sábado, 20 de agosto de 2022

OS IDEÓLOGOMANÍACOS

Por Eugénio Lisboa

Um ideólogo maníaco é aquele que mete ideologia a martelo, mesmo nos textos mais inocentemente líricos.

Um maníaco ideólogo é aquele que, ao ler o imortal soneto de Camões – “Alma minha gentil que te partiste” – observa que Camões, sim, dedicou este poema à memória da amante chinesa que morreu afogada na foz do rio Mekong, mas logo acrescenta que o poeta preferiu salvar o manuscrito dos Lusíadas, a salvar a amante chinesa, por ser racista. 

Um maníaco ideólogo vai escarafunchar um soneto de amor de um poeta africano, notando, acintosamente, que o soneto é uma invenção de brancos e que o negro, ao escrever o dito soneto, por acaso, muito belo, se deixou colonizar pelo imperialista branco. Nada escapa ao olho de lince do ideólogo. (Não invento nada: isto já foi dito por um catedrático americano de estudos africanos de língua portuguesa).

Um maníaco ideólogo dirá, sem pestanejar, que o belíssimo poema de Reinaldo Ferreira – “Oh! Tarde de sábado britânica” – se refere a um Moçambique só de brancos, ignorando completamente os negros. 

Um ideólogo maníaco condenará o ROMEU E JULIETA, de Shakespeare, por referir-se apenas ao amor heterossexual, ignorando todas as outras variantes legítimas do amor. 

Um maníaco ideólogo descobrirá que Fernando Pessoa foi a Durban aprender a opressão imperialista do preto pelo branco, que o levou direitinho à infame MENSAGEM.

Um ideólogo maníaco dirá que Júlio Dinis escreveu as PUPILAS DO SENHOR REITOR, por estar apostado na perpetuação de uma sociedade ruralista retrógrada, impedindo assim o aparecimento de um operariado esclarecido e revolucionário.

Um maníaco ideólogo dirá que Antero, ao escrever os SONETOS, cheios de preocupações metafísicas e bizantinas, estava, no fundo, a trair o jovem Antero turbulento e progressista, das Conferências do Casino e das ODES MODERNAS, que eram má poesia, mas cheia de boa doutrina bem intencionada. E acrescentaria que, no fim de contas, Antero não passava de um aristocrata rico e decadente e que isso acabara por vir à tona, nas labirínticas e inúteis congeminações metafísicas que povoam os SONETOS. Se tivesse vivido, teria provavelmente aderido à Igreja Católica.

O maníaco da ideologia observará que toda a obra de Bocage deverá ser lida à luz do abjecto “Já Bocage não sou”, no qual se rende a tudo quanto era cobardemente conformista, incluindo a Santa Madre Igreja. O ideólogo maníaco não está nada interessado em verificar – nem é capaz! – se o soneto que lê é uma boa obra de arte, a falar de obsessões de todos os tempos. Ele está apenas preocupado em escarafunchá-lo, para ver se encontra, lá dentro, um verme reacionário que importa denunciar e espezinhar. 

Toda a nossa história literária é assim revisitada pelo ideólogo maníaco, que virá depois esclarecer-nos sobre os alçapões decadentes de falsos grandes escritores, indicando, com grande clareza, aqueles que podem ser abençoados e aqueles que devem ser queimados.

As ideologias fortes e assertivas sempre gostaram muito do fogo purificador e até chegaram a enterrar vivos os que se não conformavam.

Gente desta ainda anda por aí e é conhecida por ter sempre boa consciência, mesmo quando queima, tortura e mata. 

E são assim porque sabem que estão do lado certo da História. A Inquisição também estava e sabia que estava. Les beaux esprits… 

Eugénio Lisboa

7 comentários:

Ildefonso Dias disse...

"(...) um dos piores poetas que já existiram e que se chamou Agostinho Neto." [Eugénio Lisboa escreveu estas palavras sobre Agostinho Neto num post que aqui publicou]

Agostinho Neto, ao contrário do que nos diz Eugénio Lisboa, tem uma obra literária e poética de grande dimensão.

"(...) um dos primeiros poetas desse espaço a obter uma circulação nacional e internacional de grande dimensão (como o atestam as traduções da sua obra)" [citação retirada do Colóquio "Agostinho Neto e os Prémios Camões Africanos” realizado na Universidade do Porto e com o apoio da CPLP]

Eugénio Lisboa, não tendo sequer obra poética comparável, considera-se melhor poeta que Agostinho Neto. E nós não acreditamos nisso.

Eugénio Lisboa disse...

