segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
Sobre a ciência no teatro
Já está à venda a revista "Sinais de Cena", n.º 16, que inclui um dossier temático sobre ciência e teatro, onde se pode ler o artigo "O que torna Darwin Dramático?" de Mário Montenegro, actor, encenador, dramaturgo e director artístico da companhia de teatro marionet. Traduziu recentemente Sr. de Chimpanzé, de Júlio Verne [marionet, 2010] (na imagem, cena da peça no Museu de Ciência de Coimbra) e Cálculo, de Carl Djerassi [Imprensa da U.C., 2011]. Trancrevemos a entrada desse artigo, esperando abrir o apetite para o resto:
"Por volta dos anos 80/90 do século XX houve uma espécie de big bang no teatro. Desde essa altura o número de peças que explora temas da ciência tem vindo a expandir-se de modo exponencial. Uma diferença essencial entre este big bang e a teoria homónima que tenta explicar o começo do universo é que neste caso já algo existia antes da explosão. É possível assinalar algumas peças de teatro que anteriormente já integravam temas científicos nos seus enredos, mas estas peças são, no contexto da produção dramática global - continuando com a analogia astrofísica - uma espécie de radiação de fundo no sentido de algo que já existia mas que, a determinada altura, ganhou um significado específico. Exemplos bem conhecidos são a Vida de Galileu, de Bertolt Brecht (1938 [1970]), ou Os físicos, de Friedrich Dürrenmatt (1962 [1965]). As duas peças estão ancoradas nas figuras de importantes cientistas da nossa história e, entre outras coisas, reflectem sobre a responsabilidade social dos cientistas como indivíduos e, através deles, sobre a mais universal responsabilidade da Ciência.
Este fenómeno, nalguns casos bastante alicerçado e impulsionado pela comunidade científica, tem tido ramificações interessantes, nomeadamente através de acontecimentos paralelos à peça de teatro, como sejam os colóquios e conferências em torno não só do texto dramático mas também dos assuntos científicos por ele abordados.
Há, através deste subgénero teatral [1], uma aproximação das tradicionais “duas culturas” (Snow 1959). E esta é uma aproximação prática, em que diferentes linguagens e métodos de transmissão de conhecimentos destes dois campos se relacionam e interpenetram.
Mas porquê este súbito interesse do Teatro por temas científicos? E porquê neste momento? A motivação para este encontro parte dos dois intervenientes. Do lado da Ciência, a vontade de uma maior e mais próxima interacção com a sociedade tem-na levado a procurar novas formas de comunicação (Djerassi 2002, Rose 2003), sendo o Teatro ou, em muitos casos, a dramatização de questões, personagens ou acontecimentos científicos, algumas das formas que encontrou para o fazer. A apresentação de pequenas peças dramáticas em conferências e congressos científicos, a oferta de representações em torno da Ciência por parte de museus e centros de ciência, são exemplos desse esforço consciente de aproximação à sociedade por parte da Ciência. Um caso exemplar é o da fundação norte-americana Alfred P. Sloan que desde 1998 financia a criação e produção de peças de teatro de tema científico e tecnológico [2]. Assim como o são os casos de cientistas-escritores que decidem expor questões relacionadas com a Ciência sob a forma de texto dramático - como fazem, por exemplo, o químico norte-americano Carl Djerassi ou o físico canadiano John Mighton.
Do lado do Teatro, os dramaturgos abordam a Ciência não só sob o ponto de vista de uma análise ética ou das suas consequências, como no caso das referidas obras de Brecht e Dürrenmatt, mas parece existir também uma introdução da Ciência nas obras dramáticas por estarem criadas as condições para uma melhor aceitação, por parte do público de teatro, dos temas e linguagens científicos, facto a que não será alheia a generalização de certos assuntos pelos meios de comunicação social.
Os dramaturgos, poderão também encontrar na Ciência uma fonte de novos mitos e metáforas, e, eventualmente, uma visão mais profunda do ser humano no universo (Shepherd-Barr 2003, Barnett 2005); poderá ainda existir a procura, por parte dos produtores de teatro, de novos campos de actuação, não só pela pertinência e actualidade de alguns temas científicos (ligados à biologia celular, à física de partículas, à astronomia) com implicações imediatas na sociedade, mas também como forma de alargar o seu campo de financiamento, estendendo-o a instituições de índole científica e educacional, indo de encontro aos anseios de maior aproximação à sociedade destas comunidades. (...)"
Mário Montenegro
Notas:
1 Apesar de ser um fenómeno recente, vários estudos referem-se às peças de teatro de tema científico (“science plays” ou “science-in-theatre”) como configurando um novo subgénero dramático. Ver a este respeito Djerassi (2002), Shepherd-Barr (2006), Montenegro (2007) e Zehelein (2009).
2 Informação sobre o programa de promoção da cultura científica através do teatro da Alfred Sloan Foundation pode ser encontrada aqui [consultado em 16.10.2011].
Referências bibliográficas
- BARNETT, David (2005), “Reading and Performing Uncertainty: Michael Frayn’s Copenhagen and the Postdramatic Theatre”, Theatre Research International, Vol. 30, Nr. 2, pp. 139-149.
- BEGORAY, D. & Stinner, A. (2005), “Representing Science Through Historical Drama – Lord Kelvin and the Age of The Earth Debate”, Science & Education, Vol. 14, Nr. 3-5, pp. 457-471.
- BRECHT, Bertolt (1970), Vida de Galileu, trad. Yvette Centeno, Lisboa, Portugália Editora.
- DJERASSI, Carl (2002), “Science and Theatre”, Interdisciplinary Science Reviews, Vol. 27, Nr. 3,Autumn, pp. 193-201.
- DÜRRENMATT, Friedrich (1965), A visita da velha senhora e Os físicos, trad. Irene Issel e Jorge de Macedo, Lisboa, Portugália Editora.
- MAGNI, Francesca (2002), “The Theatrical Communic-action of Science”, JCOM – Journal of Science Communication, Nr.1, March, pp. 1-14.
- MONTENEGRO, Mário (2007), Texto dramático de tema científico: o caso particular de Carl Djerassi, tese de mestrado, Porto, Universidade do Porto.
- ROSE, S. P. R. (2003), “How to (or not to) Communicate Science”, Biochemical Society Transactions, Vol. 31, Part 2, pp. 307-312.
- SHEPHERD-BARR, Kirsten (2006), Science on Stage: From Doctor Faustus to Copenhagen, Princeton, Princeton University Press.
- SNOW, C. P. (1959), The Two Cultures, Cambridge, Cambridge University Press.
- ZEHELEIN, Eva-Sabine (2009), Science: Dramatic. Science Plays in America and Great Britain, 1990-2007, Heidelberg, Winter.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"
Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à in...
Sem comentários:
Enviar um comentário