terça-feira, 16 de outubro de 2012

Tê Pê Cês

Considerando que os trabalhos para casa podem acentuar desigualdades sociais e culturais e tendo por referência e exemplo belga, o Presidente de França tenciona decretar a sua extinção ou redução significativa. Trata-se de uma medida política. O que é que em termos pedagógicos se pode dizer sobre o assunto? Várias coisas, mas destaco duas:

1) A inexistência de uma correlação entre a quantidade de trabalhos para casa e o rendimento académico dos alunos. No famoso relatório Education at a Glance, da OCDE, é possível verificar que alguns países onde os alunos ocupam menos tempo com a sua realização (como o Japão) obtêm resultados elevados em avaliações internacionais, enquanto outros países onde os alunos ocupam mais tempo com a sua realização (como Portugal) obtêm resultados baixos. 

2) Tem-se introduzido a ideia de que os trabalhos para casa devem ter sobretudo um carácter de "pesquisa" e traduzir-se em "tarefas complexas", "para explorar", "para descobrir", "para envolver a família", em detrimento de tarefas de treino para consolidação daquilo que se aprende no tempo lectivo principal. Digo isto tendo em conta o que consta nos manuais escolares, onde abundam exercícios que apelam à colaboração das pessoas mais próximas das crianças. 

Neste caso, François Hollande tem razão, trata-se de um cenário no qual os trabalhos para casa não asseguram nem promovem a igualdade de oportunidades.

Mas estou como quem me mandou a notícia: não é medida que se decrete... Posseguindo este caminho, tudo quanto respeita ao trabalho do professor passa por decreto presidencial ou ministerial.

12 comentários:

José Batista disse...

Pequenos apontamentos:

Sempre gostava de saber como é que se determinou, sobretudo em Portugal, quanto tempo os alunos gastam a estudar em casa.

Dos meus alunos, aqueles que têm melhores resultados são os que (também) fazem normalmente os "tpc".

A medida é abstrusa: para promover a igualdade decreta-se que não há trabalhos de casa, ou seja: os alunos que querem e cujos pais querem que haja "tpc" têm que sujeitar-se à vontade dos que os não querem fazer. Isto é igualdade?

Em minha opinião, Hollande não tem (qualquer espécie de) razão.

E se há ciências (da educação) que afirmem possuir "fundamentação" para uma coisa destas, então eu digo que não são ciências, nem da educação nem de outra coisa qualquer.

E se os políticos se preocupassem antes com os problemas reais das pessoas: o emprego, o salário, a saúde, a segurança social, etc?

A barbárie regressará. Pela nossa mão.
Oxalá esteja enganado. Quem cá estiver, verá.

Por último: a OCDE cada vez me parece mais uma treta que dá bons tachos a muitas pessoas.

Fernando Caldeira disse...

O problema dos TPCs é que ao referi-los podemos estar a falar de coisas muito diferentes uma das outras e que dependem essencialmente do professor que os pede. Desde o absurdo (mais um dos muitos que infestam o mundo da educação), de deverem “ter sobretudo um carácter de ‘pesquisa’ e traduzir-se em ‘tarefas complexas’, ‘para explorar’, ‘para descobrir’, ‘para envolver a família’”, até serem, "simplesmente", uma forma de “estudo orientado”, de “dicas”, digamos, sobre como o aluno pode consolidar a matéria abordada nas aulas, têm também frequentemente objectivos alheios ao objectivo primordial, a saber, orientar o trabalho autónomo do aluno (função de que o professor não se pode nem deve alhear). Um desses objectivos, não menos absurdo, é servir como forma de avaliação do aluno, quando deveria servir, isso sim, para uma “auto-avaliação” do trabalho do próprio professor.

Helena Damião disse...

Agradecendo os comentários dos leitores José Batista e Fernando Caldeira, deixo de, se seguida, mais algumas achegas acerca do assunto.

Os organismos internacionais que assumem responsabilidades na área da educação (e que se traduzem em planos da investigação, em propostas de intervenção, bem como em programas de avaliação), como é o caso da OCDE, quando procedem ao levantamento de informação nos diversos países que a eles estão ligados usam em geral, a análise documental, questionários, entrevistas e, eventualmente, a observação directa.

Ainda que possamos e devamos questionar as orientações subjacentes a estas acções, há que reconhecer que os estudos que desenvolvem são tecnicamente correctos e, logo, confiáveis.

A questão que se põe, e que não foi captada pelo estudo em causa, é relativa ao tipo de trabalhos para casa.

