é caso para dizer que “não bate a bota com a perdigota”.

Define o n.º 2 do artigo 2.º da lei em apreço que “a constituição de associações públicas profissionais é excepcional e visa a satisfação de necessidades específicas podendo apenas ter lugar em casos em que a regulação profissional envolver um interesse público de especial relevo que o Estado não deve prosseguir por si próprio”. Daqui emergem duas perguntas: Envolvendo a profissão docente um interesse público de relevo, será de aceitar, como tem sucedido em alguns casos, que a formação dos professores continue a ser havida como tenda de feirante de vestuário de contrafacção? Não deverão os professores ter a legitimidade de se constituírem numa associação de direito público com voz activa e qualificada nas decisões a tomar no âmbito da política educativa nacional que implique a defesa de interesses colectivos da profissão, excepto em matéria sindical? Aliás, este princípio encontra-se salvaguardado pelo artigo 267 da Constituição Portuguesa que impede às associações públicas o exercício de funções próprias de acções sindicais.

Com resultados que posicionam Portugal em lugares desastrosos no sucesso educativo no quadro da União Europeia, a criação de uma Ordem dos Professores está longe de ser uma questão de lana caprina. Nem o mais optimista dos optimistas poderá dizer que o sistema educativo se recomenda e está de boa saúde apesar de um tossicar cavernoso, um estado febril, uma astenia que nada de bom prenunciam.

Ora, a prossecução de medidas terapêuticas, que não se compadecem com uma simples aspirina para diminuir temporariamente uma sintomatologia dolorosa, deixando que a doença progrida até um estado comatoso, passa por uma Ordem com poderes de autoridade pública para que a “profissão de professor” deixe de ser um mero exercício profissional em procura desesperada de identidade e titulação próprias. Este statu quo pressupõe a defesa, em tribuna própria, dos interesses da educação e a salvaguarda do prestígio de um estrato profissional que Fernando Savater, catedrático de Ética da Universidade do País Basco, considera como “a corporação mais necessária, mais esforçada e generosa, mais civilizadora de quantos trabalham para satisfazer as exigências de um Estado democrático”.

Em princípio doutrinário arrevesado, que faz letra morta das competências lato sensu das ordens profissionais, surge, ainda, a Fenprof a defender que “o campo de intervenção de uma ordem restringe-se ao plano das questões éticas e deontológicas que não são, para já, questões centrais das preocupações dos professores”. E, para fundamentar aquilo que julga (mas não é) um arrabalde das preocupações dos professores, logo, acrescenta: ”Os Sindicatos dos Professores têm sido e continuarão a ser espaços de análise e discussão das questões da Ética e Deontologia da profissão”. Ou seja, transcendendo fronteiras próprias, delimitadas por questões de carreira, salariais e horários de trabalho, a Fenprof confessa publicamente uma usurpação de poderes bem denunciada por Eugénio Lisboa: “Para tudo isto os sindicatos têm dado uma mãozinha, não raro intervindo, com desenvoltura, em áreas que não são, nem da sua vocação nem da sua competência” (Jornal de Letras, n.º 964, 2007).

A exemplo das ordens profissionais de médicos, advogados e engenheiros, por exemplo, só através de idêntica medida serão os professores capazes de se auto-regularem rejeitando, desta forma, a submissão a uma asfixiante tutela estatal que parece querer perpetuar na docência coetânea a canga dos antigos escravos gregos ao serviço da ilustração dos filhos dos senhores de Roma.

8 comentários:

G. Mbeki disse...

Quando se diz "Este statu quo pressupõe a defesa, em tribuna própria, dos interesses da educação" está-se a pensar, por exemplo, no questionável contributo da Ordem dos Médicos para o bom funcionamento do SNS?
Não iria a tal Ordem dos Professores fazer o mesmo pelo ensino que foi feito no SNS?

Unknown disse...

