domingo, 5 de agosto de 2012

AS PEDRAS E AS PALAVRAS

Mais um texto do Professor Galopim de Carvalho, que o De Rerum Natura muito agradece.
O pior que se pode fazer no ensino das rochas é apresentá-las desinseridas dos respectivos contextos prático e cultural, precisamente os que têm mais probabilidades de permanecer na formação global do cidadão, em geral, e, naturalmente, também, dos estudantes. Insistir, como tem sido uso e abuso nas nossas escolas, nas definições estereotipadas e nas listagens para “empinar” e, pior ainda, fazer de tudo isso matéria de ensino obrigatório, tendo em vista, sobretudo, a passagem nas provas de avaliação, é um erro com consequências graves.
Os alunos podem vencê-las mas continuam a ignorar a matéria que lhes foi ministrada. Por esta via, não há formação possível, com a agravante de condenar tal aprendizagem não só ao esquecimento, como também à sua inclusão no grupo das matérias escolares que se rejeitam ou se detestam, num sentimento que fica para a vida, como tenho vindo a constatar ao longo dos anos.

O texto que se segue, i
ntencionalmente minucioso, reformulado e aumentado a partir de um outro já editado, é um exemplo, do que é possível fazer em torno de muitas matérias de ensino. Por exemplo, todos falamos de pedras com base num conhecimento comum, empírico e vulgar, ligado à experiência quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadãos. Vejamos, pois, o enorme e interessante leque que se pode abrir com base no conceito de pedra e na respectiva palavra.

De uso vulgar, pedra, do grego pétra, traduz a ideia de uma entidade natural, rígida, coesa e dura, do "Reino Mineral”. No seu tratado sobre as pedras, De Lapidibus, o grande filósofo, médico e alquimista persa, Ibn Sina, mais conhecido por Avicena, na viragem do século X para o XI, já distinguia “terras”, “pedras”, “minerais fusíveis e sulfurosos”, “metais” e “sais”, com base nas características externas directamente observáveis, como a cor, a forma e o brilho, e nas propriedades físicas determináveis, entre as quais a fusibilidade. Esta é considerada a primeira classificação dos objectos do dito “Reino Mineral”, numa época em que não se fazia distinção entre minerais e rochas. Para este alquimista, que foi uma das grandes figuras do pensamento universal, as pedras correspondiam às rochas coesas e a muitos minerais desde que não solúveis, não fusíveis (nos meios então disponíveis), não metálicos (como o ouro, a prata ou o cobre) nem sulfurosos (como os sulfuretos pirite, calcopirite, galena, esfalerite e muitos outros). Para Avicena e seus seguidores e, ainda, para muita gente nos dias de hoje, o vulgaríssimo quartzo é uma pedra.


Nesta concepção, por exemplo, e entre muitas outros minerais, o diamante, o rubi, a espinela, a safira, a esmeralda, a ametista, as ágatas eram pedras e, daí, ainda hoje se falar de pedrarias e de pedras preciosas e pedras semipreciosas. Para os romanos, gemma era o nome que se dava a estas pedras já então conhecidas e descritas por Plínio, o Velho, no século I, na sua monumental História Natural, em 37 volumes. No domínio da actividade científica, industrial e comercial em torno deste tipo de materiais, fala-se hoje de gemas, e gemologia, sendo gemólogos os seus cultores.


Pedro, nome de gente, vem de pedra. «Tu és Pedro e sobre ti levantarei a minha Igreja» disse Jesus ao discípulo. Petróleo é o óleo saído do chão, de dentro das rochas, ou seja, das pedras, assim como o carvão-de-pedra, nome que se dava à hulha, o combustível fóssil extraído das entranhas da Terra, como se de rocha se tratasse. Isto porque este novo termo que nos entrou com a Revolução Industrial, importado do francês houille, radica no frâncico huklia, que significa pedra.

