“Atingir o ideal écompreender o real “ (Jean Jaurès, 1859-1914).
Dobram a rebate os sinos da catedral da ignorância perante a anunciada decisão ministerial sobre a realização de exames nacionais destinados a avaliar o aproveitamento dos alunos do 1.º ciclo do ensino básico.
Aliás, em hábito que lhe corre em veias contestatárias, a voz teatral da ex-secretária de Estado da Educação do Partido Socialista, Ana Benavente, embora, como diria Eça, "a luz do gás não lhe faça reluzir o louro esplendor dos seus cabelos", não tardou em ecoar pelo país fora a anunciar a heresia das reformas do Ministro Nuno Crato “como um golpe de estado na educação”. Aplaudo a sua clarividência em reconhecer tratar-se de um golpe de estado contra uma ditadura igualitária, isso sim, entre estudantes aplicados e alunos cábulas, mercê de um passado de facilitismo que tanto tem contribuído para o atraso cultural e científico da juventude portuguesa tendo, inclusivamente, um antigo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do XVII Governo Constitucional, Mariano Gago, declarado que a Literatura Portuguesa representava um funil para a entrada de alunos em determinados cursos profissionais (mais adiante se fará destacada referência a esta verdadeira boutade!).
Mas aproveitando a “bucha”, como se diz em linguagem do teatro, antes, gostaria de recordar que no antigo ensino técnico, referindo-me em particular às escolas industriais, esta disciplina era ministrada com exigência assinalável. Digo-o com conhecimento de causa por ter iniciado a minha docência na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque da então Lourenço Marques. Ainda hoje recebo mails de antigos alunos que bem justificam a qualidade desse aprendizato em contraste com os nossos dias em que, por exemplo, indivíduos aspirantes ou possuidores de diplomas do ensino superior dão erros de concordância gramatical que levariam ao chumbo na antiga 4.ª classe do ensino primário. Por um certo pudor (que, todavia não me exime desta constatação) não apresento casos concretos por serem do domínio público e copiosamente denunciados.
Para não correr o risco de ser considerado como fazendo coro tardio com esta medida de Nuno Crato, já em anos anteriores apareci a gritar a nudez de um ensino que não ensina e a que é passada agora, a ainda que tardia, certidão de óbito. Competindo-me, ipso facto, o ónus da prova, colho, obedecendo a critérios de cronologia de publicação, excertos de três posts por mim publicados neste blogue e que o testemunham. Assim:
1.º excerto: “Só por absurdo, pode passar pela cabeça de alguém conceber um treinador de atletismo a adestrar um atleta para uma maratona olímpica sem que o resultado dos treinos seja sujeito à avaliação de uma cronometragem rigorosa. Pois é precisamente isto que acontece no nosso sistema educativo em que o aluno, por vezes, sai mal preparado por não terem sido avaliadas, em exames nacionais, as suas performances que atestem os conhecimentos adquiridos nos diversos e sucessivos patamares até ao 9.º ano de escolaridade. Desta forma, e a partir daí, é o aluno lançado nas pistas da exigente competição do ensino secundário (antecâmara de acesso ao ensino superior) em que corre o risco de cortar a linha da meta nos últimos lugares com os bofes do desânimo a saltarem-lhe da boca para fora. Outras vezes, nem sequer termina a prova, desistindo a meio e engrossando, assim, as percentagens do insucesso escolar (" “A resistência do ‘eduquês’ aos exames nacionais”, 10/08/2007).
2.º excerto: “No início de cada ano civil, é uso as casas comerciais fazerem o balanço do respectivo stock para prover necessidades futuras. Desgraçadamente, o sistema educativo nacional tem prescindido deste útil balanço, apesar de ter sido confrontado, no derradeiro mês de 1996, com estudos internacionais denunciantes do seu descalabro. Ou melhor, da sua vergonha: ‘Portugal, o pior da Europa” (Público,21/11/96).
Mesmo sem entrar em pormenores, mais ou menos polémicos, sobre as hossanas cantadas pela 5 de Outubro sobre as melhorias no PISA/2009, estudos emanados, em 2010, do próprio do Ministério da Educação e relatados na primeira página do Jornal I (31/12/2010), dão-nos conta de que:
" a) ‘Estudantes não sabem raciocinar nem escrever’; b) ‘Relatório demolidor: Alunos do 8.º ano ao 12.º ano de 1700 escolas não conseguem estruturar um texto encadeado, explicar um raciocínio com lógica, utilizar linguagem rigorosa ou articular conceitos."
Passando ao miolo da notícia (pp. 28-29), detenho-me numa coluna intitulada ‘o melhor e o pior’, referenciando umas tantas disciplinas curriculares dos diferentes anos dos ensino básico e secundário. Assim:
‘Língua Portuguesa (9.º ano):
- Só 11% dos alunos conseguiram transformar uma frase passiva numa frase activa e apenas 26% identificaram a que classe pertencia determinada palavra.
