Mas tanto a frase do polícia como a do treinador não conseguem bater uma outra com um duplo "em termos de" do Comandante José Vicente Moura, eterno Presidente do Comité Olímpico Português. Declarou ele, a 14 de Julho passado, em registo da Lusa “a margem da” (é o que diz o despacho) cerimónia de homenagem a Francisco Lázaro, o atleta português que faleceu há cem anos, na maratona de Estocolmo de 1912, durante a primeira participação olímpica portuguesa.
"As minhas previsões não são muito optimistas em termos de pódio, mas não em termos de final. Às vezes, as coisas acontecem, há quatro anos enganei-me e espero que me volte a enganar novamente em Londres."
Todos estão lembrados da autoreferência. Nos Jogos Olímpicos de Pequim, o presidente tinha prometido uma mão-cheia de medalhas para a representação nacional. Após a desqualificação de Naide Gomes, e muito descoroçoado por não cumprir o prometido, afirmou que não se voltaria candidatar-se ao lugar. Mas depressa deu o dito por não dito, passando a ser candidato, quando Nelson Évora ganhou uma medalha de ouro no triplo salto. E lá continuou em funções. Às vezes as coisas acontecem e, dessa vez, uma coisa tinha acontecido "em termos de medalhas”. Já nos Jogos Olímpicos de Londres, as coisas não têm, pura e simplesmente, acontecido. O presidente bem gostava de se ter enganado, mas até agora não se enganou. Para compensar a falta de lugares no pódio, ainda espera que alguma coisa aconteça "em termos de" final. No final, tavez se volte a candidatar, não se sabe.
Com o país adormecido pelo calor estival e indolente pela continuação da crise quase ninguém reagiu. Só Francis Obikwelu, medalha de prata nos 100 metros em Atenas, não teve pejo em criticar o primarismo das declarações de Vicente Moura: "Um presidente não pode dizer isso. É necessário dar confiança aos atletas que estão nos Jogos." Um comandante assim desautorizado não tem aptidões para ir leme. O navio vai, como não podia deixar de ir, à deriva. Cada atleta entregue a si próprio, cada um esforçando-se certamente por responder às expectativas pessoais e alheias. Mas estas últimas eram bastante baixas, eram quase só a de marcar presença. Um sintoma da falta de liderança foi o abandono indisciplinado de uma atleta da prancha a vela. Houvesse um Comandante atento no seu posto desde a partida e ela nem sequer teria embarcado.
Já que o responsável pelo Comité Olímpico Português é oficial da Marinha reformado (o título de comandante vem daí), não será desadequada uma comparação naval. Imagine-se o que seria se o Comandante do Costa Concordia dissesse: “As minhas previsões não são muito optimistas em termos de salvamento do navio, mas não em termos do meu salvamento. Às vezes as coisas acontecem. Já me enganei várias vezes e espero agora enganar-me novamente."
Com o comandante mentalmente ausente da nossa representação olímpica, o imediato revela-se também capaz de liderar. Mário Campos, responsável pela missão portuguesa e Presidente da Federação de Canoagem, perante o desastre dos resultados, não diz "em termos de", mas atribuiu a culpa ao povo português: "Sinto mágoa de muitas das pessoas em Portugal não terem a cultura desportiva suficiente para valorizar muitos dos resultados que foram aqui obtidos (…). Infelizmente, tenho a noção da pouca cultura desportiva que o nosso país tem.”
Pode até ser que tenha razão a respeito da falta de cultura desportiva em Portugal, reflexo, aliás, da falta de exigência para connosco próprios em quase tudo, mas ele não está ali na qualidade de comentador. Ficar-lhe-ia bem dizer isso num canal televisivo mas não na cadeira de chefe de missão, onde a última coisa que deve fazer é criticar os espectadores. Claro que queremos melhor. Que mal há em ser exigente e querer ver atletas lusos no pódio?
Nos jogos de 1912 um carpinteiro que treinava a correr nas ruas de Lisboa atrás dos eléctricos morreu em prova sem qualquer apoio. Hoje, no tempo em que os apoios são desmesuradamente maiores, honrar a sua memória será, no mínimo, não dizer disparates.
Pode até ser que tenha razão a respeito da falta de cultura desportiva em Portugal, reflexo, aliás, da falta de exigência para connosco próprios em quase tudo, mas ele não está ali na qualidade de comentador. Ficar-lhe-ia bem dizer isso num canal televisivo mas não na cadeira de chefe de missão, onde a última coisa que deve fazer é criticar os espectadores. Claro que queremos melhor. Que mal há em ser exigente e querer ver atletas lusos no pódio?
Nos jogos de 1912 um carpinteiro que treinava a correr nas ruas de Lisboa atrás dos eléctricos morreu em prova sem qualquer apoio. Hoje, no tempo em que os apoios são desmesuradamente maiores, honrar a sua memória será, no mínimo, não dizer disparates.
Carlos Fiolhais
3 comentários:
rcesarmonteiro@gmail.com
Caríssimo Professor Fiolhais:
Boa noite.
Permita-me que transcreva uma carta que enviei para o Jornal Público (e que vai ao encontro do seu post):
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Date: Fri, 5 Jun 2009 12:21:07 +0100
Subject: Vicente Moura e o COP...Inadmissível!
From: rcesarmonteiro@gmail.com
To: cartasdirector@publico.pt
"Fiquei estupefacto ao ler a notícia “Investimento do Estado face a Pequim sobe 600 mil euros” (in Público de 04-06-2009 p.34), não por inferir que a participação portuguesa nos próximos jogos olímpicos será, mais uma vez, efémera (facto expectável, num país com uma cultura desportiva medíocre que alimenta em exclusividade a histeria de mundiais e europeus de futebol – competições nas quais a selecção nacional ostenta um curriculum banalíssimo!), mas tão somente por (re)constatar que o desbocado Vicente Moura foi reconduzido na liderança dos destinos do Comité Olímpico Português... Inadmissível! Um dirigente máximo (ou mínimo?... vaidoso e irresponsável ou simplesmente senil?) que profere tão despropositadas declarações (anunciando uma suposta demissão, enquanto Nélson Évora - entre outros - se encontrava ainda em prova), colocando interesses próprios acima dos interesses dos atletas (a reboque dos quais foi a Pequim) e do país, deveria ser perpetuamente erradicado de todo o tipo de funções relacionadas com o movimento olímpico português!
Só num país em que se exalta e adula a mediocridade, Vicente de Moura pode (ainda) desempenhar as funções que ufanamente desempenha…
César Monteiro - Coimbra
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p.s.: Caro professor Fiolhais - Apenas um insignificante alerta para as gralhas e apenas gralhas de digitação no texto postado... é que algumas frases tornam-se ininteligívies o que é uma pena! Exemplo. "... Imagine-se o que seria Português é oficial da Marinha (o título de comandante daí), não será desase o Comandante do Costa Concordia: ..."
Grande Abraço
Rodrigo
Todo o ser humano luta
por no pódio ter lugar
nem que por vezes à bruta
o tenha de conquistar!
JCN
Pódio quantos o querem?!
Bem mais perto ou estar,
o vislumbrar sem exagero
estimando em lá, chegar.
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