Petrologia é a ciência que estuda as rochas e petrólogos e petrógrafos os seus cultores. Petrificados ficamos quando uma notícia nos imobiliza e nos gela o sangue. Num falar antigo, “petrificados” são os fósseis, ou seja, os restos dos seres vivos do passado que chegaram até nós depois de mineralizados ou convertidos em pedra. Petra é a antiga cidade da Jordânia repleta de monumentais ruínas escavadas na rocha, Petrópolis é a cidade do Estado do Rio de Janeiro que evoca o primeiro imperador do Brasil e São Petersburgo é o nome da antiga Petrogrado, bela cidade nas margens do Neva, assim chamada em homenagem a Pedro, não o Santo, mas o Grande de todas as Rússias. Pedra angular quer dizer fundamento, base ou suporte. Pedrógão, Alter Pedroso, Pedrouços e Pedrulha são topónimos derivados de pedra.

Aumentativo de pedra, pedrão deu padrão, o marco que os nossos navegadores deixaram na rota dos descobrimentos. Pedrês é a galinha salpicada, num granulado de preto e branco, como o granito. Empedernido diz-se daquele que é insensível como a pedra e pedernal ou pederneira é a pedra-de-fogo que faz chispas quando percutida, que os nossos avós usaram nos bacamartes e que os tetra-avós talharam para fazerem machados, facas e pontas de seta. Empedrar, pedregoso, pedregulho, pedregal, pedrisco e pedreiro, que tanto é o operário que trabalha a pedra, como é o nome que se dava aos morteiros de grande calibre que lançavam pelouros de pedra, são outros vocábulos radicados no mesmo étimo.

A palavra rocha é um galicismo que, entre nós, se sobrepôs ao termo roca, bem mais antigo, talvez pré-romano, e daí a expressão enrocamento com que se designa o acto de proteger com blocos de rocha certos pontos da linha de costa face à acção erosiva da vaga, e derrocada, a queda por gravidade de parte da parede rochosa de um escarpado, num processo natural dos agentes de erosão Cabo da Roca deve o seu nome a esta versão arcaica da palavra rocha. Barroco, antiga expressão portuguesa, com a mesma origem, tanto significa, entre nós, pedra, como o estilo artístico que floresceu entre o final do século XVI e meados do século XVIII. Barranco é o sulco que a água das chuvas escava no terreno, tornando-o irregular e pedregoso, morfologia da paisagem que deu nome à vila raiana de Barrancos. Barroca é o município brasileiro do estado da Bahia. Barrocal é a região pedregosa que marca os terrenos calcários do Jurássico algarvio e barroqueiro, a pedra que se apanha do chão e se arremessa. A mesma a que o alentejano e o algarvio chamam bajoulo, num regionalismo muito seu.

Rochedo deriva de rocha e é o mesmo que penha, expressão vulgar que está na origem de topónimos como Penhascoso, Penha Garcia e às bem conhecidas Penhas Douradas e Penhas da Saúde, na serra da Estrela. Penha, do castelhano peña, é o mesmo que pena saída do celta penn e do latim, pinna, de onde Penalva do Castelo, localidade que deve o nome à alvura da penha onde se erigiu aquela fortificação medieval. O elemento pena, que no germânico antigo também traduz a ideia de pequena fortificação ou castelo, está na base de outros topónimos como Penafiel, Penaguião, Penamacor e Penacova. O Castelo da Pena, em Sintra, é assim chamado por estar edificado sobre uma penha, à semelhança de outras que marcam certos cimos pontiagudos do relevo. Com a mesma raiz, Penela (diminutivo de penha), localidade anterior à nacionalidade, nasceu em torno do castelo que marca o cimo dos rochedos de arenito do Triásico. De idêntica origem, penedo deu Penedos de Góis, Penedono, Peneda, a serra, e Penedo, em Colares (Sintra). Ainda do latim, pinna deu pináculo, que tanto é o cimo ou cume de uma catedral como o ponto mais elevado e sempre rochoso de uma montanha.

