“Considero professores e professoras como a
corporação mais necessária, mais esforçada e generosa, mais civilizadora de quantos
trabalham para satisfazer as exigências de um Estado democrático” (Fernando Savater,
catedrático de Ética da Universidade do País Basco).
A recente nomeação,
para secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, de João Granjo, diplomado pela Escola do Magistério Primário
do Porto (1980), habilitado com o Curso
de Estudos Superiores em Administração Escolar (Instituto de Ciências
Educativas, 1993) e Mestrado em Administração e Planificação da Educação
(Universidade Portucalense, 2007), foi
noticiada no jornal “Público (26/10/2012)
referenciando o facto de ter sido
presidente da Associação Nacional de Professores e defensor da criação da Ordem dos Professores.
Esclarece-se que a
Associação Nacional de Professores sucedeu à Associação Nacional de Professores
do Ensino Básico, constituída por
diplomados pelas antigas Escolas do Magistério Primário e Escolas de Educadores
de Infância, sendo reclamante da criação
da Ordem dos Professores desde 1985 e tendo
anunciado “num seminário realizado em 91, em Viseu, o firme propósito de se
transformar em Ordem” (“Diário de Coimbra”, 07/05/91). Reclamação, aliás, sem tradição, ou simples analogia, com as
ordens profissionais existentes, porque destinadas a representar, apenas, profissões detentoras de licenciatura
universitária. Só, posteriormente, foram
criadas ordens profissionais sem obedeceram a este requisito, como sejam os
casos da Ordem dos Enfermeiros (Decreto-Lei n. 104/98, de 21 de Abril) e da
Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (Decreto-Lei n.º 310/2009, de 26 de Outubro).
Lá mais para diante se voltará a esta temática que me mereceu estudo aturado no
livro “Do Caos à Ordem dos Professores” (Rui Baptista, edição do SNPL, Janeiro
de 2004) e, posteriormente, num pequeno opúsculo “Livro da Ordem” (Edição
do SNPL, 1997) sobre uma “Proposta de Estatutos da Ordem dos Professores” de
que fui o coordenador. Da respectiva “Nota Prévia”, transcrevo:
“A proposta de
estatutos elaborada por um grupo de colegas que o SNPL patrocinou com apoio
logístico e financeiro, foi entregue ao Presidente da Assembleia da República (20/06/96)
e foi difundida por todos os Executivos do SNPL, pelas Associações Científicas
de Professores, por instituições de Ensino Superior ligadas à formação de professores, pela Confederação
Nacional das Associações de Pais, grupos
parlamentares e partidos políticos e outras organizações intervenientes no
processo educativo, e também pelas Ordens existentes”.
Para a elaboração do
livro supracitado, “Do Caos à Ordem dos Professores”, socorri-me, em consulta
de bibliotecas públicas, de legislação
sobre ordens profissionais, remontando a
mais antiga a meados da década de vinte (Decreto-Lei 13.909/27, 22 de Junho,que
criou o Estatuto Judiciário). Importante me parece,
também,referir um bem elaborado Estudo Nacional (encomendado pela Associação
Nacional dos Professores), intitulado “Ser Professor – Satisfação Profissional
e Papel das Organizações de Docentes”, realizado pelo Instituto Politécnico de Castelo
Branco e da autoria de João Ruivo (coordenador), João Sebastião, José Rafael,
Paulo Afonso e Sara Nunes.
A páginas tantas, nesse
estudo é feita, com a isenção que um trabalho desta natureza impõe, referência destacada ao papel do Sindicato Nacional dos
Professores Licenciados nesta matéria que se transcreve textualmente:
“De acordo com
Baptista (2006), já em 20 de Junho de 1996 o SNPL submeteu à Assembleia da República
uma proposta de estatutos da possível Ordem a criar. Mais tarde, a 25 de Fevereiro
de 2004, este sindicato submeteu, também à Assembleia da República, uma petição
para a criação da Ordem, contendo 7857 assinaturas. Por último, e de acordo com
o autor supra mencionado, no dia 2 de Dezembro de 2005 debateu-se na Assembleia
da República a petição n.º 74/IX (2.-ª) do SNPL e outros para a criação da
Ordem. As várias intervenções proferidas pelos deputados dos diversos grupos parlamentares
também não denotaram convergência de opinião relativamente a esta matéria. A
deputada do PCP, Luísa Mesquita, centrou a sua intervenção na necessidade de
haver uma maior autonomia profissional, cabendo aos professores a decisão de se
criar um código deontológico para essa classe profissional.
