O Estudante de Coimbra ou relâmpagos da história portuguesa de 1826 a 1838, de Guilherme Centazzi (Lisboa, Planeta, 2012), é uma agradável surpresa. A vários níveis.
Na badana esquerda do livro faz-se uma apresentação interessante do autor: «Filho de pai veneziano, naturalizado português e de ascendência genovesa, Guilherme Centazzi nasceu em Faro em 1808. Devido às suas opções políticas liberais, enquanto estudante de Matemática na Universidade de Coimbra, refugiou-se em Paris, onde se doutorou em Medicina. Regressado a Portugal em 1834, dedicou-se à sua prática, tendo escrito e publicado vasta obra neste domínio. Condecorado com a Ordem de Cristo pela sua ação na epidemia da febre-amarela, na década de 1850, foi ainda o inventor dos famosos rebuçados peitorais Dr. Centazzi. Médico conceituado, divulgador científico, músico talentoso, pai de família, maçon, cidadão empenhado, Guilherme Centazzi encontrou ainda tempo e gosto para produzir uma considerável obra literária, de que o exemplo mais importante e acabado será, sem dúvida, este Estudante de Coimbra».
A fixação do texto e as notas são de Pedro Almeida Vieira, que andando a organizar uma base de dados de literatura histórica, o descobriu, desenterrou do completo esquecimento e arranjou maneira que o publicassem. O livro tem ainda um longo posfácio de Maria da Fátima Marinho, da Universidade do Porto, que analisa e enquadra literariamente as obras do autor, centrando-se principalmente neste romance e reconhecendo-lhe qualidade e modernidade.
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O estudante de Coimbra teve duas edições, uma primeira, em três tomos, editada em 1840/41 e outra em 1861. Esta última sofreu algumas alterações no enredo, o texto foi amaciado relativamente a situações e a personagens, para além de lhe ter suprimido o último tomo. Pedro Almeida Vieira optou pela edição de 1840, por razões que me parecem boas, atualizou a ortografia, alterou algumas vezes a pontuação e uma ou outra forma verbal, para tornar o texto mais compreensivo, para além de enriquecer o livro com mais de trezentas notas quase todas interessantes ou mesmo necessárias.
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No final resulta um romance escorreito e desembaraçado, com uma elegância muito própria e com a vantagem preciosa de nos dar um quadro bastante realista, apesar de toda a fantasia que a ficção impõe, do Portugal das lutas liberais.
No seu conjunto este trabalho merece divulgação porque prestou um bom serviço à cultura portuguesa revelando uma obra que tem condições para vir a ganhar relevo na literatura portuguesa e que estava, de forma inexplicável, completamente esquecida.
Por outro lado, Guilherme Centazzi é um espírito vivo, crítico, por vezes cáustico, mas também divertido.
E isso é visível não só no modo como o romance é escrito e em inúmeras situações dele, mas também pelo retrato que de si mesmo faz na orelha direita do livro: «Nasci no Algarve, donde se vê que devo ser grulha, e falador: isto ponho eu já aqui para que os leitores saibam com quem se metem, e depois se não queixem das digressões e moralidades a que sou sujeito, e de que por mais que faça nunca posso mondar de todo o que escrevo: sou pois algarvio, isto é, filho lá das terras que estão mais ao sul de Portugal, formando certa província com a alcunha de reino, que pela natureza do seu clima poderia produzir muitos géneros de ambas as Índias, se bem governados tivéssemos tido a ventura de ver prosperar a nossa indústria, e se o ouro do Brasil nos não tivesse metido nos ossos a mania de ser ricos sem trabalhar, assemelhando-nos aos campos sem cultura aonde só medram plantas estéreis».
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João Boavida
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
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