Pêro é o nome arcaico de Pedro, e Peres são os seus descendentes. O escrivão da armada portuguesa que chegou ao Brasil, Pêro Vaz de Caminha, o viajante português do século XV, Pêro da Covilhã, e o fidalgo galego do século XII, Fernão Peres de Trava, são nomes conhecidos da nossa história e Pêro Botelho é o Diabo que não pára de rugir na caldeira que tem o seu nome, no sítio das Furnas, na ilha açoriana de S. Miguel. Peroliva, localidade do distrito de Évora, quer dizer pedra cor de azeitona (oliva). Peramanca e Perafita são nomes de sítios da mesma região, que evocam grandes marcos de pedra, através do prefixo pera-, que traduz a mesma ideia. Tais pedras que sabemos serem monumentos pré-históricos, ou estão “mancas”, isto é, tombadas, ou ainda se mantêm “fitas”, maneira antiga de dizer erguidas, na postura fálica em que as colocavam os nossos antepassados de há 4000 a 6000 anos.

Os pré-historiadores franceses divulgaram-nos sob o nome de menhires, mantendo a expressão original bretã, men hir (menhir) que significa grande pedra. Um outro nome, este de origem galesa, usado para dar nome a estas grandes pedras foi lech de onde o termo cromlech, que alude às grandes pedras mais ou menos trabalhadas, já usado no século XVII, para designar este outro tipo de construção pré-histórica, de que temos magnífico exemplo no cromleque dos Almendres, perto de Évora.

De origem antiga, duvidosa, talvez do pré-romano, canthus, deu canto, termo, muito pouco falado ou escrito entre nós. Sinónimo de pedra, é de uso frequente na vizinha Espanha. Dele derivam, na língua portuguesa, cantaria, a pedra talhada dom destino à construção civil, canteiro, o homem que a trabalha, e canteira, a versão menos comum de pedreira (cantera, em castelhano). O mesmo étimo está na origem dos nomes dados aos cumes pedregosos da Serra da Estrela, a que toda a gente chama Cântaros, (com destaque para o Gordo e o Magro). Cantal é o nome do departamento francês do sul, cuja paisagem é marcada por um conjunto de picos vulcânicos mais ou menos afectados pela erosão, cantaril é um pequeno cume e cantil, a ferramenta com que o escultor alisava a pedra, sendo curioso notar que alcantil, com o mesmo étimo, nos chegou através do árabe al kantil, que refere o escarpado ou cume rochoso.

Lapa, vinda do pré-céltico, é uma grande pedra que encima um abrigo natural, e lapedo é sítio de muitas lapas. Com alusão a pedra, usamos ainda o nome étimo lapis. Com efeito, era de pedra o lápis da nossa infância, feito de ardósia, nome que mantém mesmo nos que são fabricados com outros materiais e que usamos para escrever ou para pintar sobre papel. Deste étimo nasceram expressões mais ou menos correntes como lapiseira, lápide, a pedra tumular, lapídeo, que significa petrificado e insensível, lapidoso ou pedregoso e lapidificação, que é o mesmo que petrificação, mas que também é uma forma cruel e desumana de execução, entre os fundamentalistas islâmicos, apedrejando os condenados até à morte. Lapidário é, não só, o pedreiro como, ainda, o nome que se dava aos manuscritos da Idade Média que falavam das pedras, em especial das suas propriedades medicinais e mágicas, com descrições fantasiosas em torno delas, numa época em que mineral e pedra se confundiam. Lapidar, como verbo, é talhar a pedra, mas, como adjectivo, quer dizer basilar, fundamental, e lapidadas são (ainda, desgraçadamente) as mulheres condenadas pelos ditos fundamentalistas e, também, as pedras preciosas que enriquecem as jóias dos que têm gosto e posses para as adquirir, sendo o lápis-lazuli (pedra azul) uma delas. Lapidicidas diz-se dos moluscos que perfuram as pedras para aí se alojarem e lapidículas são as águias e outras aves que fazem ninhos entre pedras ou nas fendas dos rochedos. Lapili é o termo adaptado do italiano lapilli, usado pelos nossos vulcanólogos para nomear um tipo particular de produtos piroclásticos, para os quais já dispúnhamos da expressão açoriana, bagacina e das suas equivalentes, farjouco e feijoco, no arquipélago da Madeira.

