domingo, 26 de fevereiro de 2012
Uma Semente na Sinfonia da Vida
Crónica para a imprensa regional:
Na semana em que a Universidade de Coimbra comemora 722 anos desde a sua fundação, o mote para esta crónica parte de uma semente.
Com o sentido musical imerso na “Dança com Pássaros” de António Pinho Vargas (Prémio Universidade de Coimbra 2012), a semente de que parto é aquela que cientistas conseguiram fazer germinar e desenvolver em planta florida da espécie Silene stenophylla.
Esta semente aguardava há trinta mil anos pelas condições propícias à sua germinação. Congelada em tocas, de hibernação de esquilos, encontradas hoje entre os 20 a 40 metros de profundidade em territórios do nordeste da Sibéria, “aguardava” por mão humana. O trabalho efectuado por uma equipa de investigadores liderada pelos russos S. Yashina e D. Gilichinsky foi publicado on line, no passado dia 21 de Fevereiro, na prestigiada revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS).
Não deixa de ser estimulante a esperança de paz na imagem de uma planta florida, fruto do trabalho efectuado por cientistas da Academia das Ciências Russa, possa ser hoje divulgado ao mundo numa revista da Academia das Ciências Norte Americana! E pensar que um outro frio teria impedido que isto fosse possível há um instante atrás - 30 anos - comparado com os trinta mil anos de espera por condições apropriadas para iniciar o programa inscrito no genoma aninhado naquela semente! Este facto faz das plantas da espécie S. stenophylla os mais antigos organismos multicelulares actualmente viáveis, fósseis vivos renascidos!
Esta semente ressoa imediatamente em harmónicos da importância incalculável que existe no Banco de Sementes do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Iniciado há 240 anos por um dos mais dinâmicos e ilustres directores do Jardim Botânico, o Professor Júlio Henriques (1838-1928), o Banco de Sementes é o maior em Portugal e reúne hoje cerca de 50% das espécies nativas da Flora Portuguesa, algumas delas ameaçadas de extinção.
Em 1868, Júlio Henriques funda igualmente o catálogo dessas sementes intitulado Index Seminum et Sporarum, o qual continua até hoje a ser publicado e actualizado anualmente. Numa percepção avançada para a época, diríamos hoje, da necessidade em garantir a preservação da biodiversidade floral através da recolha e armazenamento de sementes, aquele ilustre botânico e naturalista intensifica a troca de plantas com os principais Jardins Botânicos de todo o mundo, como por exemplo os da “distante” Austrália. De facto, o Banco de Sementes é uma das muitas riquezas do Jardim Botânico e jóia do património da vida protegida no seio da Universidade de Coimbra, catalisador de um ímpar e singular intercâmbio científico que nos permite ter hoje sementes de espécies que se encontram em risco de extinção no seu local nativo.
Este facto impregna o jardim com fragrâncias de migrações futuras de alguma das sementes que preserva com o maior respeito pela biodiversidade do planeta.
Tal como o maravilhamento contagiante da música de António Pinho Vargas nos convida a migrações até novos horizontes de descobertas, novos destinos para um conhecimento sustentado, qual semente paciente que pode fazer renascer a esperança de um novo sorriso a florir junto da aparência do fim.
António Piedade
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