Trabalhos de aplicação, treino, revisão ou consolidação, ajustados ao patamar de escolaridade que os alunos possam fazer sozinhos, afiguram-se importantes; trabalhos de outra natureza que requeiram a ajuda da família afiguram-se questionáveis sob diversos pontos de vista, nomeadamente sob o ponto de vista da igualdade de oportunidades.

Mas, se se reparar, usei a palavra "afiguram-se" porque, na verdade, o que formulei são conjecturas. Efectivamente, no nosso país, esta temática precisa de ser investigada com rigor e profundidade, no sentido de se perceber o que se faz, como se faz e com que resultados.

Quanto à intervenção política neste e noutros assuntos do foro pedagógico, ainda que quem as veicula - presidentes ou ministros - possa ter razão em alguns aspectos não pode tomar decisões sobre tudo o que se reporta ao trabalho da escola.

Cordialmente,
Helena Damião

jp disse...

Antes da questão dos TPC's, existe o problema dos horários. O meu filho, como muitos outros miúdos, começa as aulas às 8.10 sai às 13.15 e tem ainda 3 tardes ocupadas com mais aulas. É de Almada e joga andebol no SLB, desloca-se 4 vezes por semana até Benfica para treinar entre as 19 e as 21 h., chega a casa por volta das 22 h. para jantar, acaba de jantar e está, naturalmente, esgotado. Ao fim-de-semana tem jogo e está em idade de começar a namorar, que considero uma actividade extremamente saudável e até necessária tendo em conta o decréscimo de população. O rapaz ainda precisa de algum tempo para ele, gosta de cinema, música, escreve e toca guitarra. Neste contexto ou noutros parecidos, onde se inserem os TPC's.

Fernando Caldeira disse...

Quando se trata de Educação é fundamental separar claramente os dois planos – político-ideológico e técnico-pedagógico – em que o assunto pode ser discutido. A sua mistura frequente apenas tem contribuído para a criação de bichos-papões e outros fantasmas. Uns ideológicos (caso da diferenciação, selecção, elitismo...); outros “pedagógicos” (exames, TPCs, memorização...).
Todas as crianças e jovens são diferentes. Têm interesses diversos, aprendem de maneira diferente e têm ritmos de aprendizagem diferentes. É inerente à condição humana. Na escola pública as diferentes crianças que convivem no dia-a-dia podem também viver em ambientes sócio-culturais muito diferentes.
Para promover a igualdade de oportunidades podemos seguir dois caminhos: nivelar por baixo, que é o que o nosso sistema de ensino básico tem feito, ou então criar um sistema inclusivo e diferenciado mas globalmente exigente e de qualidade que permita a todos desenvolver as suas capacidades. Para isso é fundamental criar condições efectivas (apoios) nas escolas, local onde os jovens passam a maior parte do seu tempo. A desigualdade hoje é um facto não só porque há famílias que podem dar ou recorrer a serviços de apoio, mas também porque os níveis de exigência e de expectativas que criam nos filhos são muito diferentes. Daí a necessidade de um sistema, que se quer igualitário, ter de ser exigente, apoiar os alunos (e os professores) de acordo com as suas necessidades e preparar os alunos para serem autónomos.
Os trabalhos de casa embora possam ser de diversos tipos devem ter, na minha opinião, como objectivo principal, a promoção da autonomia dos alunos no estudo. Se se pensa que os alunos poderão, por si só, encontrar a melhor maneira de consolidar as matérias que estão a aprender, então não farão sentido. Caso contrário são fundamentais e deverão ser pensados para serem realizados sem quaisquer apoios externos, particularmente da família. Devem ser os próprios professores – como especialistas da Pedagogia e da Didáctica – a decidir sobre a sua necessidade e frequência (naturalmente que se espera sejam pedidos com tacto, “conta, peso e medida”) e os resultados desses trabalhos devem ser “lidos” sobretudo como indicadores de eficácia do trabalho dos próprios professores.
Fernando J. Pires Caldeira

José Batista disse...

Caríssima Professora Helena Damião.

