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A fixação do texto e as notas são de Pedro Almeida Vieira, que andando a organizar uma base de dados de literatura histórica, o descobriu, desenterrou do completo esquecimento e arranjou maneira que o publicassem. O livro tem ainda um longo posfácio de Maria da Fátima Marinho, da Universidade do Porto, que analisa e enquadra literariamente as obras do autor, centrando-se principalmente neste romance e reconhecendo-lhe qualidade e modernidade.
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O estudante de Coimbra teve duas edições, uma primeira, em três tomos, editada em 1840/41 e outra em 1861. Esta última sofreu algumas alterações no enredo, o texto foi amaciado relativamente a situações e a personagens, para além de lhe ter suprimido o último tomo. Pedro Almeida Vieira optou pela edição de 1840, por razões que me parecem boas, atualizou a ortografia, alterou algumas vezes a pontuação e uma ou outra forma verbal, para tornar o texto mais compreensivo, para além de enriquecer o livro com mais de trezentas notas quase todas interessantes ou mesmo necessárias.
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No final resulta um romance escorreito e desembaraçado, com uma elegância muito própria e com a vantagem preciosa de nos dar um quadro bastante realista, apesar de toda a fantasia que a ficção impõe, do Portugal das lutas liberais.
No seu conjunto este trabalho merece divulgação porque prestou um bom serviço à cultura portuguesa revelando uma obra que tem condições para vir a ganhar relevo na literatura portuguesa e que estava, de forma inexplicável, completamente esquecida. Por outro lado, Guilherme Centazzi é um espírito vivo, crítico, por vezes cáustico, mas também divertido.
E isso é visível não só no modo como o romance é escrito e em inúmeras situações dele, mas também pelo retrato que de si mesmo faz na orelha direita do livro: «Nasci no Algarve, donde se vê que devo ser grulha, e falador: isto ponho eu já aqui para que os leitores saibam com quem se metem, e depois se não queixem das digressões e moralidades a que sou sujeito, e de que por mais que faça nunca posso mondar de todo o que escrevo: sou pois algarvio, isto é, filho lá das terras que estão mais ao sul de Portugal, formando certa província com a alcunha de reino, que pela natureza do seu clima poderia produzir muitos géneros de ambas as Índias, se bem governados tivéssemos tido a ventura de ver prosperar a nossa indústria, e se o ouro do Brasil nos não tivesse metido nos ossos a mania de ser ricos sem trabalhar, assemelhando-nos aos campos sem cultura aonde só medram plantas estéreis».
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João Boavida
1 comentário:
Frontalidade a face: austeridade e governo em ternura e opinião.
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