De origem incerta, talvez pré-romana, o termo laje, que designa a placa de pedra de superfície plana e delgada, deu lajear, lajedo e lajão. São José da Laje, Laje do Muriaé, Lajedo do Tabocal e Lajinha são localidades do Brasil e lajenses, lajistas e lajianos os seu habitantes. Lajenses são também os nossos irmãos açorianos das Lajes do Pico e Lajes das Flores. Com raiz neste étimo antigo, esquecidos em Portugal mas bem vivos no Brasil, há, ainda, lajeolas ou lajotas, dois nomes para referir pequenas lajes, e lajém, o trecho do rio que corre entre lajeiros, os afloramentos de lajes.

À pedra vulgar, dos menos e dos mais letrados, à rocha, dos que passaram pelos bancos da escola elementar, e ao quase esquecido canto há, ainda, a juntar o elemento de composição culta lito, saído do grego, lithos, que contém a ideia de rocha, de uso restrito a estratos mais avançados em termos de escolaridade e vivência sóciocultural. Litologia é, assim, a disciplina interessada no estudo das rochas. Litogénese alude às suas origens e litosfera é o termo que, em linguagem científica, se dá à capa rochosa que envolve a Terra, formando os continentes e o substrato dos fundos oceânicos. Litografia e litogravura, paleolítico e megalítico, batólito, fonólito, litoclasto, litófago, litificação e litíase, a biliar ou a renal, exemplificam alguns dos muitos termos de uma linguagem erudita, apoiados naquela expressão de origem helénica.

Silício e os seus derivados sílica, silicatos, silicitos e silicon radicam no termo latino, silex, que significa pedra e calhau e que todos conhecemos sob o nome vulgar de pederneira. De facto, são de pedra os bem conhecidos artefactos de sílex, ou sílices (no plural), dos nossos remotos antepassados e, daí, chamarmos Idade da Pedra a grande parte do período pré-histórico.

Muitíssimo menos divulgado, mesmo entre os geólogos, mas bem conhecido dos cultores da língua e estudiosos dos seus percursos semânticos, temos ainda o elemento de composição culta, sax, que exprime igualmente a ideia de pedra. Oriundo do latim, saxus, compõe as palavras sáxeo e saxoso, duas formas eruditas de dizer pétreo, pedroso ou pedregoso, e ainda saxátil, o animal ou a planta que vive entre as pedras, e saxícola, que tanto é o indivíduo que habita as penedias como o idólatra que presta culto aos deuses de pedra. Saxífrago é o que parte ou destrói a pedra, sendo curioso notar que, nesta expressão, também o elemento frago evoca o mesmo tipo de material, como se verá adiante. Passando ao uso popular, saxus deu seixo, pedra dura ou pedra bruta que, via de regra, refere os calhaus rolados das praias ou dos rios. Todavia, em alguns sítios do interior norte e serrano, o termo seixo é empregue para denominar os fragmentos angulosos de quartzo leitoso espalhados no terreno por desmantelamento e erosão dos respectivos filões onde, em alguns casos, se explora este mineral de sílica. Seixal, quer a cidade e o concelho a sul do estuário do Tejo, quer a povoação na costa norte da ilha da Madeira, devem o nome à abundância de calhaus rolados ou seixos ali concentrados pelo transporte fluvial do Tejo, no primeiro caso, e pela acção das vagas. Em alusão ao referido carácter anguloso, às vezes subentendido na palavra seixo, temos, por exemplo, as localidades Seixinho (Guarda), Seixal (Viseu) e Seixoso (Porto), marcadas pela abundância dos referidos fragmentos dispersos no solo. A associação de seixo ao quartzo leitoso está, ainda, patente na expressão seixo-bravo, usada no norte do país, para referir a parte estéril dos filões quartzosos mineralizados. Chama-se seixeira à escavação de onde se extraem seixos para diversos fins industriais, e seixebrega à planta usada em tisanas, como mezinha, para destruir ou dissolver as pedras (cálculos) do rim.

