quinta-feira, 31 de maio de 2018

"NÓS É QUE SABEMOS" OU A DESISTÊNCIA DE PENSAR A EDUCAÇÃO ESCOLAR

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) tem incentivado os agentes responsáveis pelos sistemas educativos a "ouvirem a voz dos alunos" para construírem o currículo. Isto significa considerarem o que eles querem aprender (conteúdos), para que querem aprender (objectivos) e como querem aprender (métodos).


Imagem recolhida aqui
Desconheço a expressão deste incentivo noutros países mas sei que em Portugal ele sido levado muito a sério (ver, por exemplo, aquiaquiaqui e aqui).

Tanto assim é que foi o nosso país que levou a maior delegação de alunos (oito) a uma reunião internacional ("Melhores políticas para uma vida melhor"), recentemente realizada em Paris com o fim de "juntar à mesma mesa alunos e decisores políticos". 

No vídeo disponibilizado pela TVI (aqui), que acompanhou a delegação, encontro afirmações surpreendentes. Deixo de lado as dos decisores e centro-me nas dos alunos e da jornalista, sublinhando os aspectos mais críticos. 

Dizem duas das alunas:
"Acho extremamente importante o currículo ser mais curto e mais focado em coisas que realmente importam". 
"Os alunos acabam por memorizar matéria e não aprendê-la, ou seja, em vão, o que se memoriza para um teste após o teste já se esqueceu completamente, portanto foi conhecimento perdido". 
"(...) uma das coisas que mais pessoas disseram é que precisam de tempo, precisam de mais tempo para elas, para serem elas próprias (...)". 
"Nós é que estamos dentro do sistema agora, por isso nós é que sabemos o que está a funcionar ou não, visto que os decisores já não estão lá há algum tempo, não é?"
Diz/escreve a jornalista:
"Sentir-se acolhido na escola, dizem estudos realizados em vários países, é tão ou mais importante do que os programas e os recursos existentes." 
"Muitas das competências que são necessárias no futuro não são ainda valorizadas na sala de aula" [e, de seguida, no vídeo, surge o mais alto representante da OCDE a lembrar que entre essas competências estão as sociais, a empatia, a coragem, ou seja as que se incluem na "narrativa" da própria OCDE]. 
"Espera-se que estes adolescentes possam também ser embaixadores das mudanças que estão a ser propostas junto dos colegas, professores e famílias!
Também diz que:
"A educação é para os estudantes, mas, muitas vezes, estes são pouco ouvidos nas decisões que afetam a sua vida escolar."
A OCDE "uma das principais referências mundiais nesta área [da educação], quer mudar as coisas" (...) "um dos principais centros de decisão do planeta em matéria de educação [saberá a jornalista que se trata de uma entidade cuja vocação não é a educação escolar?]. 
[E acrescenta, fazendo eco] "Para a OCDE, os alunos não só têm razão como estão a apontar a direção certa aos decisores.
Acrescento uma passagem do texto:
"No projecto "Educação 2030", declara a OCDE, não é só no currículo nacional que a voz dos alunos está presente mas também nas orientações globais para a educação escolar. Assim, deste evento sairão recomendações para todo o mundo". 
Cruzem-se estes discursos com as "orientações" da OCDE para a educação escolar no mundo, no planeta e constatar-se-á uma perfeita sincronia entre ambos. O mundo, o planeta pensa e diz o que a OCDE quer que se pense e se diga acerca da educação escolar. A educação escolar é o que a OCDE quer que seja a educação escolar. Por outras palavras, o mundo, o planeta entregou a educação escolar à OCDE, o que significa, muito simplesmente, que desistiu dela. Este é o ponto em que estamos.

7 comentários:

Fernando Caldeira disse...

Lê-se e custa a acreditar. Nomes a fixar que colaboram neste… logro(?), farsa(?), encontro inovador(?): o secretário de estado da educação (!) João Costa, e Sampaio da Nóvoa (sem comentários).
Uma coisa é certa: estas ideias custarão caro a muita gente para quem a escola poderia ser a única esperança de ultrapassar os horizontes culturais a que a sua condição social os irá irremediavelmente condenar.

Estrangeira forma de vida disse...

