domingo, 3 de fevereiro de 2013

A praça virtual

A relativização cultural constitui, como se sabe, um ingrediente fundamental dos discursos contemporâneos do mais diverso teor. No livro A última palavra, o filósofo Thomas Nagel chamou a atenção para a tendência de vermos tudo como relativo, menos, evidentemente, a afirmação de que tudo é relativo, a qual é, dogmaticamente, apresentada como uma evidência.

À parte a irritação causada pela consciência da fragilidade desse ingrediente e da incoerência de que padece, poderíamos conviver com isso. O problema é que, sob a capa, sempre "politicamente correcta", da relativização cultural ligada à necessidade de tudo contextualizar em múltiplos ethos, escondem-se tenebrosas imposições financeiras e ideológicas, entre outras, que chegam aos mais diversos cantos do mundo de modo uniforme e com propósitos de uniformização.

A formatação das mentes está, pois, a correr muito bem por todo o lado, porquanto dispõem agora os formatadores de um caldo de pensamento nebuloso que tudo acolhe airosamente, bem como de extraordinários meios tecnológicos para veicular e controlar os seus propósitos.

O contexto é tão perfeito que os anteriores formatadores só poderiam almejá-lo em sonhos: permite-lhe, nada mais nada menos do que aceder, simultaneamente, ao estatuto de Deus o do Diabo. 

Estabelecidos os fins e as regras para proveito próprio (nunca para proveito de outrém), como Deus, omnipresentes, seguem cada corpo que se arrogam tutelar, vigiam cada uma das suas mais ínfimas e íntimas manifestações; como o Diabo, sempre a espreitar a oportunidade, quando não apanham pecados, agarram-se a pecadilhos que elevam a estatuto de crime.

Desconhecem a decência, o respeito, o pudor e qualquer outro sentimento humano. A praça é o seu território, tanto como estratégia de ameaça como espaço para ajuste de contas. O público, que aumenta a cada dia, rejubila com a mágoa e ainda mais com a dor... exige mais e mais.

Este é o cenário que vislumbro por detrás da lamentável história (que se pode ler aqui) de uma jovem japonesa cantora, a quem o empresário impôs castidade. A falta ao estranho e abusivo compromisso foi descoberta e, como punição, dada a conhecer ao mundo. A jovem aparece num vídeo feito para constar na internet, de cabeça rapada como sinal de luto. Entre soluços pede desculpa e implora o regresso ao grupo de onde foi escorraçada.

Os jornalistas que têm reproduzido esta notícia não deixam uma única palavra de análise ou de apreensão.

Quem leu o livro Hiroshima, Meu Amor, de Marguerite Duras ou viu o filme de Alain Resnais (a imagem é desse filme), perceberá os contornos pouco visíveis dessa história que parece tão distante no espaço, mas que é, afinal, tão próxima

3 comentários:

Tá na laethanta saoire thart-Cruáil an tsaoil disse...

quem leu o livro da Durras leu um dos mais deficitários livros da autorra que se torrrnarram ícones de uma época banhada em LSD

a culturra é uma construção de sociedades humanas particulares e obviamente não é universal

nã é preciso ser um marciano para encontrar uma fraude cultural en obras feitas in estuque...

obviamente velhas glórias que vivem nas sombras das revolouções coltorais ou coloidais en resnais ou rêve louções de filmografia a noir et blanc que pouco dizem às massas amassadas do futuro ou do presente

é b-rev....
é distante no tempo e no espaço
não existe intemporalidade na obra

existem apenas convergências bioquímicas entre as almas de tempos ausentes e dos semi-presentes ou diz-se demi-present?

Anónimo disse...

O Japão é uma sociedade doente!

joão boaventura disse...

Cara Professora

A propósito, há um poema com idêntico título, Hiroshima, meu amor”, poetizado por Augusto de Campos, e publicado na revista “Invenção”, em 1963:

Meu corpo tomba teu corpo
Meu corpo meu corpo tomba
Meu corpo bomba teu corpo
Teu corpo meu corpo bomba
Meu corpo tua bomba tomba
Teu corpo meu corpo bambo
Meu corpo tua bomba bomba
Tua bomba meu corpo bomba
Meu bomba bomba tua bomba
Tua bomba meu bomba bomba
Meu teu bomba bomba bomba
Bomba bomba bomba a bomba

Sobre o assunto pode ler-se com algum desenvolvimento na História da Literatura Brasileira, de Carlos Nejar, a pp 526.

Fracção de 10 minutos do filme legendado pode ser visto.

Cordialmente

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