- Leitura e escrita de textos informativos são os domínios em que os alunos tiveram melhores resultados, com uma média em relação à cotação final de 74%. A leitura de um texto poético não foi tão bem sucedida.
Matemática (8.º e 9.º anos).
' Matemática (8.º e 9.º anos):
- As grandes fragilidades são detectadas nos exercícios que implicam percorrer sucessivas etapas até à resolução final ou então nos exercícios que exigem leitura, interpretação e definição de uma estratégia.
Biologia / Geologia(10.º, 11.º anos):
- Dificuldade em construir textos com rigor científico, em usar linguagem adequada ou em articular informação fornecida nos textos com os próprios conhecimentos.
Física / Química A (1º.º e 11.º anos):
-Usar e interpretar informação contida nas provas (textos, gráficos ou tabelas); expressar por escrito os conhecimentos; usar a calculadora para resolver problemas simples foram os embaraços dos alunos.
De forma utópica, determinou, em tempos recentes, em anúncio jubiloso, urbi et orbi, o Ministério da Educação que o 12.º ano se tornasse obrigatório. Desta forma, transformou, do dia para a noite, como escreveu Francisco de Sousa Tavares, ‘Portugal não num país de analfabetos, como até aqui, mas num país de burros diplomados’.Ou seja, em genuflexão perante a ‘diplomocracia’, assim havida, por José António Saraiva (Diáriode Notícias, 31/08/1979), ao referir-se à profusão de diplomas atribuídos a torto e adireito.
O Ministério da Educação, com pós de perlimpimpim em retortas de alquimia, não tardará muito em caminhar na vanguarda de um mundo alfabetizado com a maior percentagem de população escolar com estudos secundários completos ou equivalentes. Um ensino profissional mal clonado e as Novas Oportunidades darão uma mãozinha ‘preciosa’ para que essa percentagem nada ou pouco acrescente para a melhoria profissional de quem as frequenta, desiderato louvável se fosse essa a sua intenção. Ou seja, não contribuindo para o descrédito do esforço daqueles que muito suaram para obter, sem ser por vielas esconsas e mal iluminadas, o diploma do 12.º ano. Torna-se necessário, portanto, em prosa pessoana, ‘violentar todo o sentimento de igualdade que sob o aspecto de justiça ideal tem paralisado tantas vontades e tantos génios,e que, aparentando salvaguardar a liberdade, é a maior das injustiças e a pior das tiranias’” (‘Os Esqueletos no Armário dos Ensinos Básico e Secundário’, 02/01/2011).
3.º excerto: “Perante o desastre que foram os resultados dos exames de Português, quer no 9.º ano de escolaridade, quer no 12.º ano do ensino secundário, dei comigo a folhear um conjunto de pastas onde tenho centenas de artigos de jornal meus. Em boa hora o fiz ficando de bem com a minha consciência por não estar a chorar sobre o leite derramado por vasilhas do estado caótico a que chegou o ensino nas nossas escolas não me tornando, portanto, arauto, ‘a posteriori’, de uma situação por mim nunca criticada.O meu primeiro grito de alarme soou num extenso artigo de opinião publicado no 'Jornal do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados' (Nov./Dez. 2005), na altura em que presidia à sua assembleia geral, intitulado “A Literatura Portuguesa, um funil social?”. Retiro do que aí escrevi o seguinte:
‘Em tempos de mudança de uma complexa e cuidada adaptação ao Processo de Bolonha foi publicada a recente entrevista do ministroda Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, de que destaco a criação de cursos de ensino superior curto’ (Público, 07/11/2005).
Surge, assim, num horizonte de plúmbeas nuvens de cursos superiores a granel a criação de cursos superiores de especialização tecnológica no ensino superior curto (tendo já sido aprovados 70) ‘através de formações curtas e de acesso fácil’ porque para o acesso a estes cursos será abolida a prova de Língua Portuguesa, no dizer de Mariano Gago ‘um funil social’ (sic.)! Aliás, cursos com a duração inicialmente estabelecida para o ensino politécnico (dois anos) que rapidamente se sentiram capacitados, com o apoio de ruidosas pressões sindicais de rua, para conceder mestrados e que, apesar disso, esperneiam, qual criança birrenta, por lhes não sido dado acesso à atribuição de doutoramentos!’ (A Literatura Portuguesa, um funil social? 16/07/2011).
Perante factos aqui documentados sobre o estado desastroso do nosso ensino (que me coagiram à necessária extensão deste post ), com esta corajosa medida, o Ministro Nuno Crato, de forma pragmática, passou da teorização das medidas que sempre defendeu em textos escritos (v.g., o bestseller : “O Eduquês” ) para a sua aplicação prática. Condição bastante para merecer o aplauso dos portugueses porque, citando Albert Camus, “a verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo ao presente”. E haverá maior generosidade do que uma entrega completa à formação dos nossos jovens ao serviço de Portugal para o retirar do atoleiro de anos de criminoso facilitismo em que alunos nada sabendo e sem quase frequentarem as aulas transitavam de ano? Para mim, “that is the question”!