A verdade e a certeza, palavras a que Karl Popper atribuiu sentidos epistemológicos distintos mas que, em geral, são entendidas como sinónimos, soam, umas vezes de forma maravilhosa outras de forma terrível. E isto independentemente da área de conhecimento em que nos situemos: científico, religioso, filosófico, artístico, legal...
Porém, quando tentamos apreender a essência das duas ditas palavras nas diversas área de conhecimento, percebemos que em algumas elas dependem mais do carácter da pessoa ou pessoas que lhes imprimem um determinado sentido e noutras dependem mais de fundamentos objectivos como que dispensando quem sobre elas se pronuncia.
Por exemplo, na área da ciência as verdades são, como se sabe, difíceis de se conseguirem, mas porque decorrentes de provas empíricas, ainda que sob a constante sombra da dúvida e mesmo que por breves períodos de tempo, apresentam-se distintas do entendimento de cada um. A segurança da prova permite afirmar verdades não dependentes da própria pessoa que as afirma, da sua individualidade, da sua identidade, do seu "eu".
O mesmo não acontece na área da filosofia, onde certos raciocínios, ainda que obedecendo a leis da lógica, convocam de modo directo o "eu" do autor. E quando o autor tem uma perspectiva, "uma convicção", "uma evidência" que destoa do comum, tornado senso-comum, é o seu carácter, a fortaleza do seu carácter, que permite afirmar uma ideia e persistir nela.
Albert Camus foi um desses raros autores que, na procura de verdades, cedo chegou a ideias que, na altura em que as deu a conhecer, estavam longe receber acolhimento. A temível solidão do pensar não o demoveu, a segurança nos seus raciocínios tornaram-no distinto de tantos outros e maior do que tantos outros. Assim o explica Jean Daniel, seu amigo a propósito do lançamento da bomba de Hiroxima, faz amanhã sessenta e sete anos:
"Maravilhei-me um dia perante Camus por ele ter podido encontrar, tão jovem e com tanta facilidade, a força para se opor, a todos os seus, quando resolveu indignar-se, e com que soberba, pelo facto de a explosão da primeira bomba atómica sobre Hiroxima podia ter sido saudada com um entusiasmo sem reticências. Negligenciando o facto (enorme, gigantesco!) de a nova invenção anunciar o fim da guerra, Camus receava já encontrar o homem na posse dos meios de destruir não só o inimigo, como a sua espécie. É preciso compreender em que consistiu a solidão desse grito e a coragem insólita de, na época, publicar a sua expressão. Como nos podemos escutar a nós mesmo quando somos os únicos a pensar? Como termos confiança em nós mesmos? Perguntas que sempre me haveriam de atormentar. Como poderemos ousar persuadir-nos de que estamos certos quando aqueles que admiramos discordam de nós?
A minha pergunta precipitou o antigo editorialista do Combat num abismo de silenciosa reflexão: reconstituía as condições de solidão passada no momento do artigo sobre Hiroxima. E acabou por me responder com uma convicção grave, mas ao mesmo tempo jubilatória. Disse-me que acontece que se sente, mesmo no âmago do peito, surgir uma evidência que não é a dos outros, em suma, uma evidência contra a moda dos tempos. Mas talvez, acrescentou, parecendo encontrar lentamente a sua verdade, o intelectual deva ser antes de mais «um homem que sabe resistir à moda dos tempos».
Extracto retirado do livro Com Camus: Como aprender a resistir, de Jean Daniel (Temas e Debates /Círculo de Leitores, 2009).
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