domingo, 8 de janeiro de 2012

A Revisão Curricular e a Ordem dos Professores

“Trata-se de reflexão, e a irreflexão parece-me uma das principais características do nosso tempo” (Hannah Arendt, 1906-1975).

A recente notícia da audição do ministro Nuno Crato aos directores das escolas dos ensinos básico e secundário sobre a revisão curricular destes graus de ensino parece ter criado um certo receio entre os docentes relativamente às consequências boas ou nefastas dessa medida há muito reclamada e para a qual não foram consultados, quiçá, por ser sabido que “cada cabeça, cada sentença”.

Mas eu temo (e tenho razões de sobra para temer) que os sindicatos dos professores queiram, uma vez mais, meter a colherada em assunto que não lhes diz respeito por intervirem, não poucas vezes, “com desenvoltura,em áreas que não são nem da sua vocação nem da sua competência” (EugénioLisboa). E, desta forma, possa ser transformada a revisão curricular numa verdadeira Torre de Babel sujeita a interesses partidários, proveitos de capelinhas ou conveniências meramente pessoais. Ora com diz a sabedoria popular, “gato escaldado de água fria tem medo”. Haja em vista a Lei de Bases do Sistema Educativo, discutida e acordada entre o ministro Roberto Carneiro e 30 sindicatos e organizações afins, génese de um clima de gritante injustiça em que passaram a ser igualados docentes desiguais como se “a única salvação do que é diferente não fosse ser diferente até ao fim, com todo o valor e todo o vigor” (Agostinho da Silva).

Mas será assim tão difícil compreender (e, principalmente, acatar pelos seus dirigentes) que aos sindicatos compete, apenas, a indiscutível importância na discussão de objectivos meramente laborais, v.g., horários de trabalho e remunerações, não deixando (e bem) nas mãos do patronato a decisão unilateral dessas condições, nesta espécie de terra de ninguém, tomada de assalto por um sindicalismo agressivo, metendo a foice em seara alheia, com a estranha complacência e não menor passividade docente, não tem havido terreno fértil para uma outra alternativa, como seja a criação de uma Ordem dos Professores, mesmo depois da existência de quase incontáveis ordens profissionais que, hoje, não obedecem, nem de perto, nem de longe, a um exigente critério estatutário anterior ou mera tradição relativamente aquelas criadas antes da Constituição Portuguesa de 33 (Ordem dos Advogados), durante o Estado Novo (com parcimónia) e depois de 25 de Abril, agora sim, em movimento uniformemente acelerado, algumas delas, em resposta a exigências, mais ou menos descabidas, dos seus futuros usufrutuários. Ou seja, sem rei nem roque!

Uma das razões possíveis para este statu quo parece-me residir no facto de o primeiro movimento para a criação de uma Ordem dos Professores ter surgido pela vontade da Associação Nacional dos Professores do Ensino Básico (maioritariamente constituída por professores do 1.º ciclo do básico), prosseguida com verdadeira “obra feita” por parte do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, através, inclusivamente, da apresentação por si de uma moção discutida em Plenário da Assembleia da República (com os votos a favor da bancada do CDS/PP, indecisão de outras bancadas e repúdio declarado do Bloco de Esquerda).

E, assim, nesta luta de perspectivas diferentes de valorização de uma classe que não existe verdadeiramente sendo apenas um mero exercício profissional (os licenciados em Medicina só são médicos mediante a inscrição na respectiva ordem profissional) não se encontra um interlocutor para, a uma só voz, dar parecer sobre a revisão curricular dos ensinos básico esecundário. Mas esta discussão, como diria Eça, não se deve preocupar com “minudências”. Mas mais do que "minudências", trata-se, isso sim, da criação de uma associação de direito público em que o Estado delegue funções, como sejam: definir o perfil do professor , atribuir o respectivo título profissional inexistente, ou atribuído ao desbarato, zelar pela qualidade das escolas que formam os docentes, regulamentar a respectiva actividade, dar pareceres científicos e pedagógicos que ao exercício docente digam respeito e, last but not least, atribuir aassunção da responsabilidade de actos próprios de uma profissão de interesse público com incidência no cumprimento de uma necessária e desejável deontologia profissional. Não compreender isto é não aceitar que, como escreveu Fernando Savater, responsável pela cátedra de Ética da Universidade do País Basco, a “profissão docente é a corporação mais necessária, mais esforçada e generosa, mais civilizadora de quantos trabalham para satisfazer as exigências de um Estado democrático” .

3 comentários:

joão boaventura disse...

Caro Rui

Li uma vez num jornal francês um artigo indagando sobre a saúde da população e propôs, como forma de o saber, convidar os idosos a desfilarem pelas ruas de Paris.

Como não houve desfile, e ninguém se dispôs a organizá-lo, concluiu-se que ninguém estava interessado em saber em que ponto se encontrava a saúde da população, e muito menos a dos idosos.

Mal comparado, assim o Caro Rui, que, desejando melhorar a "saúde do poder e do saber dos professores", para que tenham voz activa no magistério que exercem, acaba por chegar à conclusão de que o professorado está bem, se recomenda, e tolera todas as ambiguidades e afrontas, como recomenda a Igreja Católica Apostólica Romana.

O silêncio também fala e esclarece que o professorado prefere a servidão voluntária.

Aí tem a resposta... dos Novos Vencidos da Vida.

José Batista da Ascenção disse...

Caro João Boaventura:

Permita-me a "correção": Vencidos do Ministério da Educação. Assim se chama, por acordo unânime dos seus membros, a tertúlia de que faço parte, a qual reune semanalmente num café. Meu Deus, e o que nós desancamos...
Agora, que os professores têm feito tudo, e deixado fazer, para serem reduzidos à "servidão voluntária", lá isso têm. A razão está toda consigo.
Infelizmente.

joão boaventura disse...

Caro José Batista da Ascenção

Ainda bem que compreendeu que também eu não estou excluído dos "Vencidos do Ministério da Educação", como bem colocou o apelativo, mas ao menos vamos avolumando a insatisfação de quem não se sente bem retratado pelo Governo nem pelo Estado, não vão estes vivendo no sossego de que todo o professorado se acha bem de saúde.

Bem haja.
Um abraço e continuação de Um Ano Melhor, de facto e de direito

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