quarta-feira, 29 de agosto de 2012

JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA (1763-1838)

Novo texto do Professor Galopim de Carvalho.

Considerado o primeiro geólogo das Américas, foi também o primeiro geólogo e o primeiro mineralogista português. Mas a sua actividade científica não se limitou a estes campos do saber. Naturalista de formação, teve ainda papel relevante em áreas como a prospecção e exploração mineiras, a silvicultura, as pescas, os solos, entre outras. Evocado nos dias de hoje, sobretudo, como patriarca da independência do país irmão, deixou o seu nome ligado não só, do outro lado do Atlântico, à formação do Império do Brasil, como à causa liberal que aqui, em Portugal, pôs fim à monarquia absolutista e abriu as portas à via constitucional.

Nascido em Santos, de família paulista de ascendência nobre, oriunda do Minho, de entre Homem e Cávado e Cabeceiras de Basto, este «bandeirante da mineralogia e da arte das minas», como lhe chamou Portugal Ferreira (1986), veio para Portugal a fim de cursar a Universidade de Coimbra onde obteve, em 1788, as cartas de bacharel e de formatura em Leis e a de bacharel em Filosofia Natural (nome que então se dava às Ciências Naturais).

Foi seu professor o Dr. Domingos Vandelli (1735-1816), eminente naturalista italiano (convidado pelo Marquês de Pombal para ensinar em Portugal), com quem estudou Mineralogia, Geognósia (antiga designação da disciplina de Geologia) Botânica e Zoologia. Um ano depois, por iniciativa do académico e seu amigo duque de Lafões, José Bonifácio era admitido na Academia de Ciências de Lisboa, de que foi membro ilustre e secretário-geral a partir de 1812.

Como «pensionário» (bolseiro) da Coroa, reinava então D. Maria I, e por proposta da Academia das Ciências, Andrada e Silva iniciou, em 1790, um vasto e proveitoso périplo pela Europa, quer para frequentar alguns dos mais prestigiados centros de ensino superior, quer para realizar estágios e visitas a importantes explorações mineiras, numa peregrinação de dez anos, visando aprofundar a sua preparação nos domínios da Filosofia Natural e da Metalurgia. Na Escola de Minas de Paris, e durante o período mais quente da Revolução Francesa, estudou com René-Just Haüy, o fundador da cristalografia, e, em 1792, apresentou à Société d’Histoire Naturelle de Paris um interessante estudo, Mémoire sur les diamants du Brésil. Em seguida frequentou, na Alemanha, a célebre Academia de Minas de Freiberga, onde estudou Mineralogia e Geognósia com o prestigiado professor Abraham Gottlob Werner e onde teve, como condiscípulos, outro luso-brasileiro ilustre, Manuel Ferreira da Câmara Bettencourt, e dois grandes nomes da comunidade científica de então, Alexander von Humbolt e Friedrich Mohs. A seguir a esta fase, estagiou em fundições da Saxónia, do Tirol e outras, assistiu às lições de Alessandro Volta, em Pádua, e estudou em Pavia.

Nos últimos anos destas suas viagens pela Europa, José Bonifácio visitou ainda as mais importantes jazidas mineiras da Escandinávia, de Inglaterra, dos Balcãs, da Suíça, da Itália e da Turquia, onde consolidou a sua preparação geológica e mineralógica.

Como mineralogista, este lusodescendente publicou, em Paris e Leipzig, trabalhos de reconhecido mérito e deles constam, entre outros, a descoberta e caracterização de alguns minerais. Em sua honra, um dos mais notáveis mineralogistas, o americano James Dwight Dana (1813 - 1895), autor do celebérrimo Sistema de Mineralogia, deu o nome de andradite, em 1868, a uma espécie do grupo das granadas, perpetuando, assim, a sua memória entre a comunidade científica.

Regressado a Portugal, em 1800, aureolado de grande prestígio internacional, Andrada e Silva foi, nomeado Intendente-geral das Minas e Metais do Reino. Em 1804, sob os seus auspícios, iniciou-se a exploração do carvão em São Pedro da Cova. Do seu currículo, para além dos cursos, estágios e trabalhos publicados, consta a qualidade de membro de várias e prestigiadas sociedades científicas europeias, como as de Paris, Berlim, Londres e Edimburgo, e ainda das Academias das Ciências de Lisboa e de Estocolmo. Deve-se a este estudioso a descoberta: da espodumena e da petalite, dois silicatos de alumínio e lítio; da criolite, um fluoreto de alumínio e sódio; da indicolite, uma turmalina de cor azul, e da wernerite (variedade de escapolite), um aluminossilicato de sódio e cálcio, que assim designou em homenagem ao que foi seu mestre, A. G. Werner, na Academia de Minas de Freiberga.

