terça-feira, 16 de agosto de 2022

LINHA VERMELHA? POR CERTO FOI UM LAMENTÁVEL ENGANO CROMÁTICO DO SENHOR MINISTRO

Em finais de Maio deste ano dizia o Ministro da Educação, em entrevista às jornalistas Isabel Leira e Joana Pereira Basto, publicada no semanário Expresso:
Perante a falta de professores, foi preciso recorrer à contratação de pessoas sem formação pedagógica nem experiência. Faz ideia de quantos estão a dar aulas nessas circunstâncias?
São casos pontuais. 
Já disse que vai ser preciso rever as habilitações para se poder dar aulas. Os requisitos vão ser menos exigentes? Não. A habilitação para se ser professor é o mestrado e continuará a ser. Isto para mim é uma linha vermelha. A ideia não é baixar os critérios na qualidade científica e pedagógica dos professores, mas alargar as condições de acesso. 
Compare-se o que destaquei acima (com sublinhados e em amarelo) com a medida política agora tomada para contratação de professores ao nível de escola (ver aqui). 

É certo que, aqui, o Senhor Ministro não especifica a habilitação, mas uma coisa é certa: no ano lectivo que começa em Setembro, quem tiver uma licenciatura pós Reforma de Bolonha e sem preparação pedagógica pode ser contratado como professor. 

6 comentários:

Miguel disse...

Nada de novo. Ao longo destes anos todos, qualquer pessoa com licenciatura, sem formação pedagógica podia ser contratada como professor, ao abrigo das habilitações próprias, não havendo docentes profissionalizados. Nos horários para substituições isso era quase a regra. Em certos grupos e zonas geográficas também. Portanto não há nada de novo aqui a não ser o aumento do número de casos, que passam de pontuais a serem mais regulares, porque não há professores profissionalizados suficientes, nem nunca vão haver com o sistema que exige "mestrado em ensino de". Isso é que as cabecinhas pensadoras nunca anteviram em 2006. PAra já, para certos grupos de recrutamento (como o 610 ou o M31) nem nunca houve esses mestrados, pelo que não era possível sequer formar professores profissionalizados. Qualquer país decente a formação científica de base é que conta. E as pedagógicas são um acrescento em cima disso, a universidade aberta já faz essas coisas há anos, era só questão de universalizar isso. As pessoas que tenham várias licenciaturas poderiam ser professoras de muitas disciplinas diferentes, bastando ter o tal ano pedagógico. É o modelo mais sensato se queremos ter professores. A alternativa é o que já existe: o deserto. A falta de professores "oficiais" ao mesmo tempo que temos imensos licenciados e mestres e mesmo doutores com conhecimento científico, mas desempregados ou em áreas nada a ver. Portanto é preciso mesmo aproveitar essas pessoas para o ensino ou isto não tem solução, nem nunca vai ter, porque é um problema estrutural de base, e não tem só a ver com salários ou condições (e isso seria outra discussão). É mesmo a estrutura aberrante da qualificação. Quem no seu perfeito juízo quer ir tirar um "mestrado em ensino de..." e limitar e truncar logo as suas hipóteses futuras a uma carreira só, num grupo só? Isso é que não cabe na cabeça de ninguém.

Anónimo disse...

Estas distinções entre habilitações próprias, habilitações suficientes, professores do quadro, professores contratados, etc, etc, vêm do tempo em que o rigor, a justiça e a exigência eram pedras angulares na construção do sistema de ensino em Portugal. Nesses tempos, não era tudo igual ao litro: havia professores do liceu, professores primários e educadores de infância. Com a idade, ou pela exigência do ciclo lecionado, os professores do liceu adquiriam o direito de usufruírem de reduções de horas de trabalho, dada a dificuldade de preparação das aulas de certas matérias (do 10.º, 11.º e 12.º anos, por exemplo) que lecionavam. Ora, hoje em dia, tudo é diferente e muito mais fácil. As ditas reduções, como já não fazem sentido, pelas razão que indiquei, foram alargadas aos horários dos professores primários e educadores de infância, por razões de igualdade de tratamento entre colegas da mesma carreira profissional. Admitindo que me excedi um pouco noutro comentário que fiz neste blogue, insisto num ponto que não oferece dúvidas:
Enquanto a base do ensino básico e secundário forem as aprendizagens essenciais, para termos bons e excelentes professores, as habilitações adquiridas à saída da escolaridade obrigatória, em cada uma das disciplinas, chegam e sobram. Se um dia voltarmos a levar o ensino a sério, as habilitações próprias para lecionar ciências, por exemplo, terão de ser reservadas a pessoas que tenham frequentado e sido aprovadas em cursos científicos.

Helena Damião disse...