O Sr. Ildefonso Dias não percebe rigorosamente nada de poesia, não tem qualquer gosto pela poesia, não ama a poesia e serve-se da poesia como arma ideológica. Não há ninguém, que conheça poesia a sério, que leve a sério a "poesia" de Agostinho Neto. Poderia ter-se salvo como político e como ser humano, mas nem isso, por ter sido o monstruoso carniceiro dos seus adversários políticos, como está abundantemente provado. De cada vez que o Sr. ID fala, é, a cada cavadela, minhoca. O ter comentado desta maneira idiota o meu texto sobre os ideólogomaníacos, só mostra que enfiou a carapuça e não consegue desenfiá-la. Pode ter a certeza de que os seus enormes dislates, derivados de uma ignorância atrevida, serão um dia recolhidos numa saborosa antologia de asneiras ideológicas, para gáudio dos leitores. Na SAGRADA ESPERANÇA de Agostinho Neto, não há um verso que se aproveite. É uma das melhores ilustrações que conheço do célebre aforismo gideano: "É com boas intenções que se faz má literatura." Não vou defender a minha obra poética, comparando-a com uma coisa que, de poesia, não tem nem o cheiro. Mas sempre direi que considero um insulto pacóvio comparar um único dos meus sonetos com todo aquele charabiá empastelado que é a "obra" de Neto. Quando é que o Sr. ID aprende a falar daquilo que conhece e a não despender tolices sobre aquilo de que nada entende? E a ter um bocadinho de decente respeito pelo saber dos outros? Olhe, veja se encontra alguém que o ajude a desencarapuçar-se... E aprenda a redigir as suas próprias opiniões, em vez de se refugiar por detrás de pífias citações, sempre despropositadas. O Senhor, no fim de contas, nem cómico é. E o que escreve nem sequer está errado: situa-se aquém de qualquer avaliação que faça sentido. A ideologia exacerbada leva ao crime!.
Sem consideração nenhuma,
Eugénio Lisboa.

Ildefonso Dias disse...

O texto abaixo é retirado daqui: https://www.ueangola.com/entrevistas/item/762-por-vezes-o-agualusa-exagera-pires-laranjeira

S.A- Gostaria de ouvir a sua virtude de razão relativamente a questão trazida a discussão nos círculos literário e não, que tem que ver com classificação dos poetas medíocres, segundo o José Eduardo Agualusa, que opinião tem desta picardia?

P.L- Risos…O meu amigo também vai me desculpar que eu vou me escusar a fazer qualquer pronunciamento a esta questão, a única coisa que eu digo é o José Eduardo Agualusa, que eu acho que é um escritor criativo, honestamente com capacidade criativa, por vezes, num ou noutro livro é ligeiro, é demasiado ligeiro é a minha apreciação como critico e como leitor, antes de ser critico e de escrever, eu sou apreciador, riu muito e muitas vezes com as Istorias dele, acho que é um escritor com potencialidades, mas depois muitas vezes tem alguma verrina nalguma da sua literatura, e depois em entrevistas e muitas vezes em crónicas ao longo dos tempo que eu procuro acompanhar sempre e tenho até arquivos de crónicas, por vezes o Agualusa, exagera, quer dizer exagera, e neste aspecto eu acho que ele exagerou, não tem razão absolutamente nenhuma em nenhuma parte do mundo ele tem razão, o Agostinho Neto, é poeta Nacional Angolano, é o poeta da fundação de Angola, quando digo fundação é no sentido até poético, é o poeta que põe em poesia, digamos assim numa época crucial, nos anos 50, a épica do povo Angolano, as suas alienações os seus sofrimentos e projecta no futuro o que vai ser este povo, projecta a independência, para além destas questões temáticas, não é como muitas vezes se diz. Ah, o Agostinho Neto tem uma poesia, se a poesia fosse simples.


Há esta tentativa, é preciso dizer que a poesia dele não é simples, é uma poesia que tem trabalho da palavra muito afinado, é uma escrita angolana, o trabalho dele é importante, parecendo uma poesia de norma de Portugal não é tanto assim, é uma poesia de alguém que tinha o grande sentido, e a prova disso é que ele no seu livro Sagrada Esperança, inclui um soneto bucólico com a palavra independência, que vai contra o bucolismo, é uma lição como que a mostrar, se ele quisesse, também publicava um livro de soneto, mas não é este o meu caminho. Portanto, há que saber ler, e o Agualusa, e acho que já me estendi, ao contrario do que eu tinha dito, já disse demasiado, o Agualusa foi infeliz ao dizer que que não só o Agostinho Neto, mas o António Cardoso e o António Jacinto eram poetas medíocres, quer dizer é o tipo de atitude que nem o escritor, nem um professor, nem um cidadão, pode ter, porque pode não gostar da poesia de Agostinho Neto, mas esta é uma questão do fórum individual, ele pode não gostar da Poesia de Agostinho Neto, pode ser politicamente contra o Agostinho Neto, mas não pode recusar a historia de Angola e não pode recusar a importância do Agostinho Neto como Poeta e como Revolucionário e com estadista e a sua poesia está indissociavelmente ligada a isso e a qualidade e o que representa para o povo angolano. Portanto, e mesmo ainda que ele não tivesse sido presidente por hipótese, tanto de Angola como do MPLA, a sua poesia teria o luar de qualidade da poesia Angolana e em língua portuguesa, e eu acrescento mas tenho a frontalidade de dizer, é uma boa poesia, uma grande poesia de língua portuguesa, a poesia não pode ser só apreciada com temáticas subjectivas e temáticas românticas do amor ou de outra coisa qualquer, alias, ele também poemas de amor.