Foi então criada, na Universidade de Coimbra, a cadeira de Metalurgia, que lhe foi destinada e que regeu como lente, tendo-lhe sido conferido o grau de Doutor em 1802. José Bonifácio manteve essa regência até 1807, por ocasião da primeira invasão francesa, altura em que, no posto de major, integrou um batalhão académico de luta contra o invasor. Entre outros cargos que assumiu, e nos quais deixou nome, contam-se os de administrador das minas de carvão de Buarcos e de São Pedro da Cova, das Ferrarias da Foz do Alge e, ainda, de director do Laboratório de Docimasia da Casa da Moeda.

José Bonifácio esteve também ligado à prospecção e exploração das aluviões auríferas da Adiça, na Caparica (Minas do Príncipe Regente). A sua grande preocupação com a pesquisa do carvão e do ferro indicam-no, por outro lado, como elemento destacado da corrente fisiocrática que, em Portugal, abriu caminho à Revolução Industrial. Como membro e secretário-geral da Academia das Ciências de Lisboa deixou importantes memórias (algumas perderam-se), tendo feito acérrima defesa do sistema métrico decimal, não obstante a má vontade dos seus colegas, por razões ligadas à origem francesa, então de má memória, do sistema.

Em 1819 despediu-se dos seus pares e anunciou o seu regresso ao Brasil. Chamavam-no as primeiras manifestações a favor da independência da grande colónia, causa a que iria associar-se inteiramente, chegando a ser uma das mais destacadas figuras na constituição do novo império. Andrada e Silva regressou à terra natal, trinta e seis anos depois da sua chegada à “Lusitânia”, como se referia à pátria-mãe.

Em 1822, com a proclamação da independência, foi investido como ministro de D. Pedro I, cargo efémero, mas suficiente para pôr em relevo as excepcionais qualidades que lhe valeram a inveja e a inimizade de uns tantos. Afastado do governo em 1823, acusado de conspirador, foi preso no dia da dissolução da Assembleia Constituinte e deportado para Bordéus. Após cinco anos de exílio, regressou ao Brasil, tendo sido nomeado tutor de D. Pedro II. De novo acusado de conspirar por dentro do próprio Paço Imperial, foi novamente preso e colocado com residência fixa na ilha de Paquetá, onde faleceu em 1838.

Passados que foram os ânimos desses tempos conturbados e serenadas as paixões, reconhece-se-lhe hoje a acção que realizou em prol do novo e grande país, tendo conseguido consolidar a independência e garantido a integridade do território, graças à sua inesgotável energia, firmeza de carácter e sentido diplomático. Por ter evitado a divisão do imenso território em pequenos estados, os brasileiros chamaram-lhe o ministro da Unidade Nacional e consideram-no o Patriarca da Independência do Brasil e o Pai da Pátria, tendo-lhe erigido, em 1872, uma estátua em bronze, no Rio de Janeiro, nas comemorações dos cinquenta anos de independência.

É deste homem a ideia de uma cidade central no interior do Brasil. O ponto indicado, segundo ele, era Paracatu, e o nome dessa cidade seria Brasília, vontade que se cumpriu com a inauguração da capital em 21 de Abril de 1960.

O Museu Mineralógico e Geológico da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade de Coimbra, tem hoje o nome de José Bonifácio de Andrada e Silva, antigo lente que elegeu como patrono, estando o seu busto em local de destaque na galeria de mineralogia. Um outro busto seu existe na Academia das Ciências de Lisboa, evocando o ilustre membro que foi desta instituição.

Do outro lado do Atlântico, na outra pátria de José Bonifácio, o seu retrato em pintura mural está igualmente presente entre os esplêndidos minerais da galeria de mineralogia da Escola de Minas de Ouro Preto, em Minas Gerais.

Galopim de Carvalho

2 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Os artigos eruditos
de Galopim de Carvalho
além de muito bonitos
revelam muito trabalho!

JCN

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Ao Prof. Galopim de Carvalho em memória ao Acadêmico José Bonifácio de Andrada e Silva.





Qüididade



Bela é a natureza do reino mineral,
sábias estructuras e hábeis molduras
retractadas em quão cândiadas figuras
ditam a criatura: pedra é fundamental.

Blenda e siderita o quartzo e malaquita,
por tam extraordinários os ais e detalhes
a ágata, a opala, o lápiz-lazúli e lepidolita,
ah! Seriam quantas esferas sem entalhe?!

O âmbar é compreensão, uma música
e a imaginação teria a perita cúbica
na forma a precisão em quilate o lente

que do topázio ao diamante é nuance alva
a expressão José Bonifácio de Andrada e Silva
na lavra, vossa luz saudade é amor presente.

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