segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"Não sacrifica as elites"

Na sequência ao texto Discriminação dos alunos, de Maria Elvira Callapez.

A educação escolar tem sido conduzida, desde sempre, por ideologias e há-de continuar a sê-lo. Afinal que actividade humana não o é?

Se afastar aqueles que não aprendiam (aprendem) ao ritmo estabelecido foi (é) uma ideologia, transformada em prática, com uma longa história; dedicar-lhe a maior parte da (ou toda a) atenção foi (é) outra ideologia, também transformada em prática, mais recente.

Se a primeira foi devastadora para a escolarização de muitas crianças e jovens, a segunda não o tem sido menos. Mas há uma diferença: esta apresenta-se como democrática, anti-elitista. Não será nem uma coisa nem outra, mas o argumento soa bem a muitíssimos ouvidos e haverá pouca gente que, questionando o sentido de tal argumento, não se importará de ser interpretado (ainda que mal) de anti-democrático e de elitista.

Só assim se percebe o acolhimento acrítico em sistemas educativos europeus e americanos de declarações como a que se segue, da autoria de um dos mais seguidos pedagogos da actualidade: Philippe Perrenoud, (2001).
“É certoque uma escola orientada para o desenvolvimento de competências preparará menosbem os futuros matemáticos, químicos, historiadores e filósofos. E depois?...Não sacrifica as elites. Na pior das hipóteses, abranda um pouco a suaprogressão… Se isso permitir que umgrande número de alunos fique melhor preparado apenas para a vida, o preço é razoável.”

8 comentários:

Carlos Pires disse...

O que é, afinal, uma ideologia? Todas as teorias são ideológicas, independentemente da justificação com que se apresentem? Ou só algumas teorias são ideológicas?

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Ex.ma Srª Professora Helena Damião;

Gostaria, de forma humilde, se me permite, de a ajudar na compreensão da subtileza que existe em torno do conceito de Elite;

Para isso recomendo-lhe a leitura de uma carta escrita a Francine Benoit pelo professor Bento de Jesus Caraça, que pode ler no livro (Bento de Jesus Caraça – Campo das Letras, pag. 425/6.).

Receio ocupar muito o DRN com a sua transcrição em comentário, pelo que não o faço.

Peço-lhe por isso, desculpa. Creio que a sua leitura e compreensão a irá ajudar muito na sua intervenção futura como pedagoga e humanista que é.

E peço-lhe mais que aceite as minhas saudações cordiais.

helena disse...

Sabemos que "tudo ao molho e fé em deus" não está a resultar. Nenhum professor tem capacidade para dar resposta a um grupo de 30 alunos em estágios díspares de aprendizagem e motivação. Mais do que a preocupação com a ideologia (apesar de ela ser inerente a todas as acções programadas) talvez pudéssemos experimentar organizar as coisas de forma a funcionarem bem. Em vez da ideologia, dar a supremacia ao funcionamento mecânico da "roda dentada", que se não tiver as condições adequadas, que são facilmente identificáveis, pura e simplesmente não funciona. Penso que o sistema de separar os alunos de acordo com níveis é melhor do que juntar tudo na mesma sala. Discriminação, há em todos os sistemas, cumpre-nos olhar para os ensinamentos da História e fazer escolhas menos más. É o que me parece.

José Batista da Ascenção disse...

Espanta-me a ideia de Perrenoud, segundo

a qual, o objectivo da escola seria "permitir que um

grande número de alunos fique melhor preparado apenas

para a vida. "Apenas para a vida"?!...

E para que ficariam preparados os que não se incluem

naquele "grande número"?

Mas isto são perguntas que "escrevo na água". Que nem

a Perrenoud dirigiria...

Mas pergunto, isso pergunto aos quatro ventos: será

que é impossível a ideia de uma escola democrática

onde os que querem aprender, ou os seus pais, no

caso das crianças, possam escolher o modo (não digo

modelo) de ensino?

É que, a médio prazo, a escola arrisca-se a

tornar-se um absurdo. Obrigatório.

Pela mão de "pedagogos".

José Batista da Ascenção disse...

