Minha contribuição para o número de aniversário da revista "As Artes entre as Letras":
Património significa, segundo uma
das definições dos dicionários, “bem ou conjunto de bens, materiais ou
naturais, reconhecidos pela sua importância cultural.” Assim, dificilmente se
poderá contrariar a ideia que o primeiro dos bens culturais são as pessoas:
elas é que são as criadoras e disseminadoras de cultura. Faz, portanto, sentido
a expressão “património humano,” que de resto prefiro a “recursos humanos” ou
“capital humano,” ambas as fórmulas usadas num contexto económico. Neste ano de
2018, Ano Europeu do Património Cultural, é oportuno valorizar o património
humano, o conjunto das pessoas que são geradoras e portadoras de cultura.
Afinal, todos nós, pois todos nós somos de uma maneira ou de outra agentes de
cultura, sendo-o tanto mais quanto maior for o grau de educação que tenhamos
atingido (a educação não é mais do que a transmissão de uma parte,
convenientemente escolhida, do património recebido da Humanidade que nos
precedeu).
Falar de património humano é
também, por isso, falar de educação. Em Portugal um fenómeno com enormes implicações
sociais e culturais ocorrido nas últimas duas décadas foi a formação ao mais
alto nível de uma geração de portugueses. O enorme crescimento do número de
doutoramentos é um dos indicadores dessa crescente capacitação da população
nacional. Em 2015 houve um total de 2969 novos doutorados portugueses, ao passo
que vinte anos antes eram apenas 567 (dados da PORDATA). O alargamento no
acesso a outros graus do ensino superior, nas mais variadas áreas do
conhecimento, também é notório: em 2015 formaram-se nas universidades e nos
politécnicos, no público e no privado, 76.892 estudantes, muito mais do que os
35.939 duas décadas antes. O nosso património humano está, por isso, cada vez
mais rico, embora seja justo notar que, na economia, ainda não encontramos um reflexo
claro do referido processo de qualificação: de facto, pesa ainda uma terrível
herança de desqualificação: Portugal é dos países da Europa em que a população
activa, convencionalmente dos 25 aos 64 anos, tem menor nível de escolaridade.
Justo é destacar, neste ano em
que teria feito 70 anos, o contributo que deu para o recente desenvolvimento do
nosso património humano um físico que se tornou político, José Mariano Gago
(1948-2015), que foi em 1915 o primeiro ministro da Ciência e Tecnologia. Ele
sempre considerou que ciência era uma parte integrante da cultura e que a
formação científica era, portanto, uma formação cultural. Lembrando-o com
saudade, louvo a iniciativa do Presidente da República, Marcelo Rebelo de
Sousa, de o condecorar, a título póstumo, em 16 de Maio passado (dia do seu
aniversário), com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago da Espada.
O percurso feito nos últimos nove
anos pelo “As Artes entre as Letras,” dirigido pela extraordinária Nassalete
Miranda, mostra bem como a ciência se situa hoje, em Portugal, no seio da
cultura. Que assim continue por muitos anos, ao serviço do património humano
que somos nós.
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