quarta-feira, 17 de agosto de 2022

O que significa efectivamente "olhar para o percurso formativo dos candidatos"

Por Maria Helena Damião e Cátia Delgado

O Ministro da Educação deu hoje uma entrevista à Rádio Observador (ouvir aqui). Na primeira parte, explicou que a alteração da habilitação para "dar aulas”, a habilitação própria, é diferente da habilitação para "ser professor“, a habilitação profissional.

Ora, vejamos: a alguém contratado (ao nível de escola) com habilitação própria, não será exigido que só "dê aulas", ser-lhe-á exigido que seja professor.

Mas se nos concentrarmos só nas aulas, espera-se que esse alguém, que assumirá a tarefa de ensinar (diferente de "dar aulas"), seja capaz de planificar, leccionar e avaliar, acompanhando sempre a aprendizagem... Esta tarefa, pelos conhecimentos e escolhas que requer, não é para qualquer um. 

A menos que se leve à letra a expressão "dar aulas" (de maneira que os alunos não fiquem sem elas, como justifica a tutela) e se recorra ao que se chama "currículo-à-prova-de-professor", disponível em múltiplas plataformas, de fácil acesso.

Após esta nota, vamos ao foco do presente texto, que é o seguinte: conseguimos perceber, agora, o que o Ministro da Educação havia antes dito, sem ter explicado devidamente, o que levantou dúvidas em muitos. Disse ele (ou a imprensa assim reproduziu): "Olha-se para o percurso formativo dos candidatos" (ver aqui).

Na mencionada entrevista, refere que a habilitação de acesso à profissão docente é e vai continuar a ser o Mestrado em Ensino. Contudo, dada a falta de professores no sistema, passa, com a nova legislação, em concurso a nível de oferta escola, a poder contratar-se licenciados pré e pós-Bolonha.

Como o leque de licenciaturas pós-Bolonha (licenciaturas cuja duração é de 3 anos, enquanto o das licenciaturas pré-Bolonha é de 4 ou 5 anos) é mais amplo, procede-se do seguinte modo: em vez de se ter em conta ["apenas", presumimos] a designação dos cursos, atende-se ao conjunto de disciplinas que os candidatos concretizaram relacionadas com a área científica em causa

“... em vez de fazermos uma lista em função da designação dos cursos, o que vamos ver é se, em número de créditos nas diferentes áreas científicas, têm créditos que habilitam ou que conferem uma habilitação científica sólida para se poder leccionar”. 

Notou que, além de licenciados, podem concorrer mestres e doutores detentores de disciplinas/unidades curriculares na área científica a que se propõem. Continua a bastar “uma formação sólida e científica”.

Notou também que há necessidades do sistema que requerem professores profissionalizados e necessidades temporárias a que se dará resposta recorrendo a quem tenha habilitação própria (agora mais alargada). Isso tem-se feito e vai continuar a fazer-se. 

Informou que o Ministério está a rever o modelo de formação inicial de professores, para alargar o número de Mestrados em Ensino e robustecer a Profissionalização em Serviço. Esta última via permitirá que quem esteja a dar aulas com habilitação própria possa fazer a profissionalização. Dela pode também beneficiar quem já deu aulas e pretende voltar ao sistema.

2 comentários:

Anónimo disse...

“... em vez de fazermos uma lista em função da designação dos cursos, o que vamos ver é se, em número de créditos nas diferentes áreas científicas, têm créditos que habilitam ou que conferem uma habilitação científica sólida para se poder leccionar”.

O senhor ministro acredita mesmo que para lecionar "Aprendizagens Essenciais", esses pequenos retalhos desconexos que restaram dos "Objetivos Mínimos", quando estes passaram a ser Médios ou Máximos, é necessário possuir uma habilitação científica sólida?!
Então, como explica que as ordens emanadas dos serviços centrais do seu ministério têm sido no sentido de reduzir cada vez mais a componente de matemática que faz parte das aprendizagens essenciais da disciplina de física e química?
Para si, a matemática não é uma ciência sólida?

Helena Damião disse...

A questão que o Leitor aponta é uma das várias, de grande relevo, que me leva a defender uma profissionalização docente de excelência. Um professor bem formado terá consciência da desvalorização do conhecimento escolar, compreenderá as razão disso e alguma coisa fará para o valorizar. Mesmo que tenha "ir contra, contra a corrente dominante", como diz Victoria Camps, num belíssimo livro de 2008, que tem por título "Creer en la educación". Uma pessoa com uma licenciatura de três anos, apanhada na teia confusa, caótica... que é o sistema educativo entenderá o quê do quê?!
Cumprimentos, MHDamião

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