É sinal de um pensamento que encara o currículo escolar como um conjunto de conteúdos que não causem nenhum estranhamento ao aluno, como se o estranhamento não fosse, entre outras virtualidades, um caminho para o conhecimento, com tudo o que esta palavra deve implicar, incluindo o exercício do espírito crítico (em tempos de proscrição de palavras e conceitos, é estranhamente fundamental reafirmar o óbvio).
Evitando-se este estranhamento e apostando-se na identificação...
... o aluno só deveria encontrar a sua própria identidade, como se a Escola fosse um simples espelho e não um território onde deverá encontrar desafios minimamente controlados. Ainda por cima, esta ideia de uma identificação é redutora sob variadíssimos pontos de vista, desde logo porque parte do princípio de que os alunos são um todo uniforme por pertencerem a uma mesma geração.
As implicações na "questão dos valores" não são despiciendas, pois...
... atribui[em-se] defeitos a obras de outras épocas com base num sistema de valores que não lhes era subjacente. Estamos diante de um duplo erro: reduz um texto literário aos valores (explícitos ou implícitos) e suprime o contexto em que o mesmo texto literário é produzido (um a-historicismo que impede, ainda, a identificação de valores de outras épocas, sabendo-se que muitos desses valores, à luz da actualidade, podem até causar repulsa, o que é utilíssimo do ponto de vista pedagógico).
Em sequência nota, e bem, que a futura professora...
... consegue escrever sobre textos literários sem recorrer a contributos dos estudos literários e da história literária (...). Permitir o contacto dos jovens com o património literário do país é uma obrigação da Escola. As razões para que isso aconteça são variadíssimas.
Em primeiro lugar, permite saber que houve milhares de escritores, o que, parecendo que não, é importante, quanto mais não seja por uma questão de simples humildade: nem todos esses escritores eram gigantes, mas estamos em cima dos ombros de muita gente que, antes de nós, escreveu de tantas maneiras (...) e sobre tantos assuntos actuais ou ultrapassados.
Depois, temos a importância da alteridade, da não-identificação, que é um desafio fundamental na formação de qualquer pessoa: no que se refere à literatura, o percurso cronológico permite perceber as mudanças linguísticas, notar as sucessivas alterações de valores, saborear expressões tão diferentes das nossas e, no entanto, nossas.
Finalmente (...) é a partir de textos que nos desafiam que podemos ajudar os alunos a construir (...) valores, o que se deve fazer em confronto e não como bons selvagens a quem escondessem os negros males de tanta literatura perfidamente do seu tempo – e é claro que não é possível estudar literatura sem fazer constantes ligações à sexualidade, à religião, ao poder, ao colonialismo, enfim, à violência inerente à História Humana.
Este professor termina o texto com um esclarecimento crucial, que urge ser reiterado no espaço público, dada a lamentável tendência de alguns representantes das várias esquerdas europeias, que se querem afirmar como progressistas, para negarem o conhecimento escolar.
Conhecimento que tem de ser o mais erudito que o ser humano (não importa quem) conseguiu construir, que tem poder para transformar o sujeito e o mundo. A esquerda deveria acarinhá-lo com especial cuidado e a bater-se para que permaneça na Escola ao acesso de todos, pois é ele que conduz à igualdade, à liberdade, que faculta a fraternidade (esse valor da modernidade tão esquecido) e, em última instância, sustenta a democracia.
Para mim, ser de esquerda implica uma sociedade em que todos tenham acesso a bens culturais que estiveram reservados, durante séculos, a alguns privilegiados e esse acesso faz-se também através da Escola Democrática e ser de esquerda nunca poderá implicar a ideia de que devemos proteger os jovens do passado, escondendo-o por ser feio – em vez disso, devem conhecê-lo e a discuti-lo de modo crítico e informado. Ser de esquerda não me impede de ficar maravilhado com uma catedral, mesmo sabendo que muitos se sacrificaram ou foram sacrificados para que ela exista.
Teve o primeiro texto o mérito de desencadear o segundo. E, se o autor deste me permite, a minha sugestão é que continue a escrever o mesmo até que seja compreendido.
1 comentário:
Não adianta andarmos com muitos subterfúgios: os grandes valores do Estado Novo eram os valores cristãos do catolicismo da época.
A Verdade Revolucionária da estudante universitária, militantes do Bloco de Esquerda, partido apoiado por 4,4 % dos eleitores portugueses, não passa, pelo menos no campo da educação, de um embuste.
A Literatura, seja burguesa ou proletária, é uma Arte, que se deve continuar a estudar nas escolas. Não é para ser escondida ou mutilada.
Fazer explodir, à bomba, os Budas do Afeganistão, como aconteceu realmente, ou, projetar, eventualmente, o arrasamento das pirâmides do Egito e das catedrais góticas europeias, ou o Mosteiro da Batalha, em Portugal, só porque foram mandados construir por homens que tinham alguns valores diferentes dos atuais valores revolucionários, são vandalismos da mesma ordem que é a censura, com introdução de correções politicamente corretas, de esquerda ou de direita, em passagens das obras de Eça de Queirós, ou de Fernando Pessoa.
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