Aos seixos, em geral, os gregos antigos chamavam psephós, e os romanos, rudus, dois étimos que sobreviveram na petrografia das rochas sedimentares nos nomes psefitos e ruditos, usados para designar as rochas detríticas mais grosseiras, como os conglomerados e as brechas.

Gravilha, um francesismo adoptado pelos profissionais da construção civil, designa uma classe de inertes (material de construção), de granularidade mais fina do que a vulgar brita, situada entre os ruditos e as areias, para a qual existem os termos populares bichouro e miuçalha.

Fragoso, saído do latim, fragosu, significa pedregoso, penhascoso ou rochoso. Fragas, fraguedos e fragarias são rochedos, penhas ou penedias. Fragais ou fragaredos (como se diz em Trás-os-Montes) são outras formas de dizer penedos e damos o nome de fragueiros aos que vivem nas montanhas, entre fragas.

Mas há ainda outros termos associados às rochas, tal a sua importância na nossa vida de todos os dias. E comecemos pela palavra cálculo, termo erudito para designar a pedra nas litíases biliar e renal. Com efeito, calculu, do latim, significa pedrinha, e com pedrinhas se contava e faziam contas na Antiguidade, operações a que hoje chamamos calcular e que fazemos de cabeça, manualmente ou por via electrónica nas modernas calculadoras.

Do mesmo modo, cal, também do latim, calx, significa calhau e, portanto, pedra. Com pedras a servirem de lastro se calam os barcos quando, sem carga, se fazem ao mar. Calçada é o revestimento com pedras (calces, em latim, no plural), calceteiro, o artista que celebrizou no mundo a calçada portuguesa, e calcedónia, a variedade de quartzo presente nas ágatas, no ónix e noutras pedras siliciosas. O mesmo étimo está na base de calcário, a rocha sedimentar com que se faz a cal, a pedra branca que, uma vez regada com água, dá a calda com que ainda se caia nas aldeias e montes do Alentejo e do Algarve, ou a argamassa que dantes se usava em vez do cimento. Cálcio, calcite, calçado, calcanhar e calcâneo são nomes que facilmente se relacionam com esta mesma etimologia. Calçar é também meter uma pedra por baixo daquilo que queremos que fique firme, calcar é dar a compactação da pedra e calcinar é queimar e reduzir a cinzas, isto é, ao resíduo mineral, não combustível, como a pedra. Caleiras são sulcos ou regos inicialmente empedrados, tendo o nome sido generalizado, depois, ao mesmo tipo de aparato ainda que feito com outros materiais. Mas caleira ou caieira (termo usado no Alentejo) é também forno de cal e caleiro ou caieiro, o homem que a fabrica e/ou vende, caiador, aquele que se serve da cal para caiar, e caios são as ilhas rasas, feitas de areia calcária, dos mares recifais das Caraíbas.

Calle é a rua ou a calçada dos nossos vizinhos espanhóis, com correspondência para português no quase esquecido calhe (ainda usado no Brasil) como nome de rua estreita, vereda ou caminho próprio para gado. Calheta que, no mundo rural do continente se usa para referir um atalho por onde passam os rebanhos, nas ilhas dos Açores e da Madeira significa pequena enseada ou abrigo na costa rochosa.

