domingo, 31 de março de 2019

Desculpe, não entendi!

Por estes dias alguém me perguntou o que é que eu havia entendido de uma notícia do jornal Público (28 de Março) assinada por Clara Viana, com o título "Por mais flexibilidade que exista, a avaliação tem de ter efeitos para os alunos", que incluía depoimentos de especialistas da "minha área".

Li e reli o texto que dá conta de uma das muitíssimas sessões de esclarecimento que se fazem no país sobre o Projecto de Autonomia e Flexibilidade Curricular. Como, por regra, me acontece quando tento decifrar declarações que se lhe referem, não entendi claramente nada.
Diz uma das entrevistadas, professora de Ciências da Educação e consultora do Ministério da Educação, que o Projecto “morrerá na praia se não houver consequências da avaliação” porque foi “criado para ajudar os alunos a aprender melhor”, não sendo compatível “com pautas recheadas de más notas” (…).
Sem pôr em causa a competência da jornalista, admito que talvez se tenha perdido algum elemento da entrevista ou que esta entrevistada não se tenha explicado bem, uma vez que não fica evidente o que quer dizer. Vejamos: 
- Presume-se que uma alteração curricular seja feita "para ajudar os alunos a aprender melhor”, pois que outro fim têm as alterações curriculares em sociedades democráticas? E presume-se que tenha efeitos na avaliação pois a avaliação é parte integrante do currículo (o currículo inclui basicamente três componentes que se organizam, não em sequência mas a par: planificação, interacção, e avaliação). Isto está bem, ainda que seja óbvio.
- Mas, precisamente porque se trata de uma alteração curricular, não conseguimos prever todas as suas consequências, podendo dar-se o caso de as pautas que dela decorrem se "rechearem" de boas ou de más notas. Uma coisa é o projecto, outra é a avaliação final, sumativa, classificativa.
Faço a mesma consideração em relação a perguntas que professores colocaram a essa consultora: "a avaliação tradicional não acabará por atrapalhar a possibilidade de darem as suas aulas de modo diferente?". Ora, o que se quer dizer com:
- "Avaliação tradicional"? A que inclui testes, exames? Acontece que essa será "tradicional" ou "inovadora" consoante a perspectiva em que nos coloquemos. Entendo que a proposta de B. Bloom e colaboradores, com mais de meio século de uso e, logo, certamente categorizada como "tradicional", foi e continua a ser a mais adequada que a pedagogia produziu. A questão não está em a avaliação ser "tradicional" (leia-se "má") ou "inovadora"(leia-se "boa") mas em ser filosoficamente sustentável e cientificamente adequada.
- "Darem-se aula de um modo diferente"? Diferente de quê? Do modo "tradicional"? Mas o que é o modo "tradicional" de dar aulas, sem se cair na paupérrima, triste e desajustada caricatura do professor, de todos os professores a falarem e os alunos a ouvirem "passivamente"? Caricatura que consultora, de resto, invocou: “falei com muitos alunos e há um ponto comum que é o de gostarem da escola e dos seus professores. O problema é que não gostam das aulas” (...) [os professores] falam o tempo inteiro”. Repito a questão não está no modo "tradicional" (leia-se "mau") ou "inovador" (leia-se "bom") de ensinar mas no modo filosoficamente sustentável e cientificamente adequado de o fazer, independentemente de os alunos "gostarem" mais ou menos.
Por outro lado, o que se refere na notícia sobre a posição do presidente da Associação Nacional de Directores e Agrupamentos de Escolas Públicas em relação aos testes e exames, leva-me a concluir que a semente lançada abertamente em Portugal no ano passado por Andreas Schleicher está a dar frutos. Declarou, à altura, este representante para a Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que os exames são o pior do sistema de ensino português.
Não corroborando propriamente esta posição, disse este presidente que "a conciliação do novo projecto com a realização dos exames nacionais foi um dos principais constrangimentos apontados pelas escolas, no que respeita à sua aplicação no ensino secundário". E acrescentou: “por causa do modelo de acesso ao ensino superior, as escolas continuam refém dos exames e isso é muito redutor”.
Em suma, nada posso explicar a quem me pediu explicação que vá além do que acima disse. E o que acima disse nada explica.

3 comentários:

Manuel Pinto disse...

http://tempocontado.blogspot.com/2019/03/a-estupidez-pega-se.html?m=0
J. Rentes de Carvalho

Anónimo disse...

Efetivamente, Doutora Helena Damião, cairíamos em contra-senso se entendêssemos o projeto absurdo da flexibilidade curricular da escola inclusiva. Eu, enquanto professor do ensino básico e secundário, integrado a contragosto na carreira única dos professores do ensino básico e secundário e educadores de infância, conheço de ginjeira estes "especialistas" do eduquês cujo verdadeiro projeto é arrebentar com o débil sistema de ensino português. Os anos letivos sucedem-se, mas tirando o breve e saudoso consulado de Nuno Crato no Ministério da Educação, a política de terra queimada continua nas escolas. Na sua luta insana contra o conhecimento, os testes e os exames, os burocratas do ministério vêm concebendo ao longo dos anos avaliações delirantes como sejam aprovar alunos do ensino recorrente que tivessem nota positiva em 75 %, por exemplo, das unidades letivas do currículo ou, no caso das Novas Oportunidades, conceder o diploma do 12.º Ano a alunos que souberam organizar uma visita a uma quinta do Alto Douro Vinhateiro, incluindo excelentes e copiosas provas de um excecional vinho do Porto, que também tive o prazer de beber, na qualidade de professor-formador.
Os antigos professores do ensino secundário subestimaram o poder dos professores primários e dos educadores de infância, que formaram o sindicato dos comunistas, e dos cientistas da educação que querem fazer da educação em Portugal a Nova Jerusalém terrestre e celeste, e agora é capaz de ser tarde demais para desfazer a onda gigante da estupidez!

Mário Reis disse...

A estupidez é contagiosa e por vezes é ela mesmo que vence.

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