Karl Marx, na sua Critique des Programmes Socialistes de Gotha et d'Erfurt (IV-A. - Libre fondement de l'État), publicado em 1875, considerava que não se podia falar no «Estado actual», o do Império prusso-alemão, como se constituísse um modelo padrão predefinido, uma expressão genérica, adoptado por todos os países, pelo que, falar do «Estado actual» era uma ficção. E acrescentava que o «Estado actual» muda com a fronteira, ou fica na fronteira porque, passada esta, outro «Estado actual» existirá sempre, considerando que cada país contém a história da sua formação e da adopção do/s regime/s do seu Estado, e nada é igual entre as ditaduras, nem semelhanças morfológicas entre as democracias.
Esta leitura marxiana permite avançar com algum trabalho analógico relativamente à “Educação Física” que, tal como o Estado, também muda com a fronteira. E, de quanto aqui se pode argumentar sobre a matéria, concluir que cada Estado tem a sua “Educação Física” que em nada se assemelha à dos outros Estados, embora pareça estarmos em presença do mesmo âmbito, com a agravante de se poder constatar que o mesmo acontece, dentro de cada Estado, porque, dentro das suas fronteiras, a “Educação Física” muda também com a fronteira administrativa, e a fronteira urbana, quando não, dentro da urbe, com a fronteira de cada unidade universitária, e, de cada unidade politécnica.
Sabe-se como se forma, em cada uma, mas não o que se forma. Daí a asserção de que há tantas “Educações Físicas” quantos os formados, isto é, micro-Educações-Físicas; e, tantas quantos os Estados, isto é, macro-Educações-Físicas. O que aumenta as dissemelhanças entre todas elas e levanta a hipótese de que a “Educação Física”, desde que saiu da sua matriz – a Medicina – perdeu o seu norte e multiplicou-se desproporcionalmente na busca de si mesma porque deixou de ser puericultural e higiénica, cabendo agora, a quem dela se apropriou, dar-lhe nova roupagem para se saber o que dentro dela vai. Mas, quanto mais procura, mais se perde na rede que continua a tecer, ao pesquisar designações que melhor se adequem ao tecido que ainda não encontraram e se lhe possa adapte em pleno.
Há um caso paradigmático que melhor define este discurso ambulatório para que a clareza não obnubile o entendimento. E como o problema é universal, entremos na fronteira brasileira onde os percalços metodológicos se revelam, enfatizam e permitem trazer alguma luz sobre os Estados da Educação Física.
A revista Movimento, publicada pela Escola de Educação Física da Universidade Federal de Rio Grande do Sul, e cujo objectivo é divulgar pesquisas sobre a “Educação Física”, resolveu indagar da sua identidade, publicando nos números 1 e 2, de 1994 e 1995, uma secção denominada Textos Polémicos, e onde levantou uma questão que se eterniza: “Mas afinal, o que é Educação Física?”.
No primeiro número expôs as suas razões, um dos professores da referida Escola, Adroaldo Gaya, titular no Departamento de Educação Física e no Programa de Pós Graduação em Ciências do Movimento Humano. Considerando que também “se dedica à área de Educação Física, actuando principalmente nos seguintes temas: epistemologia e metodologia da pesquisa em ciências do movimento humano”, e sem parecer forçada a analogia, a configuração aparenta-se de alguma forma com a de Guilmar de Oliveira que, de data posterior, 2005, se terá inspirado em Gaya, 1994, ao considerar que a “Educação Física” deverá denominar-se kinesiologia já que, Adroaldo Gaya, nos estudos sobre “Educação Física” optou pela pesquisa em ciências do movimento humano.
Posta esta chamada de atenção importa agora saber como é que este autor respondeu à questão “Mas afinal, o que é a Educação Física?”. Para já põe dúvidas sobre a cientificidade da “Educação Física”, devendo esta considerar-se uma disciplina normativa que, através da prática pedagógica, pretende alcançar objectivos formativos, dadas as suas componentes epistemológica, axiológica e pedagógica. Avança ainda com a convicção de que deve haver apenas uma definição para a “Educação Física”, tal como ocorre com qualquer outro campo profissional, citando, a título de exemplo, o Direito e a Engenharia. Estas teorias de Gaya expostas em 1994, aparecem facsimiladas em Guilmar, em 2005.
O que se afigura estranho e contraditório, é que sendo Gaya de formação europeia, e Guilmar de formação americana, as ideias se ajustem porque Guilmar foi peremptório na condenação das ideias importadas da Europa, levando à apropriação forçada de um conceito filosófico, e adopção no Brasil das mesmas “sem a devida e criteriosa análise da sua pertinência”, donde o estabelecimento de “grande confusão nos meios académicos da Educação Física”.
Posta esta chamada de atenção importa agora saber como é que este autor respondeu à questão “Mas afinal, o que é a Educação Física?”. Para já põe dúvidas sobre a cientificidade da “Educação Física”, devendo esta considerar-se uma disciplina normativa que, através da prática pedagógica, pretende alcançar objectivos formativos, dadas as suas componentes epistemológica, axiológica e pedagógica. Avança ainda com a convicção de que deve haver apenas uma definição para a “Educação Física”, tal como ocorre com qualquer outro campo profissional, citando, a título de exemplo, o Direito e a Engenharia. Estas teorias de Gaya expostas em 1994, aparecem facsimiladas em Guilmar, em 2005.