Muito obrigado pelo seu comentário. Julgo ter percebido bem o significado do que (nele) afirma. Porém, deixo exemplos específicos das dúvidas que me assaltam sobre a qualidade de alguns trabalhos de campo feitos seja por pessoas de universidades portuguesas seja por organizações internacionais.
Relativamente aos primeiros, conheci "ene" inquéritos feitos a alunos e a professores que foram respondidos completamente à toa, por vezes com desprezo... E, num ou noutro caso em que tentei saber o que valeram eles para quem os promoveu, fiquei a saber que confirmaram plenamente as hipóteses prévias que presidiram à sua elaboração, ou seja: serviram para confirmar o que os seus autores queriam que fosse confirmado. Conheço até quem lhes chame "ciência por inquérito".
Relativamente ao segundo caso relembro o que julgo que já em tempos aqui referi: a aplicação dos testes internacionais (PISA) que produziram os resultados aparentemente mais favoráveis dos alunos portugueses foram, na minha e também noutras escolas acerca das quais indaguei, aparentemente, respondidos só por alunos razoáveis ou bons. Não soube de nenhum aluno fraco, normalmente maioritários nas escolas públicas, que tivesse feito esses testes. Professores de outras escolas confirmaram-me que ficaram com a mesma impressão... Provas não tenho. Mas tenho dúvidas. Até porque há 16 ou 17 anos estudos do mesmo tipo, então sob a sigla TIMSS, não permitiam qualquer dúvida sobre o rigor e seriedade da sua aplicação.

Depois tenho três ou quatro amigos doutorados em ciências da educação com quem falo abertamente e a quem escuto com atenção, os quais me dizem que um problema grande das dissertações de doutoramento na área é serem, normalmente, desprovidas de interesse no que respeita a modificar/melhorar as práticas pedagógicas, ou seja, servem essencialmente o fim de conferir um grau académico e permitir progressões de carreira, ficando então a jazer em estantes de biblioteca ou, mais recentemente, no fundo dos discos informáticos.
O que é pouquinho... E, mesmo na opinião deles, estes factos não devem ser escondidos.

Esperando que sejam eles próprios, um dia, a falar disso publicamente, não lhes refiro aqui nem o nome nem a instituição.

joão viegas disse...

Ola a todos,

Sou leigo nesta matéria, mas sou pai de duas meninas escolarizadas no ensino francês (no colégio), e sigo com interesse estas trocas.

Tanto quanto julgo compreender, a questão dos trabalhos para casa vem levantar um problema mais complexo : o de saber se os miudos vão à escola adquirir bagagem para estarem mais preparados para a vida, ou se a escola apenas serve para que eles possam fazer frutificar o capital que ja têm em casa, e que lhes vem da familia. A segunda hipotese, como é obvio, é um bocadito menos igalitaria do que a primeira...

Consigo perceber que os TC sejam bons na medida em que auxiliam o aluno a fixar a matéria dada nas aulas, e também na medida em que servem de elo de ligação entre a escola e a familia, tornando esta ultima parte integrante no trabalho desenvolvido por aquela, na medida das suas possibilidades e tendo em conta as limitações de muitos.

A minha experiência de pai, em França, é que os TC conseguem manter-se com as caracteristicas apontadas a nivel do ensino primario. No secundario, ja é diferente. Ai, existe uma enorme pressão por parte dos pais (de alguns pais, claro, em regra os mais absatados, que são os que melhor sabem protestar e pressionar), que não estam propriamente preocupados com o que se aprende na escola de uma maneira geral, mas antes com o aproveitamento particular dos seus rebentos, com vista a uma seleção muito dificil feita no fim do liceu para escolher uma infima proporção de alunos destinado a algumas formações superiores de elite.

Este sistema, infelizmente, abdica de ensinar à maioria, e passa a funcionar principalmente como uma maquina de selecionar a nata do 0,1 % de excelentes. Parece-me duvidoso que um sistema como esse seja bom. Digo mesmo mais : parece-me duvidoso que um sistema como esses deva ser financiado pelo Estado...

Vejo que os resultados no programa PISA mostram as fraquezas do modelo. Ora bem, isto não me surpreende.

Julgo que a medida do Hollande intervem no contexto descrito acima, que é bom não perder de vista e que, tanto quanto julgo saber, não é bem igual ao contexto português...

Boas

Fartinho da Silva disse...

Enquanto alguns países e povos se preocuparam e preocupam com a "igualdade" à força, outros povos e países preocuparam-se e preocupam-se em investir em força no ENSINO!

Os primeiros utilizam uma expressão muito chique "educação", falam em numa linguagem que mistura o sociolês com o psicolês e queixam-se que são uns coitadinhos, que os impostos são muito altos, que as "crianças" não têm tempo para fazer os TPCs, que as crianças têm muitas tardes livres, que as refeições na escola (ao que chegámos) devem ser saudáveis, etc., etc., etc., etc. e estão FALIDOS, os segundos CRESCEM...

