A acção profissional, independentemente da área em que a consideremos, não pode deixar de ser influenciada pelos modos de pensar sociais, para os quais ela própria também contribui.
Isto a propósito de texto antes publicado, onde questiono a atitude de alguns profissionais de alguns meios de comunicação jornalística (sublinho alguns para evitar a tentação incorrecta de generalização).
Efectivamente, numa sociedade bastante desorientada em relação ao valor da privacidade e da intimidade, que conduta devem ter os profissionais? Assumir esse valor e pautar a sua conduta por ele, arriscando não cumprir o que lhe é exigido em termos institucionais ou de empresa ou relativizá-lo e alienar as barreiras que impõe, cumprindo índices de produtividade ou outra coisa qualquer que pareça brilhar?
Trata-se de um dilema que nem sempre se afigura com contornos bem definidos e muito menos remete para vias de solução inequívocas.
José Queirós, provedor do leitor do jornal Público, num artigo intitulado Fronteiras éticas na busca da verdade, no passado dia 12 de Agosto, analisa em detalhe este dilema a propósito de um certo trabalho jornalístico em que se dão a conhecer dados pessoais dispensando-se a autorização de quem se falava.
"A deontologia jornalística não é uma ciência exacta. Por trás de uma decisão editorial controversa esconde-se frequentemente um conflito entre valores contraditórios, para o qual as normas da ética profissional não são uma bússola à prova de erro. Ponderar os valores em confronto numa situação desse tipo e decidir quais devem prevalecer é a prova mais difícil a que estão sujeitos os responsáveis de um órgão de comunicação. É na história dessas escolhas que principalmente se funda a reputação de um jornal de qualidade e referência (...).
A imprensa de qualidade é frequentemente confrontada com um problema clássico no que respeita à divulgação de informações que representa uma invasão indevida da vida privada (...). Se recusa fazê-lo, mas vê esses dados (verdadeiros ou falsos, não importa) serem lançados com estrondo no espaço público pelos media de vocação tablóide, passa a ter de escolher entre manter o silêncio inicial ou quebrá-lo face a uma mediatização que pode ela mesma, por vezes, conferir interesse público a um tema que à partida não o tinha.
Este é um terreno escorregadio, onde convirá evitar cedências fáceis, mas em que deverão prevalecer as noções de serviço público e de esclarecimento dos factos (...).
Neste caso, julgo que o Público fez bem em noticiar a diligência judicial que permitiu repor a verdade face a suspeitas de crime lançadas por outros órgãos de comunicação, que fez bem em querer. aprofundar o tema (...). Resta saber se, para o conseguir, tinha o direito de revelar, sem autorização específica do próprio, dados da vida privada e da história clínica de um cidadão cujo nome e local de habitação são revelados.
Não é por acaso que se lê no estatuto editorial do Público que este jornal “reconhece como seu único limite o espaço privado dos cidadãos” e que as suas normas consideram “violação da privacidade” a “divulgação de factos da vida pessoal” e a “exploração de (…) dramas de natureza pessoal ou familiar”, e estabelecem como regra que “o direito à privacidade sobreleva o direito e o dever de informar” (...).
Estes são, de facto, valores fundamentais."
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