Por sua vez, para
João Teixeira Lopes, deputado do Bloco de Esquerda, deveria caber ao Estado a
definição de acesso à profissão, bem como os códigos de natureza ética e
deontológica. O seu argumento assenta no
pressuposto de que a profissão docente assume-se como sendo um serviço
público, pelo que deve ser tutelado pelo Estado. Já o deputado do Partido
Socialista, João Bernardo, referiu que a criação de uma ordem profissional
carece de uma reflexão profunda, para que não fiquem dúvidas acerca das suas
reais funções e competências, e de modo a não colidir com outras entidades
profissionais. Por último, as intervenções dos deputados do Partido Social
Democrata e do CDS/PP, Fernando Antunes e Abel Baptista, respectivamente, foram
muito favoráveis à criação de uma Ordem dos Professores, alegando o primeiro
que “a ambição de criar uma Ordem dos Professores surge, pois, aliada a um
forte sentimento de união de classe” (Baptista, 2006).”
Por se fundamentar o
texto acima transcrito no meu artigo de página inteira, publicado no “Jornal de
Notícias” (08/03/2006), intitulado “Ordem dos Professores e AR”, entendo fazer considerações para clarificação do que por mim
foi escrito. Assim, a parte constante da intervenção do deputado do Bloco de
Esquerda, João Teixeira Lopes, foi a que aqui se transcreve ipsis verbis:
“O deputado do Bloco
de Esquerda João Teixeira Lopes, numa
intervenção ‘blasé’ de cábula que não se dignou fazer os trabalhos de casa
marcados por um professor demasiado permissivo ou até banazola, apresentou como motivo impeditivo para a
criação da OP este esfarrapado argumento: ‘A docência é um serviço público e,
como tal, compete ao Estado, antes de mais, definir os critérios de acesso à
profissão, bem como os códigos ético e deontológico’. Exemplo acabado de um
atestado de menoridade passado aos professores pela incapacidade de se
auto-regularem como o fazem outras profissões, como a dos médicos, por exemplo”.
Em segundo lugar, relevo,
com toda a justiça, a intervenção do deputado do CDS/PP Abel Baptista, por ser
o único partido político que se mostrou 100% a favor da criação da Ordem dos
Professores, quando declarou: “Ao contrário do que
diz o Partido Socialista, entendo que a criação da Ordem dos Professores
acrescentaria, desde logo, a dignificação da actividade docente que,
ultimamente, tem andado muito mal e sido criticada pelo Governo” (…) Nesta
medida, julgamos que a Ordem dos Professores pode e deve ser criada”.
Já não apenas uma
pequena rectificação, mas uma correcção de fundo do supracitado Estudo Nacional,
que se transcreve: “De acordo com Vilarinho (2004), o SNPL exigia o grau de
Licenciatura e o cumprimento do código deontológico para aceder à Ordem”.
Vamos por partes. Quanto
“ao cumprimento deontológico para aceder à Ordem”, nada a corrigir porque aqueles
que pretendem estabelecer um código deontológico sem ser a Ordem dos
Professores a fazê-lo e a zelar pelo seu cumprimento (como tenho
visto para aí defendido…) assumem para
si o papel de porem o carro à frente dos bois, em linguagem popular. Quanto à exigência de uma licenciatura universitária
(deixando de fora os diplomas de ensino médio e bacharelatos politécnicos), é
facilmente desmentido pela leitura da “Proposta de Estatutos da Ordem dos Professores”,
publicados em 1977. Nela especifica-se, sem lugar a qualquer dúvida por no
ponto 1, do artigo 13.º estar escrito, preto no branco, o seguinte articulado: “Podem
inscrever-se na Ordem, como membros efectivos, os portugueses ou estrangeiros
que residam em Portugal de posse de uma licenciatura e profissionalização, por
si reconhecidas”.
Para a inscrição de
indivíduos, de posse do diploma das antigas Escolas do Magistério Primário, por
exemplo, foi estabelecida a categoria de membro associado (Pontos 1 e 2, do
respectivo artigo 15.º) obedecendo aos critérios seguintes:
Ponto 1: “Podem ser
inscritos como membros associados os docentes profissionalizados de
nacionalidade portuguesa que à data da publicação deste Estatuto exerçam
funções docentes com o grau de bacharel ou com habilitação constante do artigo
13.º conjugado com o artigo 31.º, n.º 5 da Lei n.º 44/86, de 14 de Outubro.”
