No último volume do seu admirável DIÁRIO, Miguel Torga lembra-nos o que, no APOCALIPSE, Deus diz dos mornos. Torga nunca foi num morno: teve sempre arestas e não evitou as confrontações. Deus (que não existe) jamais o vomitará. Mas os estrategas da glória, sempre a pensarem em Academias e praias sossegadas, sempre com medo de se queimarem, esses serão por certo vomitados e o vómito não será nem bonito nem bem cheiroso.
Quem crê diz que Deus vomita os mornos,
os que estão bem com toda a gente
e que, não tendo arestas nos contornos,
bem se anicham entre frio e quente.
Ser morno é não arriscar tomates,
é não pisar nunca linha vermelha.
É que ser morno é ser tatibitates
e é, em vez de vinho, beber groselha.
Receita: quem tem medo compra um cão
ou, na falta de cão, arranja um gato.
Pró pobre morno, qualquer emoção
perturba-lhe muito um viver pacato.
O aquecimento entre quente e frio
não dá ao morno arrepio de cio!
Eugénio Lisboa
1 comentário:
Há momentos, depois de ler um texto alusivo ao existencialismo e a Sören Kierkegaard, revisitei este seu poema para colocar as questões, que seguem, e que também colocaria ao célebre filósofo, aliás, tão difícil de entender.
E se a única certeza que temos é que existimos?
Que tudo o mais que pensamos, que descrevemos, que dizemos, que conjeturamos, é absurdo, seja cristianismo, seja ateísmo, seja o que for?
E, se a temos, qual é, então, a nossa fé?
Que, qual, como, deve ser a nossa fé?
Enfrentar as incertezas do mundo?
A receita é empenhar-se apaixonadamente num modo de vida?
Qual receita? Qual modo de vida?
Apaixonadamente?
Ou empenhar-se?
Enviar um comentário