Mas que sentido faz a ordem, quando os professores são trabalhadores por conta de outrém? As oredns tenderam a fazer a regulação interpares, quando não havia uma " patrão que ditasse as normas. Os casos mais conhecidos são os médicos e os advogados. Mesmo estes profissionais, hoje em dia, sendo muitas vezes trabalhadores por conta de outrém. têm que submeter-se ás normas imposta pelo "patrão", pouco valendo as opiniões das ordens. E menos valem quando o "patrão" não é da mesma profissão, e não se encontra submetido a esses ditames.
Para que serviria a ordem para os professores? Para nada.

Rui Baptista disse...

Tenho sempre defendido que os comentários são um contributo valioso para um discussão ampla dos temas abordados nos post's.

Sabia de antemão, ser este um tema polémico não merecedor de uma discussão de bastidores, exigindo, como tal, os holofotes da opinião dos professores. Aguardo novos e desejáveis comentários "Prós & Contras" para, a partir deles, não deixar nenhum de abordar todas as questões ou dúvidas que me sejam postas.

Sei que é difícil navegar em ondas alterosas de interesses subjacentes à não criação de uma Ordem dos Professores. Mas, desde já, agradeço os 2 comentários acima.

Rui Baptista disse...

Na 2.ª linha do 2.º § do meu comentário, onde escrevi "não deixar nenhum de abordar", emendo para "não deixar de abordar".

Fernando Martins disse...

Como professor não posso deixar de concordar consigo - a falta que faz um Ordem na desordem que é a confusão de Sindicatos e a ainda maior confusão que é o Ministério da Educação...

jak.ohmygod!! disse...

A Ordem era para ontem.

António disse...

O sindicalismo no mundo actual perde influência a cada dia. Sabemos que, entre nós, apenas os sindicatos da função pública têm alguma capacidade de mobilização mas em cada luta que entram saem mais fracos. Inevitavelmente o ensino privado vai-se desenvolver e os sindicatos dos professores vão ter um destino mais ou menos parecido com o dos bancários (sobrevivem apenas por que têm funções de assistência médica).
Quanto ás ordens profissionais o futuro não parece brilhante. De todas as ordens conhecidas a mais activa é a dos advogados. Mas, a ordem dos advogados não tem contribuído nem para a melhoria nem para o seu acesso à justiça (veja-se se o aumento do número de advogados tem implicado a redução do preço dos seus serviços, veja-se ainda o que acontece em termos de fiscalidade da actividade da advocacia). É urgente que nos interroguemos acerca da utilidade das ordens, se num mercado aberto, o acesso às profissões e sua regulação não deve ser feito por uma entidade independente dos profissionais já instalados.
Assim os professores com sindicatos ou ordens vão ter um futuro mais ou menos semelhante ao que acontece com a generalidade dos outros trabalhadores dependentes, isto é incerto e precário e salários de acordo com o desempenho demonstrado. Mas este fenómeno não é exclusivo do nosso país atinge praticamente toda a gente.
Curiosamente os professores têm uma visão corporativa da organização social aliás aqui neste blog acerrimamente defendida por quase todos. Mas é uma visão que todos sabemos está irremediavelmente ultrapassada e tentar perpetuar o passado é uma luta condenada ao insucesso. Não é só a ministra e o ministério que terão de rever algumas políticas, os professores quer queiram ou não vão ter reflectir a sua profissão e tornarem-se, como se costuma dizer, pró-activos.
Claro que os maus exemplos na nossa sociedade começam nos próprios órgãos de soberania os nossos juízes tem dois ou três sindicatos para defender os seus interesses corporativos, portanto mudar estas coisas é uma tarefa muito complicada, mas ou nos adaptamos à realidade que nos cerca ou acabamos por ser engolidos.

Rui Baptista disse...

Aos comentadores deste meu post: Pelo interesse em mim despertado pelos vossos comentários, entendi serem eles merecedores de uma resposta mais alargada. Acabo de o fazer, através da publicação, na madrugada de hoje, de um texto desenvolvido e documentado (espero eu) sobre este mesmo tema: "A (des)Ordem dos Professores". Gostaria de ver novos comentáros vossos sobre a criação de uma Ordem dos Professores. Com um abraço antecipadamente grato.

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