O estudo de Stanford, sobre os comportamentos de “guardas” e “prisioneiros” numa experiência de 1970, feita pelo psicólogo Zimbardo, e já aqui referido, mostrou, como já vimos, o modo como os comportamentos perversos e assassinos aparecem assim que se criam as condições favoráveis.
Mas mostrou também duas coisas muito importantes e esperançosas: a capacidade de reagir e a possibilidade de aprender a fazer o bem.
Segundo ele, na referida entrevista, (Público, 23/9/2012), um dos “guardas” recusou-se a utilizar a força e os vexames com os “presos”. Diz ele: «Em todas as experiências, em todas as situações reais há sempre uma pequena percentagem – uns 10% - que resiste. Mesmo nas piores circunstâncias. Mas nunca ninguém estudou quem são esses 10% que resistem ao apelo do mal».
Refere ainda um estudo em que procura identificar os perfis psico-afetivos e intelectuais de «jovens, homens, mulheres, que tinham pertencido a gangues violentos nos EUA (alguns tinham matado pessoas, vendido heroína a famílias inteiras), (…) e que a certa altura passaram para o lado bom, impedindo que outras crianças fossem recrutadas por gangues ou esforçando-se por tirá-las de lá. São heróis» diz ele. E com razão, pois «arriscaram a vida para fazer isso e os gangues querem matá-los».
Estes exemplos dão-nos muita esperança pois revelam a existência de forças benéficas, que precisam de ser reconhecidas, estimuladas e desenvolvidas.
Portanto, numa altura em que a formação moral e cívica parece ter perdido o norte, em virtude das ideais e do ethos pós moderno, esta experiência revela-nos que há um fundo humano, uma força, que não sabemos identificar nem de que natureza é, mas que nos incomoda, se a não exercemos, e mostra vias possíveis para a ação educativa. E é, portanto, da maior importância social.
Zimbardo fala de vários tipos de heroísmo e depois centra-se em dois tipos de herói: o refletido e corajoso, que se opõe toda a vida a um sistema malévolo (Luther King, Gandhi, Mandela, etc.) e o das formas quotidianas e ocasionais que todos podemos por em prática. Diz ele: «ser um herói consiste em ajudar pessoas que precisam de ajuda ou em defender um princípio moral».
Neste sentido «qualquer um de nós pode vir a ser um herói». E isso aprende-se, na medida em que se pode ensinar a analisar as situações, a diagnosticar a infeção de uma dada situação e a reagir a ela procurando encontrar aliados nessa reação. Em muitos casos «o custo potencial pode ser perder a vida, ser ferido, perder o emprego. As pessoas que denunciam a corrupção no seu lugar de trabalho, diz ele, quase nunca são promovidas ou são despedidas». (Lembram-se do caso revoltante, e que vai ficar para a história dos escândalos judiciais, em que o vereador Sá Fernandes, da Câmara de Lisboa, acabou condenado por denunciar, e provar, uma tentativa de corrupção da Braga-Parques? Mal sabia o nosso famoso “sistema judicial” como estava a seguir as leis da psicossociologia).
Mas, neste sentido, e de qualquer modo, como ele diz, o pior de tudo é a inação, o «efeito espetador» (bystander effect), isto é, «quando acontece uma coisa terrível à nossa frente e não fazemos nada». Que é, de resto, a atitude mais comum. Não é bom, nem para a vítima nem para o espetador. «O pior mal do bulling nem é o que acontece às vítimas, mas o que acontece a todos os outros, que, ao estarem lá e não fazerem nada, vão sentir vergonha para o resto da vida».
Ora há estratégias para atacar esta passividade que, pelas suas consequências, pode ser assassina; há formas de ensinar a desenvolver forças de bem. E o primeiro passo é saber que existe em nós a tendência para o silêncio, que é normal acobardarmo-nos nestas situações. Mas que não o devemos fazer, até porque temos forças em nós que também reclamam a nossa intervenção. Depois, que devemos encontrar aliados, porque é muito provável que, face a uma situação de injustiça ou de violência, haja outras pessoas a sentir a mesma revolta que nós. Em grupo, há mais força, e a ideia de que estamos a fazer o que devemos cria uma dinâmica nova e compensadora. E mais: que, a médio e longo prazo, todos seremos beneficiados. Para um clima de humanidade e de bondade é um complemento teórico e psicológico importante.
E para terminar, diz Zimbardo: «Somos todos poderosos agentes de influência social e quando somos vistos a fazer coisas más – passar um sinal vermelho, por exemplo – isso incentiva outros a fazer o mesmo. Mas também projetamos uma sombra positiva sobre quem nos vê a ajudar alguém ou a respeitar a lei» Como vêem, as implicações sociais são imensas. E nós, portugueses, que a toda a hora somos cilindrados por influência maléficas e exemplos que nos degradam, deseducam e deprimem, precisamos de começar a inverter este ciclo depressivo e infernal. Nem tudo é economia! (Apetece-me dizer: estúpidos! Mas não digo e só repito). Nem tudo é economia!
João Boavida
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1 comentário:
Um texto reconfortante. Muito digno. E lúcido.
E esperançoso. E belo.
Nem tudo é economia. Não é. Ontem disse alto a alguém muito querido que me falava da culpa dos portugueses na crise atual: - "A economia existe para o Homem, não é o Homem que deve existir para a economia!". Saiu-me assim. Mas com o sentimento de que há muita culpa em nós, portugueses...
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