(Continua...)

Ildefonso Dias disse...

(Continuação)

"É uma poesia curiosamente que a juventude europeia por exemplo que estuda em Coimbra, nas minhas aulas, jovens holandesas ou inglesas ou italianas que frequentam a cadeira de literaturas africanas apreciam ficam deliciadas com a poesia, e é através muitas vezes da poesia de Agostinho Neto que acedem ao conhecimento sobre Angola, muitas vezes o primeiro conhecimento que essas jovens, me estou a referir as mulheres as jovens por são a maioria, o primeiro acesso que elas têm para Angola é através da poesia de Agostinho Neto, gostam e acham impecável, e são pessoas que já tveram nos seus países formação em português."

Eugénio Lisboa disse...

Pois é, cada um come do que gosta. As jovens holandesas são muito sensíveis aos lindos sentimentos, ,mas lá dizia o pérfido escritor francês (por acaso também laureado com o Nobel, que tanto impressiona Ildefonso): "C'est avec les beaux sentiments qu'on fait de la mauvaise litérature." Ir buscar o abono de estrangeiros para poesia escrita em português, quando a poesia está tão dependente do uso muito sábio das palavras e dos sons que estas emitem, mostra, mais uma vez o deplorável amadorismo de Ildefonso. A paupérrima destreza com que Neto usa os fonemas e os ritmos, a indigência de metáforas e de visão que exibe, o canhestro uso das boas intenções... bons deuses, se aquilo é poesia, eu sou croata! Sr. ID, não vá buscar testemunhos de (fraca) autoridade. Diga-me por palavras suas, a razão de considerar a poesia de Neto boa poesia. Pode ter sido um livro importante, nos anos de combate contra o colonialismo. Pode ser um importante documento histórico. Mas não é um livro de boa ou sequer razoável poesia. A estes livros que tiveram importância política e que a têm ainda histórica, mas que são medíocres obras de arte, chamou-lhes um grande crítico e ensaísta inglês "bad important books" A SAGRADA ESPERANÇA é isso mesmo: um mau livro importante. Há muitos assim, em todas as línguas. Por exemplo: A CABANA DO PAI TOMÁS.foi, nos EUA, um livro influente, mas ninguém dirá, a sério, que aquilo é grande literatura. Se, em vez de andarmos todos por aí, com paternalismos, no fundo, bastante racistas, a promover, como grandes obras de poesia, livros como os de Neto, não servimos nem a poesia, nem as boas e verdadeiras relações com os países africanos de língua portuguesa, nem a verdade. Aos africanos, devemos-lhes uma verdade adulta, de adulto para adulto igual, e não piedosas mentiras que são, repito, pura e dura manifestação de racismo. Ora aí tem, Sr. ID: não sabia que está a ser racista? Pois está! Aliás, o Sr. não sabe, mas passa a vida a defender tiranos, assassinos de boa consciência, racismos encapotados e por aí fora. Sabe outra coisa? Isso não é ser de esquerda: é ser lacaio de tudo quanto não presta. Ponto final.
Eugénio Lisboa

Anónimo disse...

Independentemente do valor da poesia de Agostinho Neto, esta carapuça, que Eugénio Lisboa costurou, serve bem em muitas cabeças, que por aí andam a querer colonizar-nos à força com marteladas ideológicas que desfazem o bom senso. Parabéns! Que jeito nos faria hoje - a todo o país - um Eça de Queirós.

Anónimo disse...

José Eduardo Agualusa disse que Agostinho Neto é um "poeta mediocre".

Eugénio Lisboa disse que Agostinho Neto é "um dos piores poetas que já existiram".

Como o senhor Eugénio Lisboa não conhece todos os poetas deste mundo, a sua afirmacão, diferentemente da de Agualusa, é claramente reveladora de racismo.

Como é que é possivel o senhor Eugénio Lisboa ter sido conselheiro cultural na embaixada de Londres, ter sido condecorado com ordens honoríficas, ter um prémio literário com o seu nome... e produzir estas afirmacões? É para isso que lhe serve a Cultura senhor Eugénio Lisboa?

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