Pedagogia Selvagem... A outra tem funcionado?
Não estou a fazer a apologia de nenhuma. Considero que a voz dos professores não tem sido ouvida e pelos buracos do queijo passam os ratos. As políticas educativas têm sido implementadas a partir de gabinetes que não integram professores dos vários ciclos de ensino e por políticos abstratos. Não ha perspetiva de terreno.
Os professores estão fartos de afirmar que os currículos são extensos, a sua complexidade não está adequada à faixa etária dos alunos de hoje nem à sua maturidade cognitiva e social; as turmas asfixiam de gente, fator condicionante para a implementação de estratégias diferenciadas que requerem apoio individualizado do docente; os horários letivos são compactos (não se justifica que crianças passem 7 horas na escola com AEC incluídas, a não ser por interesse do EE que não têm onde as deixar); há conteúdos curriculares completamente desfasados da realidade social; as escolas não têm condições logísticas para cumprimento de currículos que exigem materiais específicos (exp.:1º CEB - Educação Física; laboratórios de ciências experimentais; TIC - computadores); quando há alteração de currículos, os professores que os irão implementar não recebem formação obrigatória adequada com a antecedência desejável; os professores sofrem de artrite burocrática assumindo sistemáticos e rotativos cargos de gestão intermédia que lhes retiram tempo para trabalho individual no âmbito didático-pedagógico; os professores não são valorizados pelo Ministério da Educação, pelas suas Direções e pelos encarregados de educação, tendo as suas carreiras congeladas há nove anos (o aspeto económico é importante na motivação profissional); os professores são obrigados a trabalhar até aos 66 anos e 4 meses numa profissão de alto desgaste; ninguém valoriza estudos posteriores à sua licenciatura (pós-graduações, mestrados e doutoramentos não servem para rigorosamente nada); se um papá se lembrar de esmurrar um professor por pura esquizofrenia ou simplesmente porque lhe apetece ter um dia diferente, não há sistema de segurança que o impeça; etc,etc...
Pelo panorama de total inglória dos docentes, pela ausência de qualquer tipo de supervisão do que se anda a fazer nos agrupamentos, pela sobrevalorização da palavra de encarregados de educação que vão à escola receber as notas dos alunos, praguejar por coisas patéticas enquanto o edifício cai por infiltrações da responsabilidade da câmara municipal; pelos tísicos ou bondosos resultados estatísticos (que o pessoal quer é passagens administrativas); facilmente se conclui que este modelo de Escola está esgotado e que os adultos não são capazes de dar resposta a coisíssima nenhuma. Vai daí, chamam-se as criançoilas para resolver o assunto. São os pais que temos... Qual é a admiração, Caldeira?
Agora, com licença, que vou continuar a ler o "Triunfo dos Porcos" no banco do demissionário Trinitá, o cowboy insolente. Estou aqui, aqui e aqui às voltas com a almofadinha que trouxe para altear o descanso dos meus queridos pés que pouparei contra tudo e todos, de frente ou às avessas. Eu cá prezo muito a qualidade de vida.

Anónimo disse...

Porque será que o senhor Engenheiro António Guterres não teve de ultrapassar dificuldades de maior para ser nomeado Secretário Geral das Nações Unidas?
Em primeiro lugar, evidentemente, porque é originário de Portugal, um pequeno e pobre país da decadente Europa, que nem dinheiro tem para pagar a um numeroso exército de professores e educadores de infância - a quem se pede que não ensinem, porque reprovar alunos é contraproducente e fica muito caro aos cofres do Estado -, quanto mais para fabricar ou comprar armamento moderno, sem o qual a influência real dos seus representantes nos areópagos modernos, onde se decidem os destinos do mundo, é nula, se desprezarmos o desprezo que as pequenas, médias, e grandes potências têm por eles!
O mesmo acontece na Educação:
Portugal, sem dinheiro para mandar cantar um cego, adota a atitude subserviente de seguir à risca as orientações da OCDE, abrindo mão da independência e de um futuro risonho dos seus jovens dentro de portas, porque empatias e artes de bem receber temos nós, já agora, para dar e vender barato, do que ainda temos muito falta é de conhecimentos de ponta, que se deviam começar a aprender na escola, e de empresas que, aplicando-os na prática, conseguem obter altos níveis de valor acrescentado nos bens e serviços que produzem.
Se continuarmos a viver na escola do faz de conta, onde quem sabe mais são os alunos, a anarquia na Educação só pode aumentar!
Até quando?...

Anónimo disse...

Recomendo:

Satish Kumar on Alternative Education
https://www.youtube.com/watch?v=RU5OvA5jsos

Anónimo disse...

Pelo que vi e ouvi no vídeo Satish Kumar é um bom homem que, tal como Jesus há mais de dois mil anos apresentou ao povo um sistema alternativo ao Império Romano, em que todos seriam muito felizes, está convencido de que o futuro não é o capitalismo e portanto a sua educação alternativa baseia-se menos nas capacidades intelectuais duras e mais no desabrochar natural da criatividade própria das crianças.
Mas, a realidade nua e crua tem muita força:
Os meus diletos leitores preferiam viver nas cidades modernas de Israel, onde o dinheiro corre abundante, ou no inferno da Faixa de Gaza, onde, dia sim, dia sim, estariam sujeitos a apanhar com várias rajadas de chumbo que caem do céu!

Helena Damião disse...

Agradeço os comentários que os leitores deixaram a este texto. Há neles diversas questões de relevo que importaria comentar/discutir. Na impossibilidade de o fazer aqui, ressalto uma que, do meu ponto de vista, é a questão essencial: [certas] "ideias custarão caro a muita gente para quem a escola poderia ser a única esperança de ultrapassar os horizontes culturais a que a sua condição social os irá irremediavelmente condenar."
Cordialmente,
MHDamião

antonio manuel dos santos cristovão disse...

Isto é do mundo da ficção ou do pos verdade?. Um aluno de 14 anos é que sabe o que é importante aprender para uma vida que ele ainda não viveu ? Enquanto lhe forem pagando(aos agentes) as fantasias vamos ter que pagar estes faz de conta e filosofias baratas.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...