sexta-feira, 1 de junho de 2018

Ainda há lágrimas espremidas...

“A verdade que eu conto nua e pura/ Vence toda a grandíloqua escritura.”
(Luiz Vaz de Camões)

Em resposta ao comentário anónimo (30/05/2918 às 13.57), publicado no meu meu post da véspera, intitulado “Há lagrimas espremidas…", começo por evocar a memória de meu avô materno José Pereira da Silva, presidente da Câmara Municipal do Porto (1925) num tempo em que esse honroso desempenho estava, apenas, ao alcance de personalidades de alto destaque cultural e social e, hoje, se fica dever ao agitar frenético de bandeiras partidárias por parte de uma juventude que vê nisso a forma de subir na vida, num abrir e fechar de olhos, a maior parte das vezes, sem honra  e mérito.
Pela sua participação fracassada na Revolução do Porto (1927), foi José Pereira da Silva, escassos dias após, deportado político para uma inóspita Angola, em que o paludismo, e outras doenças tropicais, ceifava vidas como quem ceifa searas de trigo, apenas com a roupa que vestia e com as algibeiras vazias de dinheiro, obviamente, das modernices dos actuais “offshores”, “em que se esconde o equivalente a um quinto da riqueza produzida” (“Jornal de Economia”, 19/09/2017). Foi ele um  idealista que morreu na pobreza por tudo ter sacrificado em prol da política: família, posição social, fortuna.

Não pela sua posição social de destaque que não possuo e fortuna inicial ainda menos, encontro, todavia, razão para a minha luta em citação do escritor Milan Kundera, que abandonou o Partido Comunista Checo por discordância: “A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento”.

Em minha vida de octogenário, encontro no baú das coisas impressas em letra de forma, uma forma de luta quixotesca, reconhecida por um grande amigo de meus tempos de Moçambique, Augusto Cabral, depois independência desse território, director do Museu Álvaro de Castro de Moçambique/Maputo e professor universitário desta urbe, falecido anos atrás, que, em prefácio ao meu livro “Sem contemporizar” (1972), escreveu: “Defesa essa em que ele tem sido intransigente, mesmo quando fica sozinho e luta até ao último alento até quando lhe falta o apoio daqueles que sobre estes assuntos se deveriam pronunciar e o não fazem, limitando-se a colher benefícios, quando os há, da luta que ele tem travado”.
Injustiça minha (vade retro Satanas!) seria não relevar os numerosos comentários de apoio que tenho recebido relativamente a uma causa que gostaria não perdida pela justiça que encerra e moralidade de que se faz voz. Não o faço, ou farei, em nome dessa solidariedade sempre presente que muito me contenta e apraz registar.
Na intenção de se perpetuar no poder através de votos nas eleições que  se avizinham, António Costa para obter uma maioria que lhe permita governar sem uma “geringonça” a desconjuntar-se e a chiar por todos os lados, no Congresso do Partido Socialista do mês passado, desfez-se em promessas para com a juventude - sem uma palavra de estímulo ou apoio a velhos, doentes ou deficientes por saber que  muitos deles não votam por dificuldade em se deslocarem às mesas de voto -  sendo longamente aplaudido por ela, por fezada em, num próximo futuro radioso de alvoradas de esperança, tomar em suas mãos o leme do destino deste país onde a falta de emprego será substituída por uma profissão bem remunerada (apesar de lamúrias que se ouvem por aí), até que reformas, obtidas num  abrir e fechar dos olhos, os recompense do serviço a uma vida de sacrifícios como, v.g., terem refeições no luxuoso restaurante da Assembleia da República em preço de saldo de fim de verão. Tudo isto em nome do povo num hemiciclo de tentações demoníacas em que, por vezes, mais do que servirem o país dele se servem, com escândalos que enchem de manchetes os jornais diários pelo aumento, por vezes, escandaloso  e não justificado dos seus proventos. Bem dita liberdade de imprensa!
Por depositar grandes esperanças numa presidência de afectos, com ingenuidade que a minha idade desaconselhava, mas  que a recordação do final feliz das histórias infantis em que o mal é sempre castigado e os bons recompensados justificava, escrevi um artigo de opinião, intitulado “Carta Aberta ao Presidente da República” (“Diário as Beiras”, 26/10/2017), com o seguinte desfecho: “Finalmente, por considerar que se trata de importantes questões de natureza social, por atingir pessoas velhas e doentes, por vezes,  em situação em que, como sói dizer-se, se vão os anéis para ficarem os dedos, ‘no uso da licença e liberdade de quem não pede favor senão justiça’, como foi hábito de vida do padre António Vieira, submeto-as, como ultima ratio, à consideração de Vossa Excelência”. Respeitosamente. Rui Baptista.”
Passados dias, em mera hipótese, por os serviços burocráticos de apoio à Presidência da República terem assumido o simples papel de caixa de correio, recebi um ofício da ADSE, assinado pelo respectivo presidente, Liberato Baptista, qual raposa a tomar conta do galinheiro, endossando-me para a leitura da medida legislativa em que justificava a sua razão ou sem razão, como se eu, porque desabilitado de um “valioso diploma” das Novas Oportunidades, ainda que só para fins meramente estatísticos que nos coloque, em pós de perlimpimpim, a par da literacia de outros países mais avançados da Comunidade Europeia, não tivesse bestunto bastante para a interpretar e aceitar a sua retroactividade  
Ou ele não compreendeu, ou fez-se desentendido, que a minha petição se destinava à alteração do conteúdo que expulsava antigos familiares de titulares numa altura em que a ADSE, sob a sua tutela directa procedia, dia-sim-dia-não, a mudanças sucessivas legislativas, dando o dito por não dito e o não dito por dito, em procura de nova clientela cheia de saúde e estaleca que lhe voltasse a encher os cofres arruinados por uma má gestão que o obrigou ao respectivo pedido de demissão. Vá lá a gente entender esta gentinha!
P.S.: Ao leitor que possa, porventura, estar interessado em visitar a fonte da minha evocação a meu avô, poderá fazê-lo no meu post “In memoriam de José Pereira da Silva e sua participação na Revolução do Porto de 25 de Fevereiro de 1927” (“De Rerum Natura”, 18/06/2012).

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