quarta-feira, 27 de julho de 2022

DESCUBRA AS DIFERENÇAS

Por Gonçalo Coimbra
(Estudante de Doutoramento em Ciências da Educação)

Será que é possível que o Estado, de modo mais concreto, o Ministério da Educação, plagie? (1)
A pergunta é provocadora, vejamos...

Quem lê este blog com regularidade está seguramente familiarizado com a "narrativa do futuro para a educação", engendrada por organizações supranacionais, como a UNESCO, a União Europeia (principalmente através do Conselho da Europa) e, claro, a OCDE. A sua ingerência nas políticas nacionais tem sido e continua a ser documentada e analisada em vários países. É que tal ingerência levanta uma série de problemas, como o recuo de processos democráticos na adoção dessas políticas, que sendo supra impostas, não são escrutináveis pelos cidadãos nas mesas de voto. A consequência mais óbvia é a perda de soberania dos Estados face a essas organizações. 

Mas retomemos o foco. A narrativa "do futuro" ou "dos futuros", como consta no último relatório da UNESCO, pretende trazer, de uma forma messiânica, um novo rumo para a educação, pois, insiste-se, é urgente mudar. A mudança é construída nesta narrativa como algo inevitável, face aos desafios do novo mundo globalizado e de uma sociedade cada vez mais digital. É possível observar estes bordões em quase todos os documentos curriculares produzidos em Portugal nos últimos anos. 

E, tratando-se de uma narrativa, é normal (ou somos nós que já achamos normal?) vermos as mesmas concepções, o mesmo tipo de linguagem, nos vários documentos normativos e curriculares. Contudo, talvez não pudéssemos imaginar que o Estado português fosse capaz de incorporar esta narrativa em letra de lei, legitimando-a. 

Para exemplificar, recorro a um documento nuclear da OCDE – Future of Education and Skills, publicado em 2018 – detendo-me no primeiro parágrafo do Prefácio, assinado pelo Senhor Andreas Schleicher, Director do Departamento de Educação da organização. O parágrafo é praticamente replicado no Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, que firma a nossa última grande reforma do ensino básico e secundário:
"Enfrentamos desafios sem precedentes - sociais, económicos e ambientais - impulsionados pela globalização acelerada e pelo ritmo mais rápido de desenvolvimento tecnológico. Ao mesmo tempo, essas forças proporcionam-nos inúmeras oportunidades novas para o avanço humano. O futuro é incerto e não podemos prevê-lo, mas precisamos de estar abertos e prontos para isso. As crianças que ingressaram na escola em 2018 serão jovens adultos em 2030. As escolas podem prepará-los para empregos que ainda não foram criados, para tecnologias que ainda não foram inventadas, para resolver problemas que ainda não foram previstos. Será uma responsabilidade partilhada aproveitar as oportunidades e encontrar soluções" (Futuro da Educação e Competências, 2018, p. 2) (2).

"... a sociedade enfrenta atualmente novos desafios, decorrentes de uma globalização e desenvolvimento tecnológico em aceleração, tendo a escola de preparar os alunos, que serão jovens e adultos em 2030, para empregos ainda não criados, para tecnologias ainda não inventadas, para a resolução de problemas que ainda se desconhecem. Nesta incerteza quanto ao futuro, onde se vislumbra uma miríade de novas oportunidades para o desenvolvimento humano, é necessário desenvolver nos alunos competências que lhes permitam questionar os saberes estabelecidos, integrar conhecimentos emergentes, comunicar eficientemente e resolver problemas complexos" (Decreto-lei n.º 55/2018, preâmbulo).
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NOTAS:
(1) Havendo vários tipos de plágio, de modo geral, entende-se que plágio significa a reprodução, integral ou parcial, de algo original, com omissão da fonte.
(2) Fiz a tradução do seguinte parágrafo: "We are facing unprecedented challenges – social, economic and environmental – driven by accelerating globalisation and a faster rate of technological developments. At the same time, those forces are providing us with myriad new opportunities for human advancement. The future is uncertain and we cannot predict it; but we need to be open and ready for it. The children entering education in 2018 will be young adults in 2030. Schools can prepare them for jobs that have not yet been created, for technologies that have not yet been invented, to solve problems that have not yet been anticipated. It will be a shared responsibility to seize opportunities and find solutions (Future of Education and Skills, p. 2) 

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