Ponto 2: “A inscrição
como membro efectivo dos membros associados está condicionada à obtenção dos
requisitos exigidos pelo artigo 13.º do presente Estatuto.”
Aliás, estas
condições de inscrição na Ordem dos Professores encontra inspiração na doutrina
por mim encontrada em poeirentos textos legais que dizem que a Ordem dos Médicos e a
Ordem dos Farmacêuticos contemplaram nos seus estatutos os direitos dos
profissionais sem o grau de licenciatura, embora com restrições, como sejam os
médicos formados pela Escola Médico-Cirúrgica de Goa, pela Escola Médica do
Funchal e diplomados com o curso da Escola de Farmácia de Coimbra
(Rui Baptista, “Correio da Manhã”, 06/03/19969).
Todavia, embora o reputado filósofo e sociólogo francês, Pierre Bordieu, tenha defendido
que “só uma política inspirada pela preocupação de atrair e promover os
melhores, esses homens e mulheres de qualidade que todos os sistemas de
educação sempre celebraram, poderá fazer do ofício de educar a juventude o que
ela deveria ser: o 1.º de todos os ofícios”, em Portugal vigora o princípio de
habilitações diferentes para o mesmo grau de ensino. Assim, a título de mero
exemplo, antes do Processo de Bolonha, a habilitação para a docência da
Matemática, no 2.º ciclo do básico, tanto contemplava uma licenciatura universitária
em Matemática como uma licenciatura pelas escolas superiores de educação
habilitando para ministrar, simultaneamente, esta disciplina e Ciências da Natureza
fazendo, como tal, jus à maior das injustiças. Ou seja, a de igualar desiguais
dando, com isso, ar de virtuosa medida a
uma medida de duvidosa moral!
Relevando, com toda a
justiça, a posição amplamente favorável
do CDS/PP, aquando da discussão na Assembleia da República sobre a criação da
Ordem dos Professores, sem querer beliscar a idoneidade do relator do referido
parecer, o deputado João Bernardo, professor do 1.º ciclo do ensino básico,
e vice-secretário-geral do SINDEP
(sindicato desfavorável à criação de uma Ordem dos Professores), não posso deixar de
registar o facto de se mostrar ele reservado nesta matéria por recear que ela, em palavras suas, “se confunda com os
legítimos representantes dos interesses laborais das diversas classes
profissionais”. Este receio é tanto mais insólito por o artigo 267.º da
Constituição Portuguesa impedir essa sobreposição de poderes em seu texto:
“As associações públicas não podem exercer funções das associações sindicais e
têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na
formação democrática dos seus órgãos”.
Se outros motivos não
houvesse (mas há-os, e muitos!), estes os suficientes para a urgente criação de
uma Ordem dos Professores sem se deixar enfeudar por interesses sindicais e/ou das escolas de formação de professores para
que “não insultemos a democratização pela
mediocratização de tudo”, como escreveu
o catedrático jubilado António Manuel Baptista. Finalmente, este meu texto mais não pretende
que chamar a atenção do próprio Ministério da Educação e Ciência para o facto de a
criação de uma Ordem dos Professores dever ter em atenção a acção valiosa do
Sindicato Nacional dos Professores Licenciados em representação dos legítimos interesses
dos licenciados por universidades que tão maltratados têm sido por acções
sindicais em prol da
proletarização da função docente. A Ordem dos Professores peca por tardia. Mas, como nos diz o povo, "mais vale tarde do que nunca".
2 comentários:
Professor Rui Baptista;
No meu estudo sobre a obra do Professor Bento de Jesus Caraça, e em leitura que fiz da conferencia "As Universidades Populares e a Cultura" encontro a seguinte observação:
"(...) era preciso proceder a uma renovação constante, pois o professor, desde que seja funcionário publico, sente uma tendência - a lei do menor esforço - para a cristalização dos métodos de ensino. É necessária essa renovação nas pessoas e nos métodos; a classe dos professores não deve nunca descansar sobre os resultados conseguidos na véspera."
Professor Rui Baptista, como combater isto?! eu penso que as coisas se não são assim, muito pouco evoluíram, ou não evoluíram o desejável; Assim sendo, qual seria o papel de uma Ordem dos Professores no combate a esta realidade?
Obrigado.
Engenheiro Ildefonso Dias: Em resposta a este seu comentário,encontro-me a preparar um novo post que penso publicá-lo ainda hoje com o título: "Já agora, a Ordem dos Professores e a Fenprof".
Cumprimentos cordiais,
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