Meu caro Rui Baptista:

Admiro-lhe a paciência e a persistência.

E agradeço-lhe, uma e outra.

Mas, se quer que lhe diga, há certas vozes

que não merecem que se lhes dê troco.

O que não é uma crítica, faço notar.

José Batista da Ascenção disse...

Ora bolas!

O meu último comentário não era daqui.

Vou "transferi-lo".

As minhas desculpas.

Helena Damião disse...

Estimado Leitor Joaquim Manuel Ildefonso Dias

As expressões "elite", "ensino elitista", "escola de elite", etc. têm levantado inúmeros mal-entendidos. Um dos mal entendidos é que para ser democrática a educação formal não pode ser elitista. Não me parece haver qualquer sentido nesta afirmação, pois entendo que todos os tipos de educação formal devem produzir elites, sejam elas científicas, artísticas, de ofícios, literárias, desportivas... A sua ambição não deve ser menos do que esta.

Assim sendo, venho pedir-lhe que, caso tenha à mão, a carta de Bento de Jesus Caraça, a partilhe no De Rerum Natura.

Agradecendo antecipadamente,
Helena Damião

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Carta a Francine Benoit

Exma Sr.ª D. Francine Benoit

Minha Senhora

Devolvo-lhe, depois de lido com o agrado e interesse bem merecidos, o original da sua última lição sobre os “Estilos”.
Claro que podíamos discutir, não digo eternamente (para não cair na metafísica), mas longa, longamente, sobre a noção de povo e de elite. Estarão certas as suas definições?
Da primeira – “o comum das diferentes aglomerações de gentes…”, “todos nós que povoamos a terra” – parece depreender-se que tudo é, afinal, povo. O Alfredo da Silva, o Sotto-Mayor, povo?
Mais precária me parece a definição de elite – “somos eleitos, formamos uma elite, portanto, num ou noutro ramo de actividade humana, quando as nossas faculdades e o nosso trabalho ultrapassam o comum”.
Nós podemos definir elite como quisermos, mas isso não impede que haja, de facto, uma elite, como camada social. É evidente que a Senhora Duquesa de Cadaval não cabe dentro da sua definição de elite mas é também evidente que ela pertence à elite, socialmente considerada, do nosso país.
E eu inclino-me a crer que os dois termos «povo» e «elite» só tem significado real, no tempo presente, quando considerados em relação à sua substancia social. Não quero com isto dizer que se seja povo ou elite conforme o berço em que se nasceu ou o que se ganha (ou rouba) por mês.
Há a osmose.
Kropotkine, Saint-Just eram povo, Fouché era elite.
Dir-me-á: mas, com isso, deforma o significado do termo elite! E eu respondo-lhe – não, não o deformo, tomo-o no sentido deformado que esta beleza de civilização ocidental lhe deu (e, como são eles que mandam, quando nós defendemos o conceito de elite estamos-lhes levando a água ao moinho, do que eu procuro guardar-me).
Se nós fôssemos ambos vivos daqui a algumas centenas (ou dezenas) de anos, quando estiver edificada a sociedade da liberdade, sem classes, então, dir-lhe-ia – mas só então -, minha Senhora, a sua definição de elite está certa.
Perdoe-me, Srª D. Francine Benoit, este monologar sem tom nem graça. Mas é que eu já em tempos fiz uma falação em que me ocupei do mesmo problema. Aqui lha mando (p.32 e ss) do que lhe peço antecipadamente perdão.
E peço-lhe mais que aceite as minhas saudações cordiais.

Bento de Jesus Caraça
(1940.30 de Abril – Lisboa)

Nota:
Em a Cultura Integral do Individuo, Bento de Jesus Caraça fala abertamente de elites, nestes termos, e cito o 1º paragrafo “Dessas nuvens de fumo, tantas e de tão variados aspectos, quero referir-me hoje a uma apenas – a confusa questão das elites. Confusa e delicada.”
Francine Germaine van Gool Benoit (1894 – 1990) – musicóloga, pedagoga e publicista.

Cumprimentos muito Cordiais e Obrigado.

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