O que se afigura estranho e contraditório, é que sendo Gaya de formação europeia, e Guilmar de formação americana, as ideias se ajustem porque Guilmar foi peremptório na condenação das ideias importadas da Europa, levando à apropriação forçada de um conceito filosófico, e adopção no Brasil das mesmas “sem a devida e criteriosa análise da sua pertinência”, donde o estabelecimento de “grande confusão nos meios académicos da Educação Física”.
Por sua vez, duas professoras, Celi Nelza Zulke Taffarel, e Micheli Ortega Escobar, escudadas nas relações de produção, pretendem demonstrar que Gaya “desconhece, ou relega por escolha pessoal, a teoria dialética materialista histórica da produção e apropriação social do conhecimento”, apresentando como último argumento que os estudantes brasileiros doutorados na Europa e nos Estados Unidos deviam reconhecer que no exterior só transmitem as "sucatas científicas idealistas". Isto para atingir Gaya que se doutorou na Faculdade do Desporto, no Porto. Guilmar, que se doutorou na América, e que, por sua vez, apenas perfilha que a “sucata científica idealista” só se produz na Europa.
E aqui está como, para falar da “Educação Física”, ou se perde o rumo da controvérsia, ou se chega à conclusão de que a procura da identidade da “Educação Física”, pelo confusionismo vocabular implantado em cada universidade, perdeu o seu interesse, e o melhor é cada pólo universitário viver com a sua identidade criada, mesmo que sucata para os outros.
2 comentários:
Meu Caro João: Acabo de ler este teu post com o proveito que sempre colho numa matéria que te tem merecido o melhor e mais desvelado interesse. Décadas atrás, se bem te lembras, os meios específicos da Educação Física (uma disciplina englobante de várias matérias da actividade física) eram a Ginástica, os Jogos e os Desportos. Entretanto, a Psicologia que no antigo sétimo ano do curso complementar dos liceus (antes do aparecimento das alíneas), de acesso aos ensino superior, era uma matéria inserida na disciplina de Filosofia e que dela se emancipou como qualquer filho que atingida a maioridade abandona a casa paterna (numa altura em que se não fazia sentir a crise actual de desenmprego). Natural se torna, portanto, que o mesmo se tenha passado relativamente ao Desporto (de alta competição) ao alcançar carta de alforria. E tanto assim foi reconhecido que a antiga Faculdade de Educação Física e Ciências do Desporto, da Universidade do Porto, adoptou o nome de Faculdade do Desporto, “tout court”.
Em anterioridade, apareceu a Motricidade Humana de que não discuto o valor epistemológico, embora nela não descortine nada de substancial interesse, salvaguardada uma discussão de natureza filosófica na senda de libertar o Corpo do dualismo cartesiano, aliás, a exemplo da acção meritória de filósofos anteriores. Pega de estaca (?) a Motricidade Humana, em Lisboa, com a criação da Faculdade de Motricidade Humana, da Universidade Técnica de Lisboa, e em certas universidades brasileiras. Nos Estados Unido, Europa, Canadá, Japão (e julgo que na própria China) , por exemplo, nas respectivas faculdades, o nome de Educação Física mantém-se vivo e de boa saúde. De tanta e tão boa saúde como as medalhas olímpicas alcançadas o atestam na formação dos respectivos atletas a nível escolar, com destaque para o desporto universitário americano.
Desculpa, meu Caro João, o desalinho e a maneira apressada com que redigi estas linhas. Se outro mérito não tiverem, tem elas, contudo, o dom de chamar a atenção para o estudo que acabas de publicar e, acessoriamente, para o facto de e nas três cidades portuguesas, de mais antiga tradição universitária, haver para o estudo da mesma matéria universitária, em Coimbra, a Faculdade de Ciências de Desporto e Educação Física, em Lisboa, a Faculdade de Motricidade Humana, e no Porto, a Faculdade de Desporto. E isto é tanto mais de estranhar pelo seu ineditismo. Em Coimbra, em Lisboa, no Porto, a Psicologia, a Engenharia e o Direito, por exemplo, tem o mesmo nome sem discussões de natureza semântica ou de qualquer outra espécie. Mas talvez eu esteja a ver mal o problema. Concedo, sem qualquer reserva.
Um abraço amigo,
Caro Rui
Grato pelos teus contributos, mas esta matéria é uma história sem fim que, como terás oportunidade de observar, apesar do uso sistemático e permanente da expressão "Educação Física", todos se indagam de que se trata; mas agarram-se a ela como uma bóia de salvação, porque há necessidade de um um instrumento - chama-se-lhe o que quiser - para que se não aponte inexistência de profissão e ausência de matéria que lhe corresponda.
Outros textos virão corroborar o que ora te antecipo.
Um abraço amigo
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