Se é certo que a política é uma ciência que se estuda e ensina, da qual, devo começar por dizer, não tive escola, a política partidária afigura-se-me como uma arte que visa adaptar a dita ciência ao sabor de interesses, nem sempre confessados, pela qual nunca me senti atraído e pela qual me não deixei envolver, logo ensinada às juventudes partidárias e bem aprendida por estas, como está bem à vista, e apenas para citar dois exemplos, na actuação de dois dos seus rapazes mais brilhantes, bem parecidos, bem falantes e convencidos, mas sem a imprescindível preparação e experiência de vida: o que recebeu de nós a missão de governar e o que, por direito e dever, assume o principal papel da chamada oposição.
Na Grécia antiga, cidadão era aquele - nunca aquela - que gozava do direito de participar na vida política da cidade, um direito igualmente vedado a estrangeiros e a escravos. Mais tarde, na Europa, e até finais do século XVIII, foi condição de dignidade do homem – nunca da mulher - que recebia esse título honorífico. A cidadania plena é uma vitória das ideias do iluminismo e do liberalismo, saídas do pensamento de John Locke, naturalista, filósofo e político inglês do século XVII. Visa a valorização de todos os indivíduos e encoraja a cooperação entre eles, sem estabelecer distinções de sexo, de idade, de religião, de etnia ou de condição sociocultural, num propósito bem assumido de desenvolvimento das suas formações ética e estética, das suas faculdades intelectuais e profissionais e do seu bem-estar físico e social.
Há quase dois séculos e meio, Pierre Auguste Beaumarchais, dramaturgo francês, autor dos textos que inspiraram as óperas “O Barbeiro de Sevilha”, de Rossini, e “As Bodas de Fígaro”, de Mozart, gritava para uma multidão, em Paris: «Não sou nem um cortesão nem um favorito. Sou um cidadão!». Tendo por meta a defesa intransigente da liberdade individual contra a autoridade ilegítima, a cidadania ganhou dimensão com a Revolução Francesa, vingou com a tomada da Bastilha e afirmou-se com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789 (na figura ao lado). A cidadania nasceu, assim, fundamentada na liberdade, na igualdade e na fraternidade.
A liberdade, por enquanto, está bem de saúde e recomenda-se. Conquistámo-la nós, portugueses da minha geração, há quase quatro décadas, não o esqueçamos, graças aos capitães de Abril, com cravos nos canos das espingardas. Essa liberdade temos sabido defendê-la e conservá-la e uma das evidências dessa sabedoria foi dada pelas centenas de milhares de homens e mulheres de todas as idades que, no último Sábado, saíram civilizadamente à rua, por todo o País, numa manifestação de maturidade e cidadania ímpares.
Porém, a igualdade e a fraternidade estão cada vez mais longe de atingir o patamar eticamente exigível e legitimamente esperado pela esmagadora maioria dos povos e, entre eles, os portugueses, que o mundo do dinheiro na sociedade dita do desenvolvimento tem vindo e continua a negligenciar ou, pior ainda, a explorar.
Uma das formas de combater as flagrantes desigualdades e injustiças que, ao invés das esperanças de Abril, têm vindo a agravar-se, é alargar a cidadania onde for preciso, criá-la onde ela anda esquecida, e encorajar o cidadão a fazer pleno uso dela, como contribuição pessoal no tecido social de que é parte. Neste capítulo estamos no bom caminho. Vamos em frente! E que cada um se regozije e envaideça com a expressão inteligente e ordeira da unidade de um povo que mostrou no passado dia 15 de Setembro.
Com esta grandiosa manifestação, Portugal deu ao Mundo uma magnífica lição de cidadania.
Galopim de Carvalho
1 comentário:
Muito bem, Senhor Professor!!
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