quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Um pro­blema clás­sico

A acção profissional, independentemente da área em que a consideremos, não pode deixar de ser influenciada pelos modos de pensar sociais, para os quais ela própria também contribui.

Isto a propósito de texto antes publicado, onde questiono a atitude de alguns profissionais de alguns meios de comunicação jornalística (sublinho alguns para evitar a tentação incorrecta de generalização).

Efectivamente, numa sociedade bastante desorientada em relação ao valor da privacidade e da intimidade, que conduta devem ter os profissionais? Assumir esse valor e pautar a sua conduta por ele, arriscando não cumprir o que lhe é exigido em termos institucionais ou de empresa ou relativizá-lo e alienar as barreiras que impõe, cumprindo índices de produtividade ou outra coisa qualquer que pareça brilhar?

Trata-se de um dilema que nem sempre se afigura com contornos bem definidos e muito menos remete para vias de solução inequívocas.

José Quei­rós, provedor do leitor do jornal Público, num artigo intitulado Fronteiras éticas na busca da verdade, no passado dia 12 de Agosto, analisa em detalhe este dilema a propósito de um certo trabalho jornalístico em que se dão a conhecer dados pessoais dispensando-se a autorização de quem se falava.
"A deon­to­lo­gia jor­na­lís­tica não é uma ciên­cia exacta. Por trás de uma deci­são edi­to­rial con­tro­versa esconde-se fre­quen­te­mente um con­flito entre valo­res con­tra­di­tó­rios, para o qual as nor­mas da ética pro­fis­si­o­nal não são uma bús­sola à prova de erro. Pon­de­rar os valo­res em con­fronto numa situ­a­ção desse tipo e deci­dir quais devem pre­va­le­cer é a prova mais difí­cil a que estão sujei­tos os res­pon­sá­veis de um órgão de comu­ni­ca­ção. É na his­tó­ria des­sas esco­lhas que prin­ci­pal­mente se funda a repu­ta­ção de um jor­nal de qua­li­dade e referência (...).
A imprensa de qua­li­dade é fre­quen­te­mente con­fron­tada com um pro­blema clás­sico no que res­peita à divul­ga­ção de infor­ma­ções que repre­sen­ta uma inva­são inde­vida da vida pri­vada (...). Se recusa fazê-lo, mas vê esses dados (ver­da­dei­ros ou fal­sos, não importa) serem lan­ça­dos com estrondo no espaço público pelos media de voca­ção tablóide, passa a ter de esco­lher entre man­ter o silên­cio ini­cial ou quebrá-lo face a uma medi­a­ti­za­ção que pode ela mesma, por vezes, con­fe­rir inte­resse público a um tema que à par­tida não o tinha.
Este é um terreno escorregadio, onde convirá evitar cedências fáceis, mas em que deverão prevalecer as noções de serviço público e de esclarecimento dos factos (...).
Neste caso, julgo que o Público fez bem em noticiar a diligência judicial que permitiu repor a verdade face a suspeitas de crime lançadas por outros órgãos de comunicação, que fez bem em querer. aprofundar o tema (...). Resta saber se, para o con­se­guir, tinha o direito de reve­lar, sem auto­ri­za­ção espe­cí­fica do pró­prio, dados da vida pri­vada e da his­tó­ria clí­nica de um cida­dão cujo nome e local de habi­ta­ção são reve­la­dos.
Não é por acaso que se lê no esta­tuto edi­to­rial do Público que este jor­nal “reco­nhece como seu único limite o espaço pri­vado dos cida­dãos” e que as suas nor­mas con­si­de­ram “vio­la­ção da pri­va­ci­dade” a “divul­ga­ção de fac­tos da vida pes­soal” e a “explo­ra­ção de (…) dra­mas de natu­reza pes­soal ou fami­liar”, e esta­be­le­cem como regra que “o direito à pri­va­ci­dade sobre­leva o direito e o dever de infor­mar” (...).
Estes são, de facto, valo­res fun­da­men­tais."

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