Vindo do gaulês, caije, com o significado fragmento de pedra, deu caillou em França e calhau entre nós. À semelhança dos seixos, o nome é habitualmente usado na companhia do adjectivo rolado e refere as pedras arredondadas pelos rios ou pela vaga no litoral. Calhau designa, ainda, as praias repletas deste tipo de pedras nas ilhas dos Açores e da Madeira e é topónimo de uma aldeia de pescadores na ilha de São Vicente, em Cabo Verde e de uma outra na ilha do Pico (Açores). Em termos vulgares, calhoar é apedrejar e calhoada é um monte de calhaus. Burgo, além de castelo, fortaleza ou pequena cidade, é também seixo, calhau ou cascalho rolados. Com o memo sentido, burgau (vindo do francês), burgó e burgalhau, sinónimos entre si, são outros nomes dados ao mesmo tipo de pedra roliça com que se calavam os barcos. A conhecida praia do Burgau, nas proximidades de Lagos, no Algarve, evoca a abundância local destas pedras. E as referências a este tipo de materiais, sempre ligados ao nosso quotidiano desde os tempos mais recuados, não cessam de no-lo lembrar. De origem igualmente obscura temos ainda os termos rebo e gobo que significam calhau rolado, e os seus equivalentes minhotos, gode e godo, e o transmontano, gogo, o seixo liso ou rebolo, em que o sapateiro batia a sola. De uso regional, restrito, chamamos conhos, do latim cuneus, tanto aos penedos arredondados e insulados a meio do rio, como aos calhaus quártzicos e quartzíticos rolados das aluviões fluviais. No Tejo e no Zêzere, entre outros rios do centro do País, são conhecidas as conheiras, ou seja, extensos amontoados de conhos, deixados pela prospecção e lavra do ouro, levadas a efeito em grande escala, ao tempo da ocupação romana do nosso território.

Rupi ou rupe são mais dois elementos de composição culta, de origem latina, que veiculam a ideia de rocha, sendo por isso que qualificamos de rupículas os animais que vivem entre rochas e adjectivamos de rupestres as gravuras e as pinturas deixadas nas paredes rochosas pelos nossos antepassados pré-históricos. Do outro lado do Atlântico, o étimo ita, do tupi-guarani, com o significado de pedra, falado pelos índios do Brasil, quando os portugueses ali chegaram, figura na composição de dois termos aceites no vocabulário petrográfico em língua portuguesa — itabirito, um arenito flexível, muito especial, e itacolumito, um importante minério de ferro — rochas oriundas, respectivamente, de Itabira e Itacolumi, duas entre as muitas localidades brasileiras marcadas por este étimo.

4 comentários:

Luís disse...

Eis um belíssimo "post". Sem ser uma desorientada e mareante colagem de citações ou uma exibição de auto-promoção e ignorância. Apenas conteúdo. Bom, generoso, limpo. Bem haja Prof. Galopim de Carvalho pela pedrada neste charco.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Ao professor Galopim de Carvalho



O que brilha postula em mar de alegria,
aerado nem lenço a bom eito exclamou,
sereno canto, contento dos sem amargura
a cruz fora símbolo a destemida alvura.

Gemiam as eras d'onde a chama e qual tua
esculpira palavras per glorioso anseio
a terra compusera mais, outros veios e nua,
labor e ideais eis de heranças ao meio.

Em fulgarada pureza lançara-a ao calor,
virtude vosso passo, então serias oh' amor
e ascendestes aos campos eleitos da fé

confessar-te-ia abrasada a saudade,
és mina, natureza perfeita o relicário de pé
esplendorosa gema e luminosa cidade.

João de Castro Nunes disse...

É de pedra que resulta
o vocábulo pedrada
para ser arremessada
ao vilão que nos insulta!

JCN

Deus Carmo disse...

Muito bom e instrutivo. Quem quiser entender de pedra, é só vir aqui. Eu voltarei a este blogue.

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 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...