P.S. Sabem quantas televisões (samsung, lg), automóveis (kia, hyundai), telemóveis (samsung, lg), entre outros produtos coreanos, os portugueses compraram nos últimos 5 anos? Pois, foram muitos. E sabem quantas televisões, automóveis, telemóveis, entre produtos portugueses, os coreanos compraram? NENHUM; e sabem porquê? Porque, não existem....

José Batista disse...

Caro João Viegas

Pelo que leio do que escreve, diria que está muito longe de ser leigo... E ainda bem.

Porém, o seu comentário levanta outros aspetos a que dou grande importância, como por exemplo o que se designa por "presença" dos pais na vida da escola (pública), traduzido na pressão que esses mesmos pais exercem sobre ela. Conheci casos em que a feitura de certas turmas, o horário delas, os professores que lhes foram atribuídos, a sala que ocupavam, etc, nada era deixado ao acaso. Assim anos a fio. E porquê: porque certos pais, muito "presentes" na escola faziam por isso. Esses pais, como diz, sabiam bem como atuar. Chamaram-lhes... escolas democráticas.
Curiosamente, conheço escolas privadas em que os pais praticamente não interferem no seu quotidiano. Não os deixam.
E sabem que mais: elas ocupam os primeiros lugares dos "rankings" anualmente publicados. Repetidamente.

Esclareço que não defendo o modelo dessas escolas.
Mas que elas são (têm sido...) muito procuradas, lá isso têm.

José Batista disse...

Caro jp

Suponho que a escola do seu filho será conhecedora da situação dele. Se não é devia ser. Ora, sendo-o, deve ter esse facto em consideração, tomando o conselho de turma, sob a orientação do diretor de turma, as disposições que mais se adequem. E aí, o papel dos encarregados de educação é também fundamental. Cá está um exemplo da colaboração que deve existir entre a escola e a família.
Na escola onde trabalho, dois professores muito dedicados têm-se esforçado por acompanhar de perto e ajudar um aluno que está envolvido em alta competição desportiva. A diretora está a par e parece que tudo está a ser feito para que as coisas corram pelo melhor.
Conheço porém outro caso, de um menino de 16 anos que sendo de um extremo do país está a praticar futebol no outro extremo, longe da família e a viver num apartamento que o clube lhe paga. E as coisas não estão a correr muito bem. Desde logo porque o menino não consegue acordar para ir às aulas. E os pais estão longe...
Espero que no caso do seu filho as coisas se conjuguem pelo melhor. Mas, atrevo-me a lembrar-lhe que "o paraíso" não existe na terra. Logo, não pode exisitir na escola...

joão viegas disse...

Ola a todos,

Peço que desculpem as horriveis gralhas do comentario anterior (foi antes de ter sido relido), e também que percebam que o meu proposito não era defender uma medida, e muito menos defender que se trata da panaceia.

Apenas me parece importante compreender que essa medida aparece para contrabalançar um excesso, ou um desequilibrio, que julgo serem reais.

Fico sempre surpreendido com a nossa capacidade para enveredar por guerras de religião como se, no fundo, não estivéssemos todos fundamentalmente de acordo sobre os fins e os objectivos. Estes consistem em educar, ou seja em elevar efectivamente (e não apenas no papel) o maior numero de pessoas, fazendo com que todos possam adquirir as bases para aceder ao saber, à cultura, à ciência - noutras palavras para que o nivel geral de instrução da população cresca.

Assim é que fazem, ou que fizeram, as Coreias, ou alias as Finlândias, que são hoje a admiração de uns ou outros.

E que isso exige sacrificio, e trabalho, e disciplina, eis o que não oferece para mim a menor duvida.

Boas

jp disse...

Agradeço a resposta e as sugestões, tenho procurado fazer exactamente o que diz. Mas a minha dúvida é, porquê tantas horas e, geralmente, mal aproveitadas, na escola, porque é que existem aulas de manhã e de tarde, um horário das 8 às 15 com a oportunidade de mais uma hora para alunos com dificuldades não proporcionaria uma maior estabilidade a todos, escolas, alunos e famílias. Não sendo crente o paraíso diz-me pouco, mas entendendo o que quer dizer, esta questão não terá a ver mais com o bom-senso do que o paraíso.
Mais uma vez o meu agradecimento.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...