Prezados Leitores
Na verdade, há na medida em questão (que esperemos seja transitória, válida apenas por um ano lectivo) algo de novo:
1) as licenciaturas pré-Bolonha eram de 4 e 5 anos e as pós-Bolonha são de 3 anos. Logo, mesmo deixando de lado a questão da exigência académia, que terá mudado, não podemos deixar de reconhecer que o tempo de formação CIENTÍFICA do candidato a professor é menor.
2) para se ser professor não basta a formação científica. Ela tem de ser articulada com uma formação ESPECÍFICA para ensinar (que eu diria ser de ordem educativa, respeitante aos fundamentos do ensino, e pedagógica, respeitante aos métodos e técnicas de ensino).
3) a formação, nas suas dimensões CIENTÍFICA e ESPECÍFICA tem de contemplar uma dupla dimensão: TEÓRICA e PRÁTICA. Isto numa articulação entre instituições de ensino superior e escolas.
ORA, o que agora se permite é que alguém APENAS com uma licenciatura pós-Bolonha, de 3 anos, sem formação ESPECÍFICA para ensinar, sem qualquer demonstração PRÁTICA possa ensinar.
É CERTO que há a restrição de a medida se limitar a CONCURSO A NÍVEL DE ESCOLA, mas não deixa de se tratar de um precedente, no meu entender, preocupante. Se no próximo ano faltarem professores a medida mantêm-se? E nos seguintes?
Pensemos noutras profissões: direito, medicina, aviação... não havendo profissionais formados, estaríamos dispostos a permitir que licenciados, com 3 anos estudo, sem outros critérios, assumissem funções de grande responsabilidade?
NO CASO DO ENSINO, isso é aceite sem grande contestação, pois, no fundo, entende-se que qualquer pessoa pode ser... professor (?). Até porque, ouvimos a todos o momento, ser professor não é nada de mais, os alunos aprendem muito melhor sozinhos, têm múltiplos suportes digitais, etc... O professor está entre eles para gerir, inspirar... não exactamente para ensinar.
VOLTANDO À MEDIDA: a criação dos Mestrados em Ensino (e deixemos de lado a sua qualidade, que é outra questão, de resto, e quanto a mim, muito preocupante) foi acompanhada da ideia de que só em casos excepcionais, enquanto não existissem docentes profissionalizados, se contrariam licenciados (pré-Bolonha) com habilitação própria. Mas com a saída de professores do sistema e a dificuldade de entrada de novos, a contratação destes últimos foi, como diz um Leitor, passando a “quase a regra” sobretudo “em certos grupos e zonas geográficas”.
POR ÚLTIMO: sei bem que o problema não se restringe ao nosso país, que outros têm tomado medidas semelhantes e algumas ainda piores (por exemplo, compra de robots), e que se formou uma tal “The International Task Force on Teachers for Education” para apoiar os países na resolução do problema da falta de professores e da sua motivação/fixação, mas isso não nos deve descansar. É que estamos a falar de EDUCAÇÃO.
Cumprimentos,
MHDamião

Anónimo disse...

No essencial estamos de acordo, mas a questão da habilitação dos professores do ensino secundário, cuja carreira profissional também inclui os professores do ensino básico e os educadores de infância, exige uma análise que vá mais fundo do que as acertadas e pertinentes críticas às alterações legais, introduzidas por despacho do senhor ministro da educação.
Com a generalizada desvalorização do ensino, concomitante com o aviltamento dos graus académicos conferidos por universidades públicas e a degradação da escola pública, será que faz algum sentido defender uma formação universitária para professores que, em "contexto de sala de aula", serão constrangidos a lecionar matérias normalmente abordados por animadores sociais, caochers e tutores com formação em filosofia ubuntu?
Parece-me q

Helena Damião disse...

Prezado Leitor
É, de facto, um contra-senso, afirmar-se constantemente que estamos num "paradigma de aprendizagem", que o professor é um stakeholder, entre muitos, que o mais importante não é o conhecimento disciplinar, etc, etc, etc. e, ao mesmo tempo, considerar-se que os professores são fundamentais, que sem eles o mundo colapsa... Mas aqui não é isso que está em causa de modo directo; o que está em causa é o critério de entrada na profissão docente.
Não deveria ser possível "dar aulas", desempenhar funções docentes, enfim, ser professor, a quem não tem os requisitos que se consideram essenciais, fundamentais. Se houvesse falta de pilotos de aviação, aceitaríamos que alguém que teve apenas uma parte da formação conduzisse um avião com pessoas a bordo?
Percebo que a tutela esteja a braços com um problema complicado, mas cabe a quem é formador de professores e aos professores defender a qualificação profissional, antes de mais em prol da aprendizagem, dos miúdos que estão no sistema e que precisam de ser educados. Temos esta responsabilidade para com eles.
Só mais uma nota: um professor bem formado perceberá a diferença entre ser professor e ser animador, perceberá que a escola deve estar focada no conhecimento poderoso e no desenvolvimento da inteligência, perceberá que a sua tarefa é talvez, como Kant explicou, a mais difícil que foi confiada ao Homem.
Cumprimentos, MHDamião

Anónimo disse...

Cara Helena,

Não foi um ato inocente nomear para ministro da educação, do pobre país que é o nosso, o jovem Doutor João Costa, atendendo à extrema dificuldade e enorme responsabilidade que é procurar levar a bom porto uma barca tão pesada e que cada vez mete mais água.
Um tão alto cargo aconselharia a nomeação de uma personalidade da craveira de um José Hermano Saraiva ou de um Veiga Simão.
Assim, o conhecimento poderoso, como é a explicação da flutuação dos corpos (incluindo barcos pesados), do grande Arquimedes, vai continuar a ser desprezado dentro das escolas, correndo estas o risco de se afundarem e ficarem encalhadas.
Cumprimentos.