domingo, 15 de outubro de 2023

UMA NOTA QUE PODE AJUDAR A PENSAR A DIGNIDADE DA PROFISSÃO DOCENTE

Aos professores cabe desempenhar a “nobre e exigente tarefa de ensinar”. Esta declaração consta no Decreto-lei n.º 79/2014, de 14 de Maio, que aprova o regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário. Para tanto, afirma-se no normativo, é preciso "reforçar instrumentos que propiciem, a médio e longo prazo, ter nas nossas escolas os mais bem preparados, mais bem treinados, mais vocacionados e mais motivados para desenvolver" essa tarefa.

Passaram nove anos sem que os imprecisos "instrumentos" referidos na Lei tivessem sido (devidamente) accionados. A formação, nas circunstâncias em que é realizada, não tem conseguido concretizar as intenções previstas, o sistema não tem conseguido manter os (melhores) professores e, contra a própria lei, recruta quem não é profissional. As condições económicas e materiais são adversas sobretudo para os professores (ou alguém contratado como tal) deslocado. Tudo isto tem saído à rua, caído na rua, abrindo feridas cada vez mais profundas na dignidade docente. 

Posições sindicais e relações entre sindicatos, manifestações e slogans vazios, declarações atabalhoadas de políticos mas também de professores, opiniões aos milhares na comunicação social sobretudo de quem nunca se dedicou a estudar o que seria preciso para opinar, têm mostrado faces pouco edificantes das entidades envolvidas, contribuído para o desprestígio de uma profissão que tem de ser referência em qualquer sociedade.

Em particular, acampamentos, greves de fome e, mais recentemente, uso de carro para dormir são iniciativas que não duvido decorrerem de uma atitude genuína e generosa por parte dos professores que as tomam, mas também não duvido que, apesar de serem, no imediato, muito apelativas para jornais, televisões e redes que lhe imprimem os ingredientes para fazer as pessoas olhar e comentar, não sobreviverão ao imediato. 

Sobreviverá, isso sim, a imagem, progressivamente construída, do professor desprofissionalizado e precarizado. Numa sociedade em que as pessoas são avaliadas positivamente pelo sucesso económico que ostentam, temo que os professores, os que o são realmente, demorem mais do que podemos supor a reerguer a sua condição.

Lamento dizê-lo, mas o gesto do Presidente da República para com um professor, divulgado ontem pela Agência Lusa e replicado na comunicação social (ver a colagem acima) não contribuiu para isso, mas para consolidar a imagem que referi. Até porque se trata do mais alto representante de um país.

1 comentário:

Anónimo disse...

Sei que estou a ser politicamente incorreto, mas a equiparação dos professores do liceu a professores primários e educadores de infância foi a primeira machadada dada no prestígio dos antigos "doutores", da monarquia e das repúblicas, que davam aulas no ensino secundário. Após esse primeiro revés, a situação socioeconómica dos professores licenciados por Universidades continuou a degradar-se aceleradamente, até que a troika nos aplicou o golpe de misericórdia ao concluir que gastávamos dinheiro a rodos com os vencimentos dos professores, que tiveram de ser cortados, por todas as maneiras e feitios, para sempre. Também verificaram que tínhamos freguesias a mais e nós também concordámos e diminuímos drasticamente o seu número.
Agora, sem dinheiro, sem autonomia científica e pedagógica, proibidos de ensinar pelas diretivas decorrentes das aprendizagens essenciais e do perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória, e com a indisciplina e violência que se vivem quotidianamente em "contexto de sala de aula", onde está o prestígio social dos professores?!
Esta pequena esmola do Senhor Presidente da República é humilhante!

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