“A força muscular do homem e dos animais domésticos produz 1% de toda a a energia produzida e consumida na Terra, quando em meados do século XIX, produzia 94%” (Alexander Berg, Ph. D. Computer Science).
Ultrapassada, definitivamente, pela Filosofia moderna e pela Ciência actual, a dicotomia cartesiana, ainda que mesmo em herança “de uma época obscura em que o pensamento religioso levava a ver nas belas formas do corpo a obra tentadora do demónio, chegando-se ao ponto de se destruirem as estátuas dos antigos deuses olímpicos” (Athos Francesconi), aquando da discussão das matrizes curriculares para a disciplina de Educação Física, a “Sociedade Portuguesa de Educação Física” (SPEF) apresentou como argumento contraditório o seguinte parecer:“Esta proposta de matriz promove de forma totalmente injustificada e sem qualquer base científica uma redução horária da única área do currículo que contribui directa e decisivamente para a saúde da população infanto-juvenil portuguesa, num contexto em que o país revela a segunda maior taxa de prevalência de obesidade e sobrepeso da Europa, e uma das mais baixas taxas de prevalência de actividade física.”
Ora, esta constatação de uma sociedade científica, representativa dos professores de Educação Física, deverá ter como resultado uma reformulação da maneira de encarar a Educação Física Escolar como meio de actividade física que se não compagina com um passado de enaltecida nediez cantado pelo poeta brasileiro Ribeiro Couto (1898-1963): “Como esta menina está gorda, bonita! / Como está menina está gorda, bonita! / E ela ri de prazer!” Contrariando este conceito de beleza, Ricardo Jorge (1858-1939), catedrático de Medicina, introdutor em Portugal das modernas técnicas de Saúde Pública, escreve: “A plástica opulenta das belas de Ticiano e Rubens está reprovada. Dando-se por mentiroso o nosso velho anexim, ‘dá-me gordura que eu te darei formosura’”.
Ou seja, com vista a uma possível (e necessária?) reformulação dos programas de Educação Física Escolar do nosso país, buscando exemplo no alarme causado no presidente dos Estados Unidos Dwight Eisenhower, na década de 50, pelos fracos resultados no “Teste de Krauss-Weber” (grosso modo, para avaliar a força muscular abdominal e flexibidade da coluna vertebral ), por parte da respectiva juventude, piores que os obtidos em outras países do mundo, por exemplo, Suíça e Japão, criou o “Conselho Para a Capacidade Física da Juventude”. Décadas depois (1980), o "Departamento de Saúde e Serviços Humanos", dos Estados Unidos, emite a recomendação de que “60 por cento dos jovens devem ter aulas de educação física diariamente, 70 por cento devem ser testados periodicamente nos níveis de aptidão física, e 90 por cento devem participar em actividades físicas apropriadas para a manutenção de um efectivo sistema cardio-respiratório”.
Perante situações de insuficiente actividade física dos jovens portugueses, reconhecida pela própria SPEF, defendo que os actuais programas de Educação Física escolar devem ser profundamente alterados retirando-lhes conteúdos teóricos que sobrecarregam os alunos do estatismo trazido da chamadas aulas teóricas em que passam horas e horas do dia sentados em carteiras nem sempre adaptadas à respectiva idade. Facto, agravado, por outro lado, com longas e complexas explicações técnico-tácticas dos desportos a praticar, subalternizando a sua função cardio-respiratória, entregando, possivelmente, essa função para o chamado desporto escolar (embora não devidamente estruturado e acarinhado) ou, preferencialmente, para as escolas de desporto dos clubes cuja finalidade é ser um viveiro de futuros atletas de desporto de alta competição com grande destaque para o futebol.
Como adverte, o Doutor Hans Krauss, Professor de Medicina Física da Universidade de Nova York e um dos criadores do teste acima referenciado, “são poucos os professores de Educação física que demonstram respeito pelos músculos; ao invés de cuidar para que os jovens cresçam com músculos firme e flexíveis, a maioria deles se preocupa apenas em treinar equipas que vençam campeonatos.” Não caberá aqui o nosso velho ditado, “nas costas dos outros lemos as nossas”? Dito de outra maneira, não será altura de contrariar os efeitos hipocinéticos da sociedade contemporânea de que nos fala Alexander Berg e que atinge a nossa juventude numa sociedade em que a Educação Física escolar está longe de desempenhar um importante papel que nem sempre é reconhecido pelos poderes públicos? Ou se é reconhecido, mais grave ainda, por não lhe serem facultados os devidos e necessários meios.
Razão continua a assistir a Antero: “A nossa fatalidade é a nossa história”. Uma história em que, por vezes, a destreza e a força físicas continuam a viver em resquícios da lembrança de hercúleos mentecaptos e na revivência de eusebiozinhos descritos em crítica social